INCLUSÃO

Histórias de amor e de leveza marcam o Dia Mundial da Síndrome de Down

A data enaltece aprendizados e conquistas de quem convive com essa condição genética, mostrando que os potenciais ultrapassam qualquer diagnóstico

Cira Guevara enfrentou muitos desafios para garantir o aprendizado para o filho Enzo -  (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
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Cira Guevara enfrentou muitos desafios para garantir o aprendizado para o filho Enzo - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

O mundo celebra, hoje, o Dia Internacional da Síndrome de Down, uma data que vai além da conscientização sobre a condição genética, uma oportunidade de refletir sobre a necessidade de promover uma sociedade mais inclusiva e consciente. No Distrito Federal, famílias e entidades se mobilizam para garantir que as pessoas com trissomia do cromossomo 21 tenham seus direitos respeitados, especialmente nas áreas de educação, saúde e trabalho. A data também destaca as histórias de vida e as conquistas, mostrando que o potencial humano vai muito além de qualquer diagnóstico. 

A professora da Universidade de Brasília (UnB) Cira Guevara, 54 anos, mãe de Enzo Guevara, 16, enfrentou na prática os desafios da educação inclusiva. Para garantir o direito do filho ao aprendizado, ela precisou atravessar longas distâncias todos os dias, do Noroeste a Sobradinho, para que Enzo pudesse estudar. "Quando ele terminou o quinto ano no GDF, foi enviado para uma escola que não abriu turma. Então, eu tive que levá-lo para Sobradinho. Mas, agora conseguimos uma vaga no Gisno e vai melhorar bastante nossa logística", relatou ao Correio.

Além da dificuldade de encontrar uma escola que acolha o filho, Cira relatou que a falta de preparo das instituições e dos profissionais para lidar com alunos com síndrome de Down também é um obstáculo. "Os professores não têm um preparo adequado. Acho que há um preconceito da parte de muitos. Eles não sabem lidar com os alunos com síndrome de Down", observa.

No entanto, a mãe de Enzo conta que se esforça ainda mais para proporcionar ao filho experiências além da sala de aula. "Ele ama praticar esportes, faz parte do grupo percussivo Batukengè e da escolinha Futsal Down, um projeto que tem transformado a vida de muitas famílias, inclusive a minha", ressalta. Com gestos de percursionista e um largo sorriso no rosto, Enzo se alegrou quando o assunto foi a música. "Gosto de batucar", disse.

  • Fernanda chegou à equipe do restaurante do Senado há três meses
    Fernanda chegou à equipe do restaurante do Senado há três meses Davi Cruz/CB/DA Press
  • Cira Guevara enfrentou muitos desafios para garantir o aprendizado para o filho Enzo
    Cira Guevara enfrentou muitos desafios para garantir o aprendizado para o filho Enzo Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
  • Dinho com o pai:
    Dinho com o pai: "Gosto muito de trabalhar e jogar bola" Minervino Júnior/CB/D.A.Press

De acordo com Cleo Bohn, presidente da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down (FBASD), na área da educação, um dos principais entraves é a falta de professores concursados. Em Brasília, de 80% a 85% dos docentes são temporários, o que prejudica o acompanhamento contínuo dos alunos com deficiência. "Precisamos de professores concursados, que criem vínculo com os alunos. Hoje, muitos professores temporários acabam saindo antes de estabelecer essa relação", declarou Cleo.

Lazer

A inclusão no esporte é apenas um dos desafios enfrentados pelas pessoas com síndrome de Down. A trajetória de Fernando César Tocantins Filho, o Dinho, 39, é um exemplo disso. Ele enfrentou dificuldades tanto na educação quanto no mercado de trabalho, mas, com persistência, conquistou seu espaço. Dinho trabalhou em diferentes setores e hoje atua no Aeroporto de Brasília, auxiliando passageiros no check-in. "Eu trabalho muito bem. Ajudo as pessoas a pegarem o check-in de viagem e fico muito feliz com isso", disse com orgulho.

O pai do Dinho ainda reflete sobre a realidade enfrentada por muitos pais: a ausência de políticas públicas e de espaços adequados para lazer, cultura e esporte. "As oportunidades nunca foram dadas, tivemos que batalhar bastante para criar nossos próprios espaços. O governo precisa olhar com mais atenção para essa questão e nos ajudar", enfatiza.

Enquanto isso, Dinho, um amante do futebol e torcedor fanático do Clube de Regatas Vasco da Gama segue celebrando suas conquistas e aproveitando momentos de lazer com o pai e os 29 colegas de time. "Gosto muito de trabalhar e jogar bola. Meu jogador favorito é o Philippe Coutinho, do Vasco", compartilha.

