ENTREVISTA

"Sarampo se transmite mais fácil que covid-19", diz epidemiologista da UnB

Depois do registro do primeiro caso da doença em quatro anos, no DF, a cidade ficou preocupada. Para o especialista, é importante a população se imunizar. "Não há risco nenhum em tomar a vacina", destaca

 Wildo Navegantes,durante entrevista ao Programa CB Saúde. -  (crédito:  Guilherme Felix/CB/D.A Press)
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Wildo Navegantes,durante entrevista ao Programa CB Saúde. - (crédito: Guilherme Felix/CB/D.A Press)

O Distrito Federal ficou em alerta nesta semana com o anúncio de um caso de sarampo após quatro anos livre da doença. Desde novembro do ano passado, o Brasil tem o selo de país sem registro do sarampo. No entanto, a baixa cobertura vacinal e a alta transmissibilidade do sarampo são fatores que preocupam os especialistas. Para falar sobre o assunto, o professor epidemiologista Wildo Navegantes, da Universidade de Brasília (UnB), foi o entrevistado do CB. Saúde, de ontem, pelas jornalistas Carmen Souza e Sibele Negromonte. 

Navegantes destacou a importância de vacinar as crianças, sobretudo nesta época do ano, marcada pelo início do outono. "É bom falar que o Brasil conseguiu controlar a doença com a imunização", ressaltou. Ele chamou atenção para a nova geração de mães, que nasceram após o controle do sarampo e não conheceram os riscos da doença de perto. Por isso, é importante deixar em dia a caderneta de vacinação dos filhos. 

"O sarampo se transmite muito mais fácil que a própria covid-19", alertou. Embora o Brasil tenha retomado o certificado de país livre do sarampo, o epidemiologista advertiu que "basta não mantermos a cobertura vacinal alta, e não fazermos nosso trabalho de vigilância", para que o país volte a ser afetado pela doença. 

Além das crianças, o especialista ressaltou que adultos não vacinados, ou que não lembram se tomaram a vacina, podem ir até os postos de saúde e fazer a imunização. "São vacinas que têm dezenas de anos, sendo usadas em vários países. Não tem risco algum tomar vacina para sarampo", ressaltou. O epidemiologista comentou também sobre os casos de dengue, comuns nesta época do ano, e de covid-19. Embora o país não esteja em um momento de surto das doenças, é necessário manter a vigilância. 

Navegantes afirmou que o sistema de saúde está mais preparado para combater a dengue, mas a cobertura ainda não é a ideal. "Os determinantes que favorecem a ocorrência da dengue não mudaram, as cidades não mudaram, os comportamentos humanos não mudaram tanto assim", ressaltou. 

O aumento dos casos de covid-19 em 2025 também é motivo de alerta. Mesmo com o fim da pandemia, os hábitos de higienização são fundamentais. "Se está doente, com quadro de resfriado, volte a usar a máscara", aconselhou. Em 2025, o Brasil registrou 11.467 casos e 193 mortes pela doença.

Depois de quatro anos, o DF registra o primeiro caso de sarampo. Há casos também no Rio de Janeiro, aumento nos Estados Unidos, Europa com recorde de registros, todo um cenário que desperta preocupação. Como o senhor avalia esse momento? Faz sentido o alerta?

Faz sentido o alerta, eu diria que nós, pais ou responsáveis, temos que ficar ligados e pensando que é uma doença que já circulou, tivemos muitos casos no Brasil. Hoje em dia, nós não temos essa quantidade de casos, porém o mais importante é pensar que existe uma vacina que está disponível no centro de saúde e  basta levar a criança com o cartão vacinal. O sarampo é uma doença que mata. Na minha geração, quando criança, nós víamos grandes quantidades de casos no Brasil, e, hoje, é bom falar que o Brasil conseguiu controlar o sarampo com as vacinas. Como nós temos a volta do período escolar, é estratégico que tentemos conter essa possível transmissão de doença mediante vacinação. 

Temos vivido um movimento antivacina ultimamente, o que tem baixado a adesão à imunização. As novas gerações não têm noção da gravidade do sarampo.  Por quê? 

É uma doença que pode matar. Pode ter quadros graves de cegueira, encefalite. Inicialmente, o quadro começa com a febre, a pele avermelhada e tem um sinalzinho na boca da criança quando muito jovem. Por que nós não ouvimos mais se falar de sarampo? Justamente porque ele já não circula tanto aqui. E aí as novas gerações — chamo atenção às novas gerações de mães que não viram o sarampo acontecer na sua realidade — precisam se atentar para isso. Basta levar a criança ao centro de saúde para fazer a vacinação. 

E é uma doença com uma transmissão muito alta. Tanto que o GDF se mobilizou para mapear as pessoas que tiveram contato com a mulher infectada, elas estão sob vigilância. Como é esse procedimento, considerando a alta transmissão do sarampo?

