
No fim de semana, dois crimes bárbaros contra mulheres com menos de 20 anos chocaram o Distrito Federal. O primeiro foi o assassinato de Géssica Moreira de Sousa, uma jovem grávida, de 17 anos, baleada na cabeça pelo ex-companheiro dentro de uma igreja evangélica, em Planaltina-DF, na frente de sua filha de 2 anos. Também no sábado à noite, uma jovem de 19 anos denunciou ter sido estuprada por um motorista de aplicativo, durante uma corrida, enquanto voltava de Samambaia para casa, em Ceilândia.
Géssica era natural de Morro Cabeça no Tempo, uma das cidades mais pobres do Piauí. Aos 13 anos, engravidou de sua primeira filha e, antes de completar 15, decidiu se mudar para Brasília para viver com o namorado, Vandiel Prospero da Silva, 24, que mais tarde se tornaria seu assassino. Em entrevista ao Correio, a mãe da moça, Sidnéia Moreira de Sousa, afirmou que o relacionamento entre eles começou por meio de trocas de mensagens nas redes sociais. "Quando começaram a namorar, ela já tinha tido a primeira filha, que hoje tem 4 anos. A guarda da criança ficou com o pai, e ela decidiu ir para Brasília por causa dele (Vandiel)", contou, ainda emocionada e tomada pela dor e pela revolta causadas pelo feminicídio.
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O casal morava em uma casa localizada no Núcleo Rural da Rajadinha, em Planaltina, mas a relação entre os dois era conturbada. Géssica engravidou de Vandiel, e deu à luz a filha, atualmente com 2 anos. Segundo a família da vítima, durante a gestação, a adolescente era atacada e agredida pelo então companheiro. Após o nascimento da filha, o casal se separou, e Vandiel assumiu a guarda da criança. Embora tivessem acordado que Géssica poderia buscar e ficar com a menina quando desejasse, na última semana, ela relatou à Sidnéia as dificuldades que vinha enfrentando para vê-la.
Pouco depois do término, Géssica iniciou um relacionamento com o irmão de Vandiel e, três meses depois, descobriu que estava grávida. Durante seu depoimento à polícia, o atual namorado da adolescente relatou que, na manhã de sábado (22/2), por volta das 10h, Géssica foi até a casa de Vandiel para buscar a filha, mas ele a impediu. Diante da situação, ela acionou a Polícia Militar, que interveio e garantiu a entrega da criança. Mesmo após a ação policial, Vandiel foi até a residência da ex, onde proferiu ameaças e afirmou que pegaria a criança a qualquer custo.
À noite, Géssica saiu para ir à igreja, acompanhada da filha, quando Vandiel entrou no templo armado. Testemunhas relataram que ele exigiu levar a criança e, diante da negativa de Géssica, atirou contra sua cabeça. Após os disparos, o feminicida fugiu com um comparsa em um carro vermelho. O veículo foi encontrado em uma estrada de terra, em Formosa (GO). A delegada-chefe da 6ª DP, Iris Helena Rosa, informou à reportagem que a polícia está realizando as diligencias para localizar o feminicida, mas ele ainda não foi encontrado.
O desejo da família é enterrar Géssica no estado natal. Os familiares promovem uma campanha para arrecadar cerca de R$ 12 mil para conseguir transportar o corpo da adolescente de Brasília até o município Avelino Lopes, no interior do Piauí. "Pedimos dinheiro emprestado ao patrão para conseguir ir para Brasília. Eu jamais imaginei que uma tragédia dessa iria acontecer", desabafou a mãe, que vive em São Paulo. Sidnéia pegou um ônibus para Goiânia e, de Goiânia, pegará outro para chegar em Brasília. Para ajudar nos custos, a mãe disponibilizou uma chave PIX: 89981395925 (número de celular).
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Segundo a advogada que atua na área de família e presidente da comissão de Segurança Pública da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF), Ana Izabel Gonçalves de Alencar, para as mulheres, a idade mais jovem não é necessariamente um fator de risco para o feminicídio, porém, ela explica que mulheres mais novas podem estar mais suscetíveis a permanecerem em relacionamentos abusivos. "Elas são mais despreparadas emocionalmente e não tem a malícia para identificá-los", explica.
