PODCAST DO CORREIO

Apoio aos negócios das mulheres rurais contribui para a independência financeira

Cristina Arzabe, coordenadora de observatório que monitora mulheres no campo, afirma que o machismo estrutural dificulta a autonomia feminina. Para a especialista, a sobrecarga de trabalho torna a jornada delas muito maior do que a dos homens

 20/03/2025 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF - Podcast do Correio, entrevista a pesquisadora Cristina Arzabe. -  (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
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20/03/2025 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF - Podcast do Correio, entrevista a pesquisadora Cristina Arzabe. - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

No mês da mulher, o Podcast do Correio teve uma bancada totalmente feminina, ontem, em bate-papo sobre a participação feminina no campo, com a pesquisadora e coordenadora do Observatório Mulheres Rurais Brasil, Cristina Arzabe. Às jornalistas Adriana Bernardes e Mariana Niederauer, Arzabe falou sobre a importância de coletar dados das trabalhadoras rurais e o impacto do machismo estrutural na produtividade delas.

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Observatório

O Observatório Mulheres Rurais do Brasil é uma parceria entre a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa),  Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (Food and Agriculture Organization — FAO) e Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), com apoio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A ideia surgiu da dificuldade de acessar dados sobre as mulheres rurais no Brasil.

A Embrapa Café realizou um estudo importante sobre mulheres no setor cafeeiro, em parceria com várias instituições. A demanda surgiu porque faltavam informações básicas: quantas são, onde estão e qual é a realidade delas. Assim, foi criado um painel, hoje disponível na Embrapa, para organizar esses dados. Com a proximidade do IBGE e a divulgação dos dados do Censo Agropecuário de 2017, surgiu a necessidade de tornar essas informações mais acessíveis, por meio de uma plataforma simples. A FAO apoiou a iniciativa e ajudou a viabilizar recursos para dar visibilidade a esse trabalho.

O observatório reúne dados dos Censos Agropecuários desde 1995, primeiro ano com informações desagregadas por sexo para trabalhadores rurais. Em 2006, o IBGE passou a diferenciar também dirigentes de estabelecimentos rurais, o que se repetiu em 2017. Dessa forma, a iniciativa apresenta dados sobre trabalhadoras rurais (1995, 2006 e 2017) e sobre mulheres no comando de propriedades rurais (2006 e 2017). A plataforma permite filtrar informações por estado e atividade, incluindo agricultura familiar.

Contribuimos para o cumprimento da Agenda 2030 da ONU, que envolve mais de 190 países. No Brasil, há um compromisso institucional com os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), em especial o ODS 5, sobre igualdade de gênero. Os dados evidenciam a desigualdade entre mulheres e homens no campo. No observatório, temos uma aba específica para editais. Em 2023, foram lançados 27 editais voltados para projetos que fortalecem as mulheres, com um total de R$ 1,5 bilhão em financiamento, abrangendo editais nacionais e internacionais. 

Violência doméstica

A violência no campo está relacionada à dificuldade de acesso às estruturas de segurança pública, e a consolidação de dados pode ajudar as mulheres a se defenderem. A violência contra a mulher é um problema complexo e não pode ser generalizado. No entanto, mulheres que têm renda própria, seja por meio de um salário ou de um negócio, tendem a estar menos expostas a ela.

O apoio aos negócios das mulheres rurais contribui para a independência financeira e fortalece a posição delas dentro de casa. Além da possibilidade de sair de uma situação de violência por ter recursos próprios, a renda também pode proporcionar maior respeito dentro da família. No contexto da violência doméstica, apoiar o trabalho das mulheres no campo é essencial. A Embrapa atua nesse sentido, incentivando agroindústrias em propriedades dirigidas por mulheres. Muitas mulheres rurais não apenas trabalham na produção primária, mas também agregam valor ao produto por meio da agroindústria, transformando matéria-prima em produtos como geleias ou farinha de mandioca.

Cooperativismo

No Ano Internacional do Cooperativismo, as mulheres estão se organizando em associações e cooperativas. Esse movimento é essencial, pois atuar individualmente em um ambiente ainda desafiador para as mulheres é mais difícil. A formação de grupos fortalece essas trabalhadoras. Ter um negócio pequeno dentro de uma cooperativa permite acesso a recursos que, sozinhas, não teriam.

Na área do café, onde trabalhei por cerca de nove anos, reunimos informações sobre os esforços das mulheres no setor e transformamos isso em uma publicação. Esse movimento começou com uma associação entre os Estados Unidos e mulheres da Nicarágua e se expandiu, com a criação da IWCA (Aliança Internacional das Mulheres do Café) Brasil. Hoje, essa organização tem presença em pelo menos 23 países.

Vale ressaltar que a Embrapa completou 50 anos em 2024 e, pela primeira vez, tem uma presidente mulher, acompanhada de duas diretoras, também mulheres. Esse avanço contribui para ampliar espaços para outras mulheres.

Desafios

O maior desafio das mulheres do campo, que também afeta as das áreas urbanas, é a questão do cuidado. Toda a responsabilidade pelos filhos, pela casa e pelos pais idosos recai sobre elas. Isso aumenta a carga de trabalho delas, tornando a jornada muito maior do que a dos homens. Esse fato é comprovado por dados do IBGE.

A divisão desigual das tarefas domésticas é um problema cultural e estrutural. Desde cedo, meninas são ensinadas a cuidar da casa enquanto meninos têm mais liberdade. Essa desigualdade precisa ser combatida tanto dentro das famílias quanto por meio de políticas públicas. O machismo estrutural está presente na cultura e dificulta a autonomia das mulheres.

O Estado precisa levar essa discussão para o campo, mas quem formula políticas públicas ainda são, em sua maioria, homens. Eles não vivenciam essa realidade, pois, ao chegarem em casa, encontram tudo pronto sem precisar se preocupar com as tarefas domésticas. Para que haja mudanças, é essencial que mais mulheres ocupem cargos de decisão. Quando as mulheres conseguem tempo para se dedicar aos seus projetos, elas trazem soluções inovadoras e sustentáveis.

Capacitação

As demandas das mulheres do campo são diversas, pois esse grupo inclui pequenas, médias e grandes produtoras, além de extrativistas. No entanto, uma necessidade comum é a capacitação. Muitas mulheres não participam de cursos técnicos e treinamentos porque esses programas não consideram suas realidades. Ao analisar listas de capacitação, é comum encontrar um número muito maior de homens do que de mulheres. Para mudar esse cenário, é preciso adaptar as oportunidades à rotina das trabalhadoras rurais, garantindo que elas possam acessar o conhecimento necessário para fortalecer seus negócios e conquistar mais autonomia.

*Estagiário sob a supervisão de Eduardo Pinho

 

José Albuquerque*
postado em 21/03/2025 04:00