Durante participação no programa CB.Saúde — uma parceria entre o Correio Braziliense e a TV Brasília —, ontem, a geriatra Randara Rios falou sobre os idosos em Brasília. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a capital federal será a unidade federativa mais envelhecida do Brasil em 50 anos. A médica apontou que esse segmento da sociedade necessita de políticas públicas específicas assim como de uma maior atenção de seus próprios familiares. Às jornalistas Carmen Souza e Mila Ferreira, ela ainda comentou sobre os cuidados preventivos que esse grupo etário deve adotar para evitar doenças, como a demência e o Alzheimer.
O Brasil, atualmente, conta com homem e a mulher mais velhos do mundo. Estamos caminhando para ter mais brasileiros chegando aos 100 anos?
Estamos, sim. Nós estamos com o aumento da expectativa de vida e, com certeza, nos próximos anos a gente vai ter um maior número de centenários. Temos que nos preparar para isso.
De que forma a gente pode chegar à terceira idade com saúde?
É preciso nos prepararmos para ajudar os nossos familiares, que podem chegar a essa expectativa de vida, e também para chegarmos a essa idade com autonomia, com as funcionalidades preservadas e conseguindo fazer as coisas com independência. A gente consegue, na geriatria, avaliar o indivíduo e falar como melhorar para o paciente conseguir ter mais qualidade de vida nesse processo de longevidade.
Há um projeção do IBGE informando que, em 50 anos, Brasília será a unidade da federação mais envelhecida do país. O DF está preparado para essa configuração tão próxima?
Eu acho que nós estamos nos preparando, mas ainda precisamos investir mais em políticas de saúde, no sentido de acessibilidade, e em projetos que incentivem as pessoas a terem a atividade física como meio principal para alcançar essa independência, além da alimentação. Acho que os políticos precisam olhar para isso com atenção, e a população também deve entender que o idoso de amanhã pode ser você.
Como está a população idosa do DF, atualmente?
Estamos tendo um aumento na expectativa de vida. Entendo que Brasília é uma cidade onde teremos um aumento importante dessa população, principalmente por conta do perfil social que temos. É uma população que investe muito em saúde, que pratica atividades físicas, que se preocupa com a alimentação e busca atendimento de rotina com profissionais de saúde, como geriatras. É um público com escolaridade mais alta e que entende a importância de fazer esse investimento na saúde.
Existem algumas áreas do mundo, conhecidas como Blue Zones, que são as que têm mais centenários do mundo. Como são essas regiões e que padrões de comportamentos ajudam e incentivam a longevidade das pessoas?
Essas áreas foram verificadas como regiões onde os centenários contam com mudanças estruturais, que fazem com que eles tenham um processo de longevidade com maior qualidade de vida, com maior funcionalidade. A gente viu que são regiões onde você tem um estilo de vida de pessoas que têm maior mobilidade, por exemplo, na região do Japão. Eles nem sempre usam mesas, então acabam abaixando e levantando várias vezes ao dia. Também entram regiões nas quais se percebeu que há muita socialização, e isso é importante para ter um processo de longevidade com qualidade. Uma coisa muito importante é ter propósito de vida. Às vezes, a gente vê que o idoso está envelhecendo e depois da aposentadoria se perde um pouco, não sabe o que vai fazer. Isso acontece porque o propósito era o trabalho, tinha uma rotina muito tumultuada, uma estimulação cognitiva muito importante, e, aí, de repente, há um baque no qual você acaba se perdendo. É importante criar propósitos de vida. Sempre tem que se trabalhar a fé e a espiritualidade, a atividade física e a alimentação. Foi isso que fez a diferença para essas regiões do mundo terem um número mais concentrado de centenários.
A mudança de hábitos, como redução do colesterol alto, pode ajudar a combater doenças como a demência e o Alzheimer?
