
A Comissão de Assuntos Fundiários do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT) realizoou uma visita técnica à Vila Cultural Cobra Coral, nesta quarta-feira (19/3). Localizada na L2 Sul, a vila, que existe desde a década de 70, passa por processos envolvendo sua regularização, uma vez que o Instituto Brasília Ambiental (Ibram) alega que parte do local está em território do Parque Ecológico da Asa Sul e deve ser desocupado.
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A Comissão trabalha em conjunto com órgãos do governo do Distrito Federal e instituições que possam atuar em uma solução conciliadora e o encontro teve como objetivo analisar o ambiente, as construções e as manifestações culturais para tomar decisões sobre o futuro da Vila.. Estavam presentes o Ibram, a Defensoria Pública do Distrito Federal, a Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal (Terracap), a PGDF, entre outras entidades.
O espaço, além de ser moradia de muitas famílias, abriga um patrimônio cultural do Distrito Federal, o Fuá do Seu Estrelo, bloco que promove a diversidade cultural, valorizando as tradições populares, fundado há 20 anos por Tico Magalhães. “Muitas vezes neste diálogo com o governo nós percebemos que não se tinha uma ideia real do que é aqui, de como é a vida das pessoas que vivem aqui. Então, o que é ótimo nessa visita é poder apresentar de fato o que é a Vila Cobra Coral”, contou Tico.
Cuidador de outro espaço cultural da Vila, Artur Sinimbu é responsável pelo Espaço Inventado, local de encontro da comunidade e de atividades artísticas com o público, principalmente infantil. “Aqui foi nascendo através da chegada de pessoas, de artistas, do Brasil e do mundo, que trouxeram sua arte e montaram coletivos. Antes o Inventado era focado nas atividades circenses, hoje é mais voltado à capoeira. Então tem sempre essa dinâmica e transformação, explicou Artur.
Além dos dois importantes pilares da comunidade, a vila também abriga o centro espírita Pai Joaquim Aruanda e a Casa de Xangô. “A gente reúne várias religiões que convergem e existem em harmonia a partir da vizinhança. É algo muito especial”, contou a professora Ludiana Thaís, moradora da Cobra Coral há 17 anos. “Quando cheguei aqui, pela primeira vez, me apaixonei. Desde então nunca saí. Vi o lugar crescer, as pessoas chegando, sou apaixonada pela vila”, disse Ludiana.
Moradora antiga, dona Raimunda dos Santos também teve o mesmo encanto que Ludiana, há 40 anos, quando visitou o filho que morava na Cobra Coral. Durante a visita, resolveu não ir embora. “Daqui eu só saio para o cemitério”, afirmou a idosa, de 81 anos. Feliz, mostrando sua casa recém reformada, ela conta que ama o lugar, que reúne toda a família. “Nesse terreno, em cada barraco, moram meus filhos, netos, bisnetos e tataranetos. Estamos todos juntos”.
Entenda o caso
Em outubro do ano passado, o Ibram determinou a desocupação da vila para o mês seguinte, com o argumento que seria construído o Parque Ecológico da Asa Sul no local. A população alega, porém, que já residia no local décadas, antes do decreto de criação do parque, feito em 2003 e caracterizado como Ecológico em 2018, impossibilitando a presença das moradias.
Em novembro de 2024, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) suspendeu ação de remoção da vila. De acordo com o juiz de direito Carlos Frederico Maroja de Medeiros, o processo não pode ocorrer sem a apresentação de um plano de realocação dos moradores pelo Governo do Distrito Federal.
“Não há notícia da elaboração de algum plano para o acolhimento seguro dessas pessoas pelo Distrito Federal, ou seja, a expectativa é que fiquem sujeitos à própria sorte após as remoções e demolições, provavelmente engrossando ainda mais a já elevadíssima e preocupante população em situação de rua nesta capital e estrangulando definitivamente as atividades culturais desenvolvidas pelas mesmas pessoas”, apontou o juiz na época.
A redação contatou o Ibram sobre o caso e aguarda resposta.