
Presente em várias culturas ao longo da história, a mediunidade pode ser interpretada de diferentes maneiras, segundo as vivências de cada comunidade. Ora considerada um dom, ora entendida como a capacidade humana de se comunicar com pessoas falecidas ou entidades, a mediunidade é, também, investigada pela ciência como uma característica genética que altera o cérebro e permite perceber o mundo de forma particular.
Uma pesquisa pioneira, divulgada neste ano, identificou pela primeira vez possíveis padrões genéticos associadas à mediunidade. Segundo o professor Wagner Gattaz, do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), o estudo parte da hipótese de que médiuns, cuja capacidade de perceber certos fenômenos é mais aguçada, têm genes que codificam determinadas proteínas e podem estar associadas a uma maior permeabilidade do filtro cerebral, tornando-os mais sensíveis a essas experiências.
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Marcadores genéticos
Publicada na revista Brazilian Journal of Psychiatry, a pesquisa investigou o exoma (sequenciamento de todos os genes que expressam proteínas) de 54 médiuns experientes e os comparou com o de seus parentes de primeiro grau que não possuem a habilidade mediúnca. Os resultados identificaram 33 genes que apresentam variações em pelo menos um terço dos médiuns estudados, mas não foram detectados entre seus familiares não médiuns.
"Se conseguirmos estabelecer uma relação entre o dom da mediunidade e alguns marcadores genéticos, poderíamos alargar a nossa compreensão dos mecanismos pelos quais percebemos o mundo ao nosso redor. Além disso, poderíamos detectar precocemente e estimular, em alguns indivíduos, os dons mediúnicos", explica o pesquisador que liderou o estudo em parceria com o Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde (Nupes) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Também a partir de experimentos científicos, foi constatado que a mediunidade não tem relação com transtornos mentais, como suspeitou-se por muito tempo — no início do século 20, por exemplo, chegou-se a criar, no Brasil, o termo 'loucura espírita', conforme destaca o professor Alexander Moreira-Almeida, da UFJF. "Outra linha de investigação visa averiguar se o médium efetivamente é capaz de obter informações, a partir dessas experiências, que ele não conseguiria obter por meios convencionais", explica o psiquiatra Moreira-Almeida, responsável por inúmeras pesquisas no campo da espiritualidade, religião e saúde mental.
"Inerente ao humano"
No século 19, Allan Kardec explorou a natureza da mediunidade, em O livro dos médiuns, descrevendo-a como a capacidade de sentir a influência dos espíritos. "Ele (Kardec) destaca que essa faculdade não é sobrenatural, mas sim uma propriedade natural do ser humano, presente em diferentes graus em cada indivíduo, permitindo, assim, a comunicação entre os vivos e os espíritos", afirma André Siqueira, diretor da Federação Espírita Brasileira (FEB), que atua no Distrito Federal.
Segundo a doutrina, os espíritos, ao se comunicarem por meio dos médiuns, utilizam o corpo físico como um veículo para expressar seus pensamentos e vontades. Essa interação ocorre por meio do perispírito, um envoltório que liga a alma ao corpo físico. "Os estudos de Allan Kardec revelaram que a mediunidade se manifesta de diversas formas, mas tendo como base a capacidade orgânica dos médiuns, que se apresenta em diferentes graus", completa Siqueira.
"Os estudos do Núcleo de Pesquisas em Percepção Extrafísica e Espiritual confirmam a natureza orgânica da mediunidade, identificando componentes genéticos específicos nos médiuns. Essas descobertas corroboram a visão de Kardec de que a mediunidade é uma faculdade natural, parte da natureza humana, e não um fenômeno sobrenatural ou místico, devendo ser tratada como objeto da investigação científica", avalia o diretor da FEB.
Compromisso
Para a umbanda iniciática, na preparação para o nascimento, as pessoas trazem do mundo espiritual o compromisso e a responsabilidade no vínculo estabelecido com as entidades. "Nós entendemos que tudo que se manifesta no corpo físico começa no espírito. Mediunidade é, portanto, uma característica, um processo de comunicação entre duas dimensões", ressalta Mãe Leila, sacerdotisa de dois terreiros, o Casa Luz de Yorimá e o Ordem Iniciática do Cruzeiro Divino do DF (OICDDF).
"Não acho que sejam todas, mas muitas pessoas nascem com algum tipo de mediunidade, pois existem várias formas de manifestar essa característica: por incorporação, clarividência, escuta, intuição, entre outros", acrescenta a sacerdotisa. A mediunidade de incorporação é aquela que possibilita a manifestação das entidades — a Criança, o Caboclo, o Preto Velho. Mãe Leila destaca, ainda, que não se trata de uma habilidade que torne uma pessoa melhor ou mais especial que outras.
"A mediunidade de incorporação é importante, porque as pessoas vão ao terreiro, não para falar comigo, com a Mãe Leila. Elas vão ao terreiro, porque querem ter uma consulta com um Preto Velho, com uma Criança, com um ser espiritual que está em outra dimensão. Eles querem falar com uma entidade e a mediunidade possibilita essa conversa", explica.
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Nascença
Para Mãe Baiana de Oyá, presidente do Ilê Axé Oyá Bagan, todos nascem com a sua mediunidade, considerada, pelo candomblé, como um dom espiritual. "Nossos antepassados deixam legados espirituais que influenciam em seus dons. "Quando nasce uma criança no terreiro, sabemos, por meio dos oráculos, se ela vai entrar em transe no futuro ou não, porque algumas pessoas desenvolvem essa característica e incorporam, enquanto outras, distribuídas em cargos, nascem para tomar conta daqueles que incorporam", explica. Os orixás, segundo Mãe Baiana, têm a função de dar proteção e qualidade de vida. "Os orixás nos ensinam a ter amor um com o outro, a acolher", diz.
Segundo Otávio Marchesini, presidente da Sociedade Teosófica no Brasil, não há uma posição oficial da entidade teosófica acerca da mediunidade e do seu valor. "Em síntese, é possível pensarmos que a mediunidade não é algo que se adquira por herança genética, mas algo que talvez possa ser desenvolvido por intermédio de uma condição humana, que se utiliza da percepção e que toca conscientemente outros níveis ou planos de realidade. Mas isso não necessariamente significa desenvolvimento espiritual. Existe uma possibilidade de se desenvolver um psiquismo sem que necessariamente isso represente uma capacidade já de afloramento e de vivência desperta das questões mais profundas da espiritualidade", conclui.