Esse colesterol alto foi uma questão tratada no último congresso internacional de Alzheimer, e realmente foi algo em que a gente estava batendo na tecla com os pacientes. Tem que controlar esse colesterol alto, uma vez que ele impacta na saúde cardiovascular, que está intimamente ligada à saúde cognitiva. Então, realmente, pode ser preciso mudar o estilo de vida em relação à alimentação.
Pensando em longevidade, manter o colesterol alto comprometer a saúde mais à frente?
Com certeza. A gente não começa a envelhecer com 60. A gente está envelhecendo, desde que nasceu, em um processo preparando o que você vai ser na terceira idade. Por isso é que a gente fala da importância do esporte. Precisamos incentivar para as crianças o esporte, porque a prática de atividades físicas, com uma boa alimentação, é a melhor forma de você controlar o colesterol. E isso, com certeza, começa na infância e na juventude.
Qual a importância da vitamina B12?
A vitamina B12 é uma das causas reversíveis de demência. Existem situações clínicas em que, às vezes, uma pessoa idosa está aparentando ter um quadro demencial, porque está com deficit cognitivo e alterações clínicas. Mas, quando você vai fazer uma investigação minuciosa com um geriatra, um neurologista ou psiquiatra, identifica que é uma deficiência de vitamina B12. Isso ocorre porque a vitamina B12 interfere na parte cognitiva e neurológica. A melhor forma de adquiri-la é a partir da alimentação, só que existem alguns medicamentos que diminuem a absorção da vitamina B12, (cada caso) precisa ser avaliado. E por isso é preciso ter essa visão holística que o geriatra possui.
Qual a importância do diagnóstico precoce da demência e do Alzheimer?
A gente tem agora biomarcadores que ajudam nesse diagnóstico. Não é todo paciente que vai precisar deles para fazer a avaliação para (algum risco de) demência ou de Alzheimer. Por outro lado, a gente, infelizmente, enfrenta a questão do custo (dessas substâncias), que ainda é elevado. Apesar disso, o uso deles é uma realidade na prática clínica. Recentemente eu consegui fazer um diagnóstico precoce de um paciente graças aos biomarcadores e, com um diagnóstico prévio, você pode fazer uma conduta diferenciada para que esse paciente tenha muito mais qualidade de vida, mesmo com o diagnóstico de demência. Você pode mudar todo o seu estilo de vida e focar naquilo que vai fazer para que aquela evolução, que poderia ser dentro de 5 ou 8 anos, seja em 15 ou até 20, mas com qualidade de vida, que é o foco principal.
De uma forma geral, como a demência é diagnosticada em um paciente?
Um paciente que tenha uma queixa de memória vai procurar um profissional, um geriatra, neurologista ou um psiquiatra, que faça essa avaliação. O profissional vai fazer uma anamnese bem completa, ver fatores de risco e fazer uma avaliação cognitiva, que são testes para entender a memória do paciente. A partir disso, se houver sinal de que existe mesmo algum deficit, a gente vai solicitar exames — um conjunto que chamamos de screening — para fazer essa análise. Essa estudo holístico é importante porque, por exemplo, uma das causas reversíveis, é a depressão. Ela é uma causa que tanto é fator de risco para demência como também é algo que, se a gente identificar, ajuda a podermos fazer o tratamento, e o paciente pode voltar à sua cognição anterior.
O que a senhora recomenda para o tratamento dos idosos?
Eu acho que a gente tem que individualizar esse tratamento. É preciso entender que nem todo paciente vai ter as mesmas preferências. Normalmente a gente tenta entender a sua biografia e ver o que faz sentido em relação à pessoa. Alguns podem participar, por exemplo, de grupos para ajudar ao próximo, isso é uma motivação, um propósito de vida. Mas também podem fazer crochê, terapia, yoga, pilates, entre outros atividades. Essa é a diferença de um geriatra, olhar o paciente como uma peça única daquele quebra-cabeça. Então, aí a gente pode colocar o idoso no melhor lugar, que é específico para cada um.
* Estagiário sob supervisão de Manuel Martínez
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