
Dar visibilidade a empreendedores negros e fortalecer a cadeia criativa no Distrito Federal são um desafio estudado por diversos setores da economia local. Iniciativa da turismóloga Bianca D'Aya, o Guia Afetivo Negro do DF (GANDF), que reúne 74 estabelecimentos de cultura, turismo, gastronomia, moda, beleza e religião que busca conectar a cidade a negócios que carregam histórias de resistência e tradição.
Financiado pelo Fundo de Apoio à Cultura (FAC) da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec-DF), o guia surgiu como um desdobramento do tour Brasília Negra, idealizado por D'Aya. A iniciativa nasceu da necessidade de mapear atores que pudessem enriquecer os passeios turísticos voltados para a história negra da cidade. “Quando estamos falando de turismo, tentamos não só contar as histórias, mas trazer atores que possam somar no passeio”, explica. Durante os tours, os participantes têm experiências que vão além da narrativa histórica, como aulas de percussão e confraternizações gastronômicas em espaços afrocentrados.
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Disponível em formato físico, o GANDF traz informações essenciais sobre as atividades, como nome, descrição, endereço, telefone e redes sociais. A versão impressa será distribuída gratuitamente em pontos turísticos de grande movimento, ampliando o alcance dos empreendimentos e incentivando a circulação econômica dentro da própria comunidade. Quem quiser acessar o conteúdo também pode encontrar detalhes no perfil do projeto no Instagram @guiaafetivonegrododf.
Impacto em expansão
A dona do salão Afronzinga, Maria das Graças Santos, 72, enxergou o potencial do projeto. Aberto em 1992, ao longo de mais de três décadas, o estabelecimento acompanhou mudanças no mercado e viu o crescimento de outras iniciativas especializadas no segmento de beleza afro. Ao ter o seu negócio incluído no guia, Maria das Graças viu esse trabalho ganhar ainda mais relevo. "Publicações desse tipo são muito importantes na divulgação dos negócios, além de dar foco a nossa identidade e ampliar o acesso aos empreendedores negros de Brasília", analisa.
Segundo Bianca D'Aya, proprietária da Me Leva Cerrado, além de aumentar o alcance dos negócios negros no DF, o roteiro também contribui na circulação da economia dentro da própria comunidade. "Ele faz o black money girar, faz com que as pessoas sintam que têm opções acessíveis a elas, sem precisar recorrer ao Plano Piloto ou a outros lugares para encontrar o serviço de que precisam", destaca a empresária.
Diante do impacto positivo da iniciativa, há pedidos de uma segunda edição. "Muitos que não participaram dessa primeira edição pediram para preencher o formulário novamente. A gente ainda vai pensar se a próxima versão será só digital ou impressa, mas a ideia é expandir", afirma Bianca. Segundo ela, o Guia Afetivo Negro do DF é o primeiro do tipo no Brasil, e a proposta pode inspirar outras cidades a criarem suas próprias versões e darem visibilidade aos empreendedores negros locais.
Afroturismo
Dona do salão C.Curls, a cabeleireira Cleini Cruz, 42, também reconhece a importância de dar destaque ao empreendedorismo negro. Para ela, o salão do qual é proprietária é muito mais que um local de beleza. "Por se tratar de um espaço que atende, em sua grande maioria, pessoas negras e trabalha com afro específico, torna-se praticamente um quilombo urbano. Um lugar de fortalecimento por meio do resgate da identidade e de encontros para afirmação da cultura negra", explica.
Já a atriz e produtora Fernanda Jacob, 35 anos, integrante do Grupo de Teatro Embaraça, destaca que a inclusão do grupo no guia reforça a existência e a relevância do teatro negro na capital. "Muitos acham que não existe um grupo de teatro negro em Brasília, e o guia mostra que, sim, há um espaço teatral que trabalha com temáticas negras", afirma.
Apesar dos desafios, como a falta de representatividade e a dificuldade de captar recursos, Fernanda mantém um olhar otimista. "Eu enxergo um futuro afro, no qual empreendedores negros possam ser protagonistas sem depender de validação externa", reflete. Ela acredita que iniciativas como o Guia Afetivo Negro ajudam a fortalecer essa rede, dando suporte a quem, muitas vezes, precisa abrir caminho sozinho.
Para Marutschka Moesch, diretora do Centro de Excelência em Turismo da Universidade de Brasília (UnB), a publicação tem um papel essencial na valorização do turismo afrocentrado no Distrito Federal. Para ela, a economia criativa oferece alternativas ao modelo neoliberal, muitas vezes excludente. "A economia criativa traz no seu bojo a ideia de experiências diferenciadas que rompem com a rotina e valorizam a cultura local", explica. No entanto, a pesquisadora alerta que, apesar das oportunidades, o afroturismo precisa ser conduzido com respeito, garantindo autoria aos seus protagonistas e evitando a exotização da cultura afro-brasileira."
Nathalia Hallack, gestora de Turismo do Sebrae, enfatiza, ainda, a função prática do guia: conectar a "oferta" com a "demanda". Segundo ela, a maior contribuição que a sociedade pode oferecer é se tornar o "público", incluindo essas iniciativas em suas escolhas de consumo, turismo e lazer. "Essa publicação é um convite para conhecermos esses espaços, pessoas, sabores, histórias e afetos", afirma. Ela ressalta, ainda, que o guia não apenas mapeia locais e experiências, mas também convida à transformação da cidade em um território de celebração e resistência negra.