
Só quem passou pela experiência de lutar contra um câncer sabe o desafio que é tentar diferentes tratamentos, ter altos e baixos, sentir-se enfraquecido e, por vezes, sem esperança. No caso de Marcelo Mello Cordeiro, 58 anos, vencer um linfoma, diagnosticado em meados de 2021, trouxe uma nova perspectiva de vida. Foi um renascimento.
O sentimento de gratidão e, enfim, de alívio, se deve a um tratamento específico, aplicado no Hospital Sírio-Libanês em Brasília. Chamada de CAR-T Cell, a terapia inovadora usa as próprias células de defesa do paciente para combater o tumor. Com um linfoma localizado no cérebro, o tratamento trouxe a Marcelo a oportunidade de ser o primeiro paciente oncológico na região Centro-Oeste a passar pela terapia CAR-T Cell voltada a essa área do corpo.
O paciente suportou seis sessões de quimioterapia, diversos medicamentos e um transplante de medula óssea autólogo (que utiliza as próprias células-tronco do paciente), todos sem sucesso ou com recuperações pontuais. Foi a CAR-T que deu a Marcelo a cura. Agora, ele está em processo de remissão do câncer.
Dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA) revelam que seis em cada 100 mil casos de câncer anuais no Brasil são linfomas. É o oitavo tipo mais comum da doença e são esperados 12.040 casos novos de linfoma não Hodgkin (LNH) para cada ano do triênio de 2023 a 2025 no país.
Tormento
Em 2021, Marcelo, que é instrutor de equitação e desenhista de percursos de hipismo, sofreu uma queda de uma égua em uma pista do trabalho e teve a coxa atingida pela pata do animal enquanto estava no chão. O hematoma, cuja evolução foi complicada e não apresentou melhoras no decorrer dos dias, exigiu uma bateria de exames. Foi um ultrassom da cabeça que revelou o diagnóstico de linfoma.
"Eu não apresentava qualquer sintoma, não desconfiava da doença. Foi esse acidente que permitiu que eu descobrisse o tumor e começasse o tratamento, ainda em um estágio inicial", conta o instrutor. A partir daí, iniciaram as quimioterapias, o transplante de medula, em 2022, e a possibilidade de uma cirurgia, que não se concretizou devido ao rápido crescimento do tumor.
Eram altos e baixos. "Eu, que sempre treinei e me cuidei, engordei 15 quilos. De quebra, perdi o meu pai durante esse período e ainda contraí covid-19 duas vezes. Em uma delas, passei dias na UTI (Unidade de Terapia Intensiva)", recorda-se. No momento mais crítico, Marcelo ficou com todo o lado esquerdo do corpo paralisado, devido às consequências neurológicas da doença.
"Desde o início do tratamento, eu nunca pensei em morte, sempre procurei possibilidades para me recuperar e fui muito positivo. Mas quando paralisei, pensei: 'Um homem que não consegue vestir as próprias calças não pode viver bem'", conta, emocionado. Foi nesse momento que o médico Volney Vilela, hematologista do Sírio-Libanês, sugeriu a terapia CAR-T Cell.

Expectativas
Marcelo aguardou por um ano o convênio de saúde liberar o procedimento, que custa aproximadamente R$ 3 milhões. Em novembro de 2024, a intervenção ocorreu, de forma semelhante a uma hemodiálise. "Durante esses 12 meses em que aguardei a liberação, o médico me alertou sobre a possibilidade de recaídas. Então, me receitou um remédio e manteve o acompanhamento. Nesse período, mudei-me provisoriamente para Maceió (AL), fiz alguns trabalhos, continuei me cuidando e, quando o convênio me deu um retorno positivo, voltei a Brasília", comenta.

Em um processo chamado leucaférese, são coletados linfócitos T do paciente, isto é, células do sistema imunológico que ajudam a defender o organismo contra infecções, e células cancerígenas. Essas células, então, são mandadas para "manufatura", onde passam por um procedimento de engenharia genética e começam a expressar o antígeno (substância que provoca uma resposta imunológica) desejado.
"No caso do linfoma, o antígeno que a célula T vai expressar é o CD19. Essas vão se expandir e se proliferar. Durante esse processo, que leva, em média, 30 dias, é preciso 'segurar' a doença do paciente com algum tipo de tratamento, como uma quimioterapia específica, responsável por preparar o corpo do receptor para receber as células T, inseridas novamente em seu organismo", explica o médico Volney Vilela.
"Apesar de ser um tratamento caro e que demanda uma estrutura hospitalar robusta, o CAR-T Cell é bastante inovador e eficiente. Baseado em imunoterapia, conseguimos curar pacientes que outrora não teriam outra opção de recuperação e, com terapias convencionais, poderiam morrer em pouco tempo. Além disso, tem uma toxidade aceitável", completa o o hematologista que tratou Marcelo.

Mudança de vida
Segundo os estudos mais recentes, 45% dos pacientes que passaram pela terapia de CAR-T Cell apresentam remissão do câncer. A novidade representa um avanço significativo no tratamento de cânceres hematológicos, unindo alta tecnologia a uma abordagem personalizada. O procedimento demanda, também, uma equipe multiprofissional e um ambiente hospitalar seguro para o paciente.
"A gente (equipe médica) sabia que se o Marcelo não fizesse esse tratamento, mais cedo ou mais tarde, a doença voltaria. Ele teve alta após ficar internado de 15 a 20 dias. Hoje, os exames de reavaliação mostram que não há evidência nenhuma de doença nem no cérebro, nem no restante do corpo. Ele está em resposta metabólica completa", comemora o médico. O CAR-T Cell é indicado para pacientes que, após o primeiro tratamento, não apresentam melhoras ou quando a doença retorna.
Durante os três anos que conviveu com o câncer, Marcelo teve na mãe o principal apoio e fonte de esperança. "Ela (a mãe) sempre foi muito positiva e me ensinava a olhar para o futuro. Já o doutor Volney foi um anjo em minha vida." O instrutor conta que, antes da doença, era uma pessoa "aborrecida e que costumava entrar em brigas". Vencer o câncer, porém, trouxe-lhe outra visão de vida.
"Entendi que tudo acontece por um propósito e vivo o hoje. Trabalhei muito a minha espiritualidade e autoconhecimento, fortalecendo minha saúde física e mental. Escuto mais as pessoas e não entro em discussões bobas", revela. Agora, Marcelo voltou a trabalhar, a pedalar e a sair mais de casa. "Eu me sinto 'novinho em folha'. Sou todo felicidade e gratidão", garante.