Importância da denúncia
Ana Izabel afirma que a imprensa é um dos meios capaz de ajudá-las, pois pode difundir e explicar o que significa um relacionamento abusivo, para que essas jovens identifiquem no início , e assim possam sair desse tipo de relacionamento evitando que ocorra uma tragédia. Ela também aconselha que as famílias estejam sempre atentas aos relacionamentos das filhas. "Busquem informações sobre os namorados, sobre os companheiros; a família deve sempre buscar identificar a pessoa na internet e conferir se não há antecedentes criminais", esclarece.
A especialista explica que esse é um dos mecanismos de proteção da Lei Maria da Penha. "Normalmente um homem abusivo repete o comportamento com todas as mulheres que ele se relaciona. Dessa forma, a mulher pode conferir se algúém já possui uma medida protetiva contra ele", orienta.
Este ano, o Distrito Federal registrou um feminicídio antes da morte de Géssica. O crime ocorreu em 5 de janeiro quando Ana Moura Virtuoso, 27 anos, foi assassinada a facadas na Estrutural. O autor foi seu companheiro, Jadyson Soares da Silva, preso no dia seguinte na Rodoviária de Formosa (GO) enquanto tentava fugir.
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Em 2024, o DF contabilizou 23 assassinatos de mulheres classificados como homicídios qualificados por feminicídios. De acordo com os dados da Câmara Técnica de Monitoramento de Homicídios e Feminicídios (CTMHF), da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), apontam uma redução de 23,3% nos feminicídios consumados no DF em 2024, em comparação ao ano anterior quando o número registrado foi de 30 vítimas. O levantamento também aponta uma queda de 75% no comparativo entre janeiro deste ano e o mesmo mês de 2024.
Ao Correio, a SSP-DF reforçou a importância da denúncia para interromper o ciclo de violência. No DF, entre março de 2015 até janeiro deste ano, foram registradas 212 vítimas de feminicídios consumados. Desses casos, apenas 66 vítimas haviam registrado ocorrência de violência doméstica praticada pelo mesmo agressor (31%). Dessas, 56 solicitaram medidas protetivas (26% do total), e 50 tiveram o pedido deferido. No momento do crime, 25 vítimas tinham medidas cautelares por decisão judicial, que estavam em vigor.
O Serviço de Proteção à Mulher é um serviço de acompanhamento que monitora, por meio da Diretoria de Monitoramento de Pessoas Protegidas da SSP-DF, vítima e agressor, simultaneamente e em tempo real, estabelecendo uma distância segura entre eles e impedindo que o agressor se aproxime. O período de monitoramento é determinado pelo Judiciário. Após o término do prazo estabelecido, a vítima é, geralmente, encaminhada pelo sistema judiciário para receber atendimento prioritário no programa Viva Flor.
O serviço funciona de forma ininterrupta, 24 horas por dia, 7 dias por semana, com o propósito de manter o agressor afastado dos locais especificados em juízo, denominadas "zonas de exclusão".
"Brutal, revoltante e inaceitável"
Parecia uma noite de sábado comum para uma jovem de 19 anos, que deixava uma festa em Samambaia. Por volta das 23h20, ela chamou um carro por aplicativo e entrou, dirigindo-se para casa, em Ceilândia, sem imaginar que, minutos depois, seria vítima de um estupro. O crime foi denunciado pela mãe da vítima, que se dirigiu a 24ª Delegacia de Polícia (Ceilândia) informando que a filha, que estava com sangramento intenso e precisou ser encaminhada o hospital.
Nesse domingo (23/2), em seu perfil oficial no X, a vice-governadora do DF, Celina Leão, caracterizou como "crime brutal revoltante e inaceitável" o estupro e garantiu que "a violência contra as mulheres não ficará impune". "Vamos agir com rigor para garantir que esse estuprador responda por seus atos e que nenhuma mulher tenha seu direito à violência violado." Em seguida, ela comemorou que "a resposta da polícia foi rápida e eficiente". Através do comprovante de pagamento da corrida, o suspeito foi identificado e preso.
Segundo relatos, a jovem, que estava em uma festa na casa de um amigo do irmão, chamou o carro pelo aplicativo 99 e avisou a mãe que estava a caminho de casa. Logo depois, a mulher ligou para a filha e questionou em que lugar do trajeto ela estava, estranhando o caminho feito pelo motorista. A moça respondeu não saber o motivo e desligou em seguida.
