Obituário

"Os justos e bons morrem dormindo", comenta Nicolas Behr sobre a morte da mãe

A artista lituana Therese von Behr, mãe do poeta, morreu no último sábado (22/1), dormindo e de causas naturais

Poeta e ecologista Nicolas von Behr com a mãe em trabalho conjunto -  (crédito: Arquivo Pessoal)
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Poeta e ecologista Nicolas von Behr com a mãe em trabalho conjunto - (crédito: Arquivo Pessoal)

"Sempre agradeci o fato de minha mãe ter consigo o ímpeto de um espírito bandeirante, desbravador e pioneiro. Com isso, viemos para a capital, quando ela tinha uns 44 anos e eu ainda era adolescente", observa o poeta Nicolas Berh, 66, ao tratar da morte da mãe, a artista lituana Therese von Behr, falecida neste sábado (22/2), aos 94 anos. Defensora de causas ecológicas, registradas num traçado delicado e suavemente colorido, Therese assinou ilustrações botânicas, e repassou conhecimentos de vida para os sete netos — todos homens — e mais dois filhos: o biólogo e escritor Miguel, 68, e o ilustrador Henrique, 59. O sepultamento de Therese será às 16h30, no Campo da Esperança (Asa Sul); antes, o velório, na Capela 5, transcorre entre 14h e 16h.

Numa morte natural, em casa de repouso de Vicente Pires, Therese (em família, chamada de Teresa), partiu "dormindo, em paz", como comenta Nicolas, que acrescentou: "Católica, ela se preparou muito e a morte não a surpreendeu. Em um plano, sonhando, adentrou outros sonhos e planos. Acho que os justos e bons morrem dormindo". Até se estabelecer, por anos, como secretária na Embaixada da Áustria, local onde ainda lecionou aulas de inglês, Therese sempre apostou numa vida ativa, fator que fortaleceu o desabrochar da veia artística, impulsionada mais firmemente nos anos de 1990, quando aposentada. Desde a juventude, ela já era aplicada nas artes.

Therese foi casada com Anatol von Behr, nascido na Estônia, e que migrou para o Brasil, com estabelecimento em Diamantino (Mato Grosso), para uma vida de fazendeiro. A vida em conjunto veio de condição muito particular. Aos 24 anos, Therese partiu da Alemanha (por onde esteve no período da Segunda Guerra) para o Canadá, local em que conheceu Anatol. A partida da Europa, para Anatol, foi em 1947, sete anos antes de Therese. Da partida do Canadá para o Brasil, Anatol levou a descoberta de um amor que floresceu em três dias e atravessou décadas, até a morte dele, em 2016. Muitas das emoções e sentimentos do casal foram balizadas por cartas, que, como relembra Nicolas, "vinham sujas de terra, por serem muitas vezes acondicionadas no bolso dele, sempre na lida com materiais da fazenda". 

Filha da aquarelista polonesa Anna Römer, empenhada no rigor que a tornou inclusive verbete de enciclopédia editada antes da Segunda Guerra, Therese nasceu em Vilnius (capital da República da Lituânia), em 1930. Mesmo desde meados setentistas envolvida com o bioma do Cerrado, foi apenas à beira dos anos 2000 que arriscou maiores voos profissionais. Da contemplação em uma chácara perto de Luiziânia (GO) veio a inspiração para as publicações como A flora do Planalto Central do Brasil (1999), com textos de Luis Carlos Nasser, e ainda Aves e árvores do Brasil Central (2005), com textos do filho Nicolas e do ornitólogo Paulo Anta.

Num singular trabalho com o filho escritor Nicolas, Therese ainda desenhou para o livro Aves, cores e flores do Cerrado (2021). Ilustrações de aves e flores estiveram na base da comunhão pictórica avantajada no registro de galhos. "No livro, optei por um texto gostoso de ler; numa obra informativa e criativa. A grande inspiração da minha mãe foi Margaret Mee, botânica britânica morta em 1988 (e tema de filmes como Margaret Mee e a flor da lua), mas minha mãe buscava um estilo pessoal, não tão condicionado a resultado de efeito fotográfico", demarca Nicolas Behr.

  • A artista ilustradora da botânica do Cerrado tinha 94 anos
    A artista ilustradora da botânica do Cerrado tinha 94 anos Foto: Arquivo pessoal/ Reprodução
  • 2021. Crédito: Editora Mais Amigos/Reprodução. Cultura. O mais novo livro do poeta e ecologista Nicolas von Behr elenca 27 espécies vegetais e de aves típicas do cerrado, com aquarelas de Therese von Behr. Páginas do livro Aves, cores e flores do cerrado.
    2021. Crédito: Editora Mais Amigos/Reprodução. Cultura. O mais novo livro do poeta e ecologista Nicolas von Behr elenca 27 espécies vegetais e de aves típicas do cerrado, com aquarelas de Therese von Behr. Páginas do livro Aves, cores e flores do cerrado. Foto: Editora Mais Amigos/Reprodu??o
Ricardo Daehn
postado em 23/02/2025 00:01 / atualizado em 23/02/2025 09:59