
Quem entra na Rua 3, em Vicente Pires, logo se depara com uma construção de sete pavimentos, ainda com tijolos e cimento à mostra. Não há movimento de máquinas nem operários. Na "fachada", há o aviso de que a obra foi embargada pela Secretaria de Proteção da Ordem Urbanística do Distrito Federal (DF Legal). O cenário de "esqueletos" de edifícios se repete ao caminhar pela região. Algumas construções, porém, não têm avisos de interdição e, segundo moradores, servem de abrigo para pessoas em situação de rua e até criminosos.
A pausa nas obras se deve à determinação, proferida em julho de 2023, pela Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do DF de que o Governo do Distrito Federal (GDF) apresentasse em até 30 dias um cronograma de ações de fiscalização, identificação e intimação demolitória para os proprietários de imóveis com mais de três pavimentos em Vicente Pires. A decisão acata o pedido da Associação dos Morados de Vicente Pires e Região (Amovip).
- Vicente Pires: TJDFT exige medidas para melhoria das calçadas
- Moradores de Vicente Pires estão preocupados com água 'brotando' de asfalto
Porém, idas e vindas no processo deram parecer favorável ao GDF, suspendendo, em parte, a liminar da Vara de Meio Ambiente. Assim, foi derrubada a decisão que obrigava o governo a demolir as obras e edificações da região de mais de três pavimentos e erguidas sem licença. A Amovip recorreu, solicitando a derrubada das construções irregulares e, no momento, as partes aguardam a sentença final do juiz. Em resumo, as obras nos edifícios seguem paralisadas e sem previsão de derrubada, caso isso ocorra.
Apesar de considerar Vicente Pires uma boa cidade para morar, a administradora Ana Lúcia Cerqueira, 50 anos, diz que os moradores sofrem com a insegurança gerada pelas "sucatas" de prédios, ressaltando que furtos e assaltos são recorrentes na região. "À noite, eu não deixo a minha filha parar ali na frente, porque não sei o que tem lá dentro. Os relatos são de pessoas em situação de rua que buscam abrigo ou de criminosos que se escondem nesses locais", conta, apontando para uma das construções inacabadas, parada há, pelo menos, dois anos.
Congestionamento
Segundo Gilberto Camargos, presidente da Amovip, Vicente Pires pode ser comparada a "uma ilha em meio a um mar revolto". "Estamos cercados por vias congestionadas, como a EPTG (Estrada Parque Taguatinga) e a Via Estrutural. Muitos prédios não têm garagem nem contam com a quantidade máxima de pavimentos, fazendo com que os edifícios tenham centenas de apartamentos. Isso gera uma superlotação, que resulta em trânsito caótico e falta de infraestrutura", explica.
Ainda, de acordo com Gilberto, o tempo para sair de Vicente Pires, locomovendo-se pela Rua 3 no sentido Estrutural, pode levar até 40 minutos devido aos congestionamentos — trajeto que, antes, levava cerca de 15 minutos. Outros problemas relacionados às construções irregulares incluem janelas direcionadas a lotes vizinhos e rampas para a entrada de veículos construídas nas próprias ruas, em área de passagem pública.
A marmoraria de Robson Martins, 56, está localizada ao lado de uma dessas construções embargadas. Também moradora, ele se divide quanto à interdição dos prédios. "Como comerciante, é ruim, pois eu vendia muito para as empresas que levantam esses prédios. Por outro lado, observo que a estrutura da região corre o risco de não suportar mais tanta gente. O trânsito está bastante complicado, então, isso gera estresse na população", pondera o empreendedor, cujo negócio está localizado na Rua 4A.
Robson, porém, não concorda com as demolições. "O que está pronto, está pronto. O jeito, agora, é fiscalizar, porque tinham que ter limitado isso há mais tempo. Daqui para frente, vale evitar que novas construções sejam levantadas", avalia.
Fiscalização
Ao Correio, o secretário executivo de Inteligência e Compliance da DF Legal, Adriano Valente, afirma que o trabalho de fiscalização em Vicente Pires antecede a decisão judicial exarada pela Vara do Meio Ambiente em 2023. "De 2019 até aquele ano, por exemplo, foram realizadas mais de 6 mil ações fiscais na RA, com 417 embargos, 320 multas, 314 intimações demolitórias, 192 notificações e 66 interdições. Desde julho de 2023, foram mais 150 obras embargadas e 214 multas aplicadas entre as mais de 2,6 mil ações fiscais", detalha.
Quanto às derrubadas, Valente diz que "as demolições em áreas não passíveis de regularização podem ocorrer, tendo em vista que fazem parte do regular exercício do poder de polícia por parte da DF Legal". Além disso, o secretário acrescenta que a pasta está em processo final de preparação para licitar uma empresa responsável por fazer a demolição dos prédios não passíveis de regularização. Até o momento, não ocorreu qualquer derrubada.
Gilberto, presidente da Amovip, conta que outra possibilidade para as construções irregulares é que o GDF se responsabilize por algumas delas, regularizando-as e as adequando ao padrão estabelecido, em vez de derrubá-las. "O problema em si não é a quantidade de pavimentos, mas a quantidade de apartamentos, que ocasionam essa superlotação. Aos prédios finalizados recentemente, o esperado é a desocupação, com corte de água e luz", pontua.
Segundo o DF Legal, "a força-tarefa (para burlar as construções) foi criada para intensificar a fiscalização das obras em andamento, portanto, ainda desabitadas. No entanto, edificações já habitadas que descumpriram embargos ou interdições anteriores à força-tarefa continuam sendo alvos de multas", determina.
Para Gerson Paneago, 65, vendedor de móveis para salões e barbearias, demolidos ou não, o ideal seria resolver quanto antes a situação dos "esqueletos" de prédios. "Creio que derrubar traria transtornos à população com relação à poeira e à sujeira das ruas, que já sofrem com congestionamentos. O melhor seria investir em fiscalizar para que o problema não permaneça", defende.