A mãe voltou a ligar, mas a jovem não atendeu. Na próxima ligação, a moça disse estar chegando em casa e a mulher resolveu esperar por ela do lado de fora, vendo tanto o carro que a deixou, um Honda Civic branco, quanto o rosto do motorista, um homem de barba e de pele clara. A vítima entrou rápido em casa e, ao ser questionada, contou que o homem teria abusado dela durante o trajeto, parando o carro próximo a uma área de mata. Sangrando bastante, a vítima tomou um banho e as duas foram até a 24ª DP.
Durante os trâmites, a moça continuava sangrando, e o Corpo de Bombeiros (CBMDF) foi acionado para prestar os primeiros socorros. Em seguida, ela foi levada para o Hospital Regional de Taguatinga, e as duas foram orientadas a procurar o Instituto Médico Legal (IML) assim que o atendimento médico terminasse.
Também na rede X, uma usuária de Fortaleza (CE) identificada como Zinha denunciou, ontem, que um motorista da 99 chamado José a assediou, na noite de sábado, enquanto voltava de uma festa, tocando-a sem seu consentimento. "Insistiu várias vezes para me beijar, mesmo eu falando que não queria, parou o carro em outro local e veio para o banco de trás", relatou. "Meninas, se cuidem", alertou. Como resposta, por meio do perfil @voude99, a empresa solicitou o envio das informações para que a passageira pudesse ter sua queixa atendida.
Ao Correio, a assessoria do aplicativo 99 lamentou o caso, garantiu que o motorista foi bloqueado e que está tomando as medidas cabíveis. Leia a nota na íntegra:
"A 99 lamenta o ocorrido e informa que possui uma política de repúdio e tolerância zero em qualquer caso de violência, especialmente contra assédio e violência sexual. Assim que a empresa tomou conhecimento do caso, o perfil do motorista parceiro foi bloqueado da plataforma. Uma equipe especializada busca contato com a passageira oferecendo acolhimento e orientações para acionamento do seguro, que inclui auxílio para despesas médicas e apoio psicológico. A empresa segue à disposição para colaborar com as investigações das autoridades.
A empresa ressalta que o perfil do motorista parceiro na plataforma conta com um rigoroso processo de cadastro, baseado em documentos pessoais, checagem de antecedentes e licenciamento do veículo, que é realizado por meio de parceria com o Denatran. A plataforma conta com mais de 50 funcionalidades de segurança, como monitoramento via GPS, gravação de áudio, compartilhamento de rota com contatos de confiança e botão de emergência que permite ligar diretamente para a polícia, além de uma Central de Segurança 24 horas que oferece suporte e acolhimento em caso de necessidade.
A companhia se une à indignação e repúdio à cultura do estupro que acomete o país e seguirá investindo continuamente em parcerias e tecnologias que possam apoiar uma mobilidade urbana cada vez mais segura para todas as mulheres, passageiras e motoristas."
Os dados dos envolvidos não foram divulgados, pois, segundo o Código Penal Brasileiro, a investigação de crimes sexuais ocorre em segredo de justiça.
Dicas de segurança
» Verifique as informações do motorista e do veículo: Antes de entrar no carro, confira se o nome, a foto e a placa correspondem aos dados exibidos no app;
» Tire print da tela contendo a placa do carro, foto e nome do motorista e compartilhe com alguém de confiança;
» Compartilhe sua viagem: use a função do próprio aplicativo para enviar sua rota em tempo real para alguém de confiança;
» Prefira sentar no banco de trás;
» Evite compartilhar informações pessoais;
» Tenha um contato de emergência à mão: caso se sinta em perigo, entre em contato com alguém imediatamente e, se necessário, acione a polícia pelo 190 pelo botão de emergência do aplicativo;
» Fique atenta ao trajeto: acompanhe a rota pelo aplicativo e desconfie de desvios inesperados sem justificativa.
Saiba Mais

Darcianne Diogo
RepórterFormada em jornalismo pelo Centro Universitário Iesb, é especializada na cobertura da área de segurança pública e pós-graduada em jornalismo investigativo. Integra a equipe do Correio desde 2018

Maria Eduarda Lavocat
RepórterFormada em Jornalismo pela Universidade de Brasília, estagiou em 2024 na editoria "Eu, Estudante" do Correio Braziliense e, desde setembro do mesmo ano, atua como repórter na editoria de Cidades e no caderno de Direito e Justiça.