Emprego

A inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho ainda é um desafio, mas exemplos como o de Fernanda Santiago, 28, mostram que, quando há acolhimento e preparação, a inclusão se torna uma realidade transformadora. Garçonete do restaurante no Senado, ela expressa com entusiasmo sua satisfação em trabalhar com os colegas e fazer parte do ambiente profissional. "Eu gosto muito de trabalhar aqui, gosto muito de trabalhar com meus colegas e de atender as pessoas", afirmou.

Sua mãe, Maria do Carmo Santiago, 60, aposentada, destaca o impacto positivo do trabalho na vida da filha. Segundo ela, Fernanda se sente valorizada, inserida e motivada com sua rotina profissional. "No domingo, ela já se organiza e diz: 'Mãe, ainda bem que amanhã eu vou trabalhar'. Ela se preocupa em dormir cedo porque sabe que precisa estar disposta para o dia seguinte", conta.

ONU

Uma comitiva brasileira com representantes do Distrito Federal chega a Nova York para participar da conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) no Dia Internacional da Síndrome de Down. O evento reúne representantes de 194 países para discutir políticas de inclusão e os desafios enfrentados ao longo da vida.

Entre os integrantes da comitiva, está a presidente da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down, Cleo Bohn, e a filha Giovanna Bohn, que tem a trissomia no cromossomo 21; além da presidente do instituto Ápice Down, Janaina Parente. "Estamos com grandes expectativas, especialmente pela oportunidade de trocar experiências com delegações de outros países e conhecer iniciativas voltadas à qualidade de vida das pessoas com síndrome de Down na idade adulta e no envelhecimento", declarou Cleo.

Neste ano, o tema escolhido pela ONU para a conferência é "Support", ou Suporte, destacando a importância da rede de assistência ao longo da vida. A ideia é reforçar que todas as pessoas, em diferentes momentos, podem precisar de suporte para garantir sua inclusão e qualidade de vida, seja na educação, no trabalho ou na convivência social.

Redes de apoio são fundamentais

 A Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down (FBASD) tem sido uma voz ativa na luta pelos direitos e inclusão das pessoas com síndrome de Down no país. Criada em agosto de 1994, a entidade está presente nas cinco regiões do país e conta com 53 associações filiadas. “A Federação nasceu da iniciativa de familiares e profissionais que se interessaram pela causa. Médicos, professores, profissionais da saúde e da educação se uniram para garantir os direitos das pessoas com síndrome de Down”, explica Cleo Bohn, presidente da FBASD.

De acordo com a representante da federação, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não realiza um levantamento específico sobre o número de pessoas com síndrome de Down, mas estima-se que há cerca de 300 mil pessoas no país. “Não temos dados exatos. O que temos são estimativas de que, a cada 600 nascimentos, um bebê tem a condição”, explica.

No Distrito Federal, o Centro de Referência Interdisciplinar em Síndrome de Down (CrisDown) acompanha aproximadamente 3 mil pessoas, mas a FBASD acredita que esse número representa menos de um terço da população com T21 na capital. “Pelos nossos cálculos, Brasília pode ter cerca de 10 mil pessoas com síndrome de Down”, estima Cleo.

O Centro de Referência Interdisciplinar em Síndrome de Down (CrisDown), vinculado à Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF), é uma unidade de referência no atendimento a pessoas com trissomia do cromossomo 21. Além de atender pacientes do DF e da região do Entorno, o serviço recebe pessoas de outros estados que buscam um acompanhamento especializado e humanizado.

O CrisDown presta assistência a gestantes que recebem o diagnóstico da síndrome de Down e a pacientes de todas as idades, desde bebês até idosos. O serviço conta com profissionais de diversas áreas da saúde para garantir um atendimento integral às necessidades dos pacientes.

A SES-DF informou, em nota, que não dispõe de um levantamento específico sobre o número total de pessoas com trissomia do cromossomo 21 no DF. Mas declarou que, segundo dados do Ministério da Saúde, a incidência é de aproximadamente 1 para cada 600 a 800 nascidos vivos.

Enquanto a luta por direitos e inclusão continua, histórias como a de Dinho e Enzo mostram que, com acesso e oportunidades, pessoas com síndrome de Down podem ir muito além das limitações impostas pela sociedade. Projetos como a escolinha Futsal Down, iniciativas de empregabilidade e espaços culturais inclusivos são fundamentais para que mais pessoas tenham oportunidades de se desenvolver plenamente.

 

 

Davi Cruz*
DC
postado em 21/03/2025 06:07