"A vida começa quando a violência termina", diz Maria da Penha. No caso da vigilante Rosa Aparecida Silva Melo, 45 anos, foi exatamente assim. Submetida à violência doméstica durante 18 anos de casamento, conta que não tinha forças para escapar da situação, uma vez que o agressor fazia falsas promessas e atingia o seu psicológico, que estava abalado.
No fim de 2018, porém, Rosa conheceu uma organização não governamental (ONG) que oferece ajuda a mulheres que não conseguem se desvencilhar sozinhas de situações de violência. "Na Instituto Humanizar, eu fui acolhida por uma delegada e por profissionais que me orientaram. Depois disso, consegui, finalmente, sair", recorda. Ainda sim, ela era perseguida e ameaçada. Somente teve paz após a prisão do agressor.
Hoje, Rosa está casa com outra pessoa e vive em um relacionamento saudável. A outra mulheres, com firmeza na voz, ela aconselha: ao primeiro sinal de violência, mesmo por meio de palavras, toda ajuda disponível deve ser buscada.

Denúncias
Em 2024, foram registradas 19.996 ocorrências de violência doméstica, envolvendo uma ou mais vítimas, de acordo com a Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF). Isso equivale a um caso a cada 26 minutos. Em relação ao ano anterior, que teve o total de 20.867 registros, houve queda de 4,17%. Historicamente, a maioria das violências é praticada por homens.
O serviço do Dispositivo Móvel de Proteção à Pessoa (DMPP) emitiu mais de 13 mil alertas em 2024 que auxiliaram na proteção de vítimas de violência doméstica na capital. O apoio é oferecido com medida protetiva de urgência (MPU) em vigor, e implementado por meio de decisão de deferimento de medida cautelar de monitoração eletrônica, após avaliação do Judiciário aceita por parte da vítima. Com isso, a vítima recebe a ferramenta, que poderá ser acionada sempre que se sentir em perigo. Uma tornozeleira eletrônica é instalada no agressor e ambos são monitorados de forma simultânea, 24 horas por dia.
Para Mariana Covre, advogada e professora de compliance de gênero, a criação de leis de proteção às mulheres, as modificações nas penas e a disponibilização de canais para denúncia contribuem para a proteção das vítimas.
"Quanto mais as mulheres têm canais de denúncias e informação, mais elas denunciam, então, conseguimos ver melhor o retrato do aumento efetivo da violência. Contudo, quanto mais leis e punições há contra os agressores, há uma tendência de as violências aumentarem, porque a resposta dos algozes às estruturas contra a violência é exatamente a violência. Isso ocorre até que o pêndulo se normalize. Há um crescimento para depois haver redução gradativa e, assim, haver mudanças. Historicamente, as mudanças culturais ocorrem com o tempo", analisa.
Tipos
Lisandra Arantes, advogada especializada em direitos das mulheres e conselheira do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), aponta que existem cinco tipos de violência contra a mulher — física, psicológica, moral, patrimonial ou sexual. Cada uma delas tem características próprias.
"A violência física é a mais fácil de identificar. Traduz-se no empurrão, no soco e, normalmente, deixa marcas. A psicológica é aquela que afeta a autoestima, a vontade de viver. É quando a mulher é diminuída e tem suas atitudes limitadas. Já a violência moral está ligada aos crimes de injúria, calúnia e difamação. A sexual, que também é uma forma de violência física, se dá quando a vítima é submetida a atos sexuais não consentidos. Por fim, a patrimonial prejudica a vítima financeiramente", elenca.
Ela ressalta a necessidade de políticas públicas de prevenção e de proteção para as vítimas. "O Cfemea atua monitorando projetos de lei e políticas públicas, mobilizando e articulando com outras organizações para interferir nessas medidas, de modo que sejam acolhedoras, preventivas e efetivas no que diz respeito a tirar mulheres da situação de violência", destaca.
Desde outubro do ano passado, os julgamentos de feminicídio preveem penas mais rigorosas, que variam de 20 a 40 anos de reclusão, a maior estabelecida no Código Penal. A mudança é resultado da lei 14.994/2024, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Marcelo Zago Gomes Ferreira, coordenador geral da Câmara Técnica de Monitoramento de Homicídios e Feminicídios (CTMHF), da SSP-DF, diz que existem inúmeros estudos que apontam a prisão de agressores como essencial para manter a vida da mulher. "Existem casos em que a escalada da violência é muito característica e que há, sim, chances de feminicídio. Nessas situações, a prisão é um meio extremamente eficaz", observa.
Medidas
A SSP-DF informou que a capital tem o programa DF Mais Seguro — Segurança Integral, com a participação da sociedade civil e de diversos órgãos. O foco é reduzir a criminalidade e a violência, aumentar a sensação de segurança e melhorar as condições sociais.
Citou ainda o eixo Mulher Mais Segura — Segurança Integral, que concentra medidas preventivas e tecnologias voltadas à proteção e ao enfrentamento da violência contra a mulher; o Serviço de Proteção à Mulher, que monitora, por meio da Diretoria de Monitoramento de Pessoas Protegidas, vítima e agressor, simultaneamente e em tempo real, estabelecendo distância segura entre eles e impedindo aproximação; e o programa Viva Flor, que disponibiliza um aparelho, similar a um smartphone, às participantes do programa Sistema de Segurança Preventiva para Mulheres em Medida Protetiva de Urgência pela SSP-DF. Caso esteja em perigo, a vítima pode usar a ferramenta para acionar o serviço de emergência da PMDF.
A Secretaria da Mulher afirmou ao Correio que trabalha, no curto, médio e longo prazo, na prevenção da violência de gênero e no fomento à independência financeira e empoderamento das mulheres por meio de profissionalização e empreendedorismo.
A pasta salientou que desenvolve e implementa políticas públicas para promover a equidade e a diversidade de gênero. Há programas e projetos, em parceria com outros órgãos do Governo do Distrito Federal (GDF), sociedade civil e empresas públicas e privadas para o desenvolvimento, acolhimento, emancipação social e econômica, e a eliminação de todas as formas de violência contra as mulheres.
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