Vou falar dois aspectos. O primeiro é valorizar a vigilância que nós temos no Brasil e no DF. As equipes entram em contato com todas as pessoas que tiveram contato com essa pessoa (infectada). Aí essas pessoas são sondadas, o GDF entra em contato, a Secretaria Estadual de Saúde entra em contato, fala com cada um. E é importante essas pessoas ficarem sabendo que elas vão receber o contato do estado mesmo, não é fake. Elas serão monitoradas até o período de tempo que a pessoa demonstrar que a doença não vai evoluir. Esse é o primeiro fato. O segundo fato importante diz respeito à transmissibilidade. E aí, para quem vivenciou a covid, como nós, alertamos as gerações das novas mães que o sarampo se transmite muito mais facilmente do que a própria covid-19. A nossa recomendação é nos preocuparmos com o risco da transmissão acelerada. 

O senhor falou do cartão vacinal. Mesmo que a a mãe tenha perdido a data de vacinação do filho, vale a pena ir lá e se vacinar?

Perdeu a caderneta? Não tem problema hoje em dia. Vai até a unidade de saúde, passe suas informações, CPF, nome, por exemplo. O próprio sistema de saúde vai procurar no sistema público e vai conseguir a informação da situação vacinal da criança. 

E no caso dos adultos? Mesmo que eu tenha sido vacinada, e não sei se eu fui, não tem problema? 

Não faz mal à saúde. Olha bem, a vacina para o sarampo está no mercado há dezenas de anos, em vários países. Não tem risco algum tomar vacina para sarampo. Eu recomendaria, de fato, que procurasse o sistema de saúde, caso tivesse dúvida, para tomar vacina. 

E idosos também? 

Olha, idosos, é interessante. Idosos, não vale a pena a gente sugerir a recomendação da imunização, porque os idosos vivenciaram um tempo no Brasil que o sarampo circulava bastante. Então, provavelmente, acima de 59 anos de idade, boa parte deles já foram imunizados naturalmente, ou tomaram a vacina quando foi ofertada, no passado. 

Em 2019 nós chegamos a perder o certificado de eliminação do sarampo e recuperamos agora no fim do ano passado. Existe o risco de perdermos novamente?

Sem dúvida, há um risco, basta que nós não mantenhamos a cobertura vacinal alta e não façamos o trabalho de vigilância, monitorando caso a caso.

Estamos preocupados agora por causa do sarampo, mas há outras doenças infecciosas que podem voltar a circular sem o controle vacinal, não é isso?

Vou citar duas, mas perceba, as doenças que são imunopreveníveis são controladas via vacina, elas padecem justamente dos bons desempenhos das vacinas. Então, as mães, hoje em dia, também não viram o caso de poliomielite. Ainda há poliomielite com transmissão natural em alguns países. E lembremos que a poliomielite deixa sequelas importantes. A outra é a meningite. A meningite é uma doença que, se você tomar a vacina, está protegido, não tem problema algum. É uma vacina que também está no nosso Programa Nacional de Imunização (PNI).

E o avanço da dengue, também preocupa?  

A dengue é uma doença que vai permanecer, infelizmente. De fato, neste momento, nós estamos com a incidência e um número de óbitos absurdamente menor do que o ano passado, mas há preocupações que merecem a gente comentar. A dengue é uma doença mantida por quatro vírus, e nós tivemos uma epidemia basicamente por um dos tipos do vírus ano passado, aqui no DF. Qual é o grande risco? Ao me infectar por um dos vírus, estou imunizado para ele, mas se, no ano seguinte, ou três anos depois, outro tipo de vírus começar a circular no DF em grande magnitude, eu posso correr o risco de pegar dengue novamente.

Há de se falar também de falta de gestão e de falta de cuidado para ter-se chegado àquele momento ali do ano passado?

Sem dúvida, eu diria que o sistema de saúde colapsou por falhas muito claras da atenção à saúde e do controle. Este ano, me parece que houve vários avanços do ponto de vista da organização, mas nós ainda temos vários fatores que precisamos melhorar. Lembremos que os determinantes que favorecem a ocorrência da dengue não mudaram, as cidades não mudaram, os comportamentos humanos não mudaram tanto assim. 

Sobre a covid-19. Em 11 de março, fizemos cinco anos do início da pandemia. Como o senhor avalia essa crise sanitária? Por que ainda tem gente morrendo de covid?

A covid, só este ano, matou 193 pessoas até agora. Temos quase 15 mil casos registrados. A doença não desapareceu. Os cuidados são os mesmos. É estratégico a gente pensar: lembremos das máscaras, qual era a indicação? Usar as máscaras. E a gente não aprendeu até agora que, se você está doente, com um quadro de resfriado, precisa voltar a usar a sua máscara, porque você vai proteger outras pessoas e não transmitirá a doença. E o álcool em gel? Os produtos que nós usávamos para a desinfecção das mãos? Houve uma alteração da disponibilidade no mercado, mas outros produtos desinfectantes estão aí, nós podemos usar, lavar as mãos com água e sabão, isso nunca fez mal. São hábitos, nós devemos permanecer atuando e trabalhando com  esses hábitos. A vacina continua disponível.

Gabriella Braz
postado em 21/03/2025 04:00