RELIGIÃO

Karma e dharma: saiba quais são os significados e as diferenças

Ainda que karma e dharmasejam palavras consideravelmente faladas no dia a dia, é comum que muitos não saibam seus significados e diferenças. O Correio conversou com religiosos de diferentes vertentes que explicaram o significado dessas expressões

"Karma é enigma, mas em funcionamento, como a lei da causa e efeito", destaca o monge Sato -  (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
x
"Karma é enigma, mas em funcionamento, como a lei da causa e efeito", destaca o monge Sato - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Conceitos fundamentais em diversas religiões orientais, os termos karma e dharma são palavras derivadas do sânscrito — língua ancestral das regiões onde hoje são a Índia e o Nepal — com importante uso litúrgico no budismo e hinduísmo. Vindas do Oriente, elas se popularizaram e são comumente utilizadas e, às vezes, até atribuídas ao espiritismo. Mas, afinal, o que significam esses conceitos karma e dharma? O Correio conversou com líderes religiosos que abordaram essas palavras-conceitos com leveza e sutileza.

Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular

Na visão budista

Monge Sato, um dos maiores expoentes da cultura budista do país, apontou que o karma é relativo ao dharma e que os conceitos referem-se aos enigmas que vivemos, tanto no âmbito pessoal quanto no universal. "É um enigma pessoal, porque estamos confusos sobre o nosso futuro. Não sabemos, por exemplo, escolher a profissão que queremos, tampouco exercer a função que nos é destinada. Universalmente, é um enigma pelo avanço da ciência e tecnologia. O novo telescópio fez com que passássemos a enxergar mais longe, e o novo microscópio nos fez enxergar coisas que antes não enxergávamos, então, o enigma é universal e isso é karma. Ou seja, tudo tem a ver com a nossa ação, seja para escolher uma profissão, seja para tratar bem ou mal as pessoas", ensina.

 17/03/2025 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF -  Matéria sobre Karma e Dharma. Monge Sato.
"Karma é enigma, mas em funcionamento, como a lei da causa e efeito", destaca o monge Sato (foto: Fotos: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

"Karma é enigma, mas em funcionamento, como a lei da causa e efeito. Tudo que está acontecendo é resultado das ações que já fizemos, e o que nós faremos em nosso futuro vai depender do que fazemos hoje", explica o monge. Sobre o dharma, Sato destaca que o conceito se refere aos ensinamentos do Buda que existiu há 2.500 anos. "O dharma é contraposto ao karma, porque tem base em dois princípios: da impermanência e do não-eu", reforça.

"A impermanência existe porque a permanência existe. A permanência existe na nossa cabeça, ou seja, queremos viver em paz, saudáveis e alegres; durante algum tempo isso existe, mas a permanência pode mudar. Já o princípio do 'não eu' existe porque existe o 'eu' e, segundo o budismo, se há o ego, há não ego, ou seja, podemos, sim, pensar pelos outros", acrescenta.

"O dharma budista é uma expressão própria do budismo. Tanto o dharma budista quanto o karma é para toda a humanidade e se integram como enigma. O budismo dá o caminho por meio de seu dharma, que é sabedoria, ou seja, aceitar todo o conhecimento dos nossos ancestrais; e é também compaixão, o sentir pelo outro", diz.

O monge lembra que o dharma budista aborda a relação entre todos os seres, sobretudo os animais e vegetais. Na doutrina budista, o dharma trata da relação dos seres humanos com todos os demais seres e isso é ensinado no budismo desde o princípio.

Pelo olhar hinduísta 

Erasto Villa-Verde (Prem Kumar), presidente do Jnana Mandiram (Templo de Sabedoria, no Lago Norte), explica os conceitos com base no hinduísmo. Segundo ele, o dharma é um processo de purificação da mente, para acalmá-la e, assim, entrar no campo do autocontrole. 

 17/03/2025 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF -  Matéria sobre Karma e Dharma. Erasto Villa-Vede (Prem Kumar), presidente do Templo Jnana Mandiram i Templo da Sabedoria.
No hinduísmo, dharma é um processo de purificação da mente, explica Prem Kumar, presidente do Jnana Mandiram (Templo de Sabedoria, no Lago Norte) (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

"Em 1983, o monge indiano Swami Tilak estava proferindo uma palestra sobre o dharma, em Brasília, quando uma pessoa perguntou: 'Como podemos saber qual é o nosso dharma?' O monge respondeu: 'Só há um método: chegar à profundidade de nossa consciência'. Erasto afirma que, ao seguir o dharma, faz-se um favor para si mesmo. "Quando estamos nadando em favor da correnteza, seguindo o nosso dharma, não temos que nos esforçar muito, mas contra a corrente, criamos turbulência, e o esforço precisa de ser grande. Devemos atuar no mundo como um nadador que flui com a água, mas não deixa que a água o afogue. Devemos praticar nossa ação sem nos deixar envolver pela ambição e competição."

Segundo Prem Kumar, o caminho para chegar à tranquilidade da mente e à profundidade da consciência é o yoga e a meditação. "Com a prática e o tempo, conseguimos tranquilizar a mente, passamos a agir de modo espontâneo, natural e proativo, em vez de reagir segundo preconceitos e traumas. A ação reativa ou condicionada cria mais turbulência. A ação natural, com discernimento, segue o caminho do dharma e traz bem-aventurança", detalha. 

O religioso aponta que, quando se age em desacordo com a própria missão, surge a turbulência, e o sanatana dharma passa a buscar o equilíbrio de alguma forma, que é quando ocorre o karma. "Em certo sentido, são as duas faces (dharma e karma) de uma mesma moeda. Quando um ser começa a praticar ações que não são corretas, como crimes, adquire-se o karma, que é uma dívida universal, que precisa ser paga de alguma forma", ensina. 

No espiritismo

Verônica Maia Baraviera, sócia-fundadora e vice-presidente do Centro Espírita Paulo de Tarso, ressalta que, diferentemente do que muitos pensam, no espiritismo não utiliza-se os termos karma e dharma. No entanto, há princípios na doutrina que guardam relação com essas ideias, ainda que sob outra perspectiva.

 31/12/2024 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF - Verônica Maia Baraviera menbro do Centro Espirita Paulo de Tarso, fala sobre o ano novo. .
Para alcançar a paz, é essencial voltar o olhar para dentro de si mesmo, acredita Verônica Baraviera, vice-presidente do Centro Espírita Paulo de Tarso (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

"Na visão espírita, todos os espíritos são criados por Deus, simples e ignorantes, e sua evolução é inevitável. A única fatalidade existente é a do progresso espiritual, que ocorre conforme as escolhas e aprendizados em retribuições kármicas. No espiritismo, não há um destino fixo, mas um processo contínuo de crescimento, ajustado ao livre-arbítrio do espírito", ressalta Verônica. 

A religiosa explica que a lei de causa e efeito, muitas vezes associada ao karma, rege o progresso, não como punição automática, mas como aprendizado. "O espírito colhe as consequências naturais de seus atos, podendo sempre modificar sua trajetória, por meio da transformação moral. As dificuldades enfrentadas não são castigos, mas oportunidades de evolução", diz.

"O dharma, visto como um conjunto de deveres espirituais no pensamento oriental, pode ser relacionado à responsabilidade moral e missão do espírito na doutrina do espiritismo. Contudo, o espiritismo enfatiza que o progresso não depende apenas do cumprimento de um papel, mas da vivência do amor e da caridade", acrescenta. 

Verônica afirma que enquanto algumas tradições veem a libertação espiritual como um processo de inúmeras reencarnações para eliminar débitos kármicos, o espiritismo ensina que a transformação pode acontecer a qualquer momento, quando o espírito desperta para o bem, caminhando para o verdadeiro amor incondicional a Deus, ao próximo e a si mesmo.

"Ao correlacionar karma e dharma com a visão espírita, percebe-se que o espiritismo destaca o dinamismo da evolução espiritual e a importância da responsabilidade consciente. A verdadeira redenção não está na espera de futuras reencarnações para quitar débitos, mas na decisão de amar e servir no presente", sugere Verônica.

Letícia Guedes
postado em 23/03/2025 06:00