Segurança pública

Abordagens policiais violentas crescem 45,45% no DF

A comparação entre janeiro e 29 de novembro de 2023 com o mesmo período de 2024 mostra aumento de 45,45% nas denúncias de abusos

Especialistas afirmam que investimento em tecnologias, como as câmeras corporais, ajudará a frear abusos -  (crédito: PMDF/Reprodução)
Especialistas afirmam que investimento em tecnologias, como as câmeras corporais, ajudará a frear abusos - (crédito: PMDF/Reprodução)

Um vídeo que mostra um motociclista sendo estapeado no rosto durante uma abordagem policial, no fim de novembro, na Estrutural, traz um alerta sobre abordagens inadequadas por parte de alguns integrantes da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF). De acordo com o Painel da Ouvidoria do Governo do Distrito Federal (GDF), de janeiro a 29 de novembro de 2024, o número de denúncias e reclamações sobre situações análogas aumentou 45,45%, na comparação com o mesmo período de 2023.

O caso ocorreu quando o condutor, de 21 anos, conforme depoimento dado a autoridades, foi até uma oficina para consertar o retrovisor de seu veículo. Chegando ao estabelecimento, estava fechado e, por isso, decidiu retornar à sua casa. Nesse momento, segundo relatou, foi abordado por dois policiais militares que pediram a documentação dele e da motocicleta. Ele explicou que não tinha o licenciamento porque teria comprado a moto recentemente. Ainda, de acordo com o jovem, os policiais informaram que aplicariam uma multa e que o meio de transporte seria apreendido, sem detalhar para onde o levariam.

O motociclista insistiu em querer saber o local exato para onde seu veículo seria levado. O questionamento, como o piloto informou, supostamente irritou um dos PMs que, por isso, o agrediu. Após o tapa na cara, outro policial assumiu a direção da motocicleta e, sem capacete, a levou. Uma pessoa filmou toda a movimentação e esse conteúdo acabou divulgado nas redes sociais. As imagens foram levadas pelo rapaz à 8° Delegacia de Polícia (Estrutural), onde tentou abrir um boletim de ocorrência. Contudo, segundo ele, os agentes se recusaram a receber a denúncia, orientando-o a que procurasse a Corregedoria da Polícia Militar.

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A advogada criminalista Jéssica Marques, que representa a vítima, acusou que a conduta do policial, além de criminosa, foi completamente desproporcional e abusiva. "No vídeo, percebe-se que o rapaz não reagiu, não ameaçou, tampouco desacatou a autoridade. Ainda que houvesse alguma reação por parte do rapaz, o procedimento policial (correto) seria o de algemá-lo e levá-lo à delegacia, não podendo fazer uso de sua atribuição (legal) para cometer violência", observou.

Proteção

O especialista em segurança pública Berlinque Cantelmo defendeu que, para enfrentar o problema da violência policial, é imprescindível investir em tecnologias, como as câmeras corporais, além de promover treinamentos adequados e realizar mudanças culturais profundas dentro das corporações. "Essas medidas devem ser encaradas como avanços necessários para garantir tanto a segurança da população quanto a integridade dos agentes, reforçando os princípios de transparência e responsabilidade no exercício da segurança pública", opinou.

Por sua vez, Cássio Thyone, do Conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, acrescentou: "Além disso, órgãos, como a própria Corregedoria da PMDF e o Ministério Público (MP), precisam fiscalizar as ações externas das forças policiais".

Em nota, a corporação comunicou que está apurando os fatos e reiterou que não tolera desvios de conduta de seus integrantes. A Promotoria de Justiça Militar do MP requisitou que a Corregedoria da PMDF solicitasse o afastamento do policial envolvido na agressão.

A agressão denunciada na Estrutural em novembro, reavivou discussões sobre o uso de câmeras corporais por policiais. No Distrito Federal, esse tipo equipamento ainda não é utilizado. Segundo Thyone, essas filmadoras são um mecanismo de redução para as ações violentas.

"As câmeras também dão a transparência, além de protegerem o próprio militar, quando lhe é imputada uma ação que não cometeu", avaliou. "Ela vai permitir que a gente tenha uma real noção de como foi a ação. E resguardará o bom policial que atua dentro dos parâmetros legais", ressaltou.

Berlinque Cantelmo, por sua vez, opinou que as câmeras corporais são essenciais para mitigar a violência e eventuais dúvidas. "Estudos indicam que o uso dessa tecnologia reduz, significativamente, confrontos e denúncias de abuso de autoridade, funcionando como um inibidor para condutas inadequadas, tanto dos agentes quanto dos cidadãos", explicou. "Outro benefício importante é a melhora na confiança da população nas forças de segurança, uma vez que a transparência das ações reforça a sensação de justiça e profissionalismo", assegurou.

De maneira geral, o deputado distrital Hermeto (MDB) concorda com os especialistas: "Acredito que as câmeras têm um papel importante em proteger os policiais durante as ocorrências, oferecendo mais segurança a eles". O parlamentar considerou que a tecnologia vem se somar ao que os militares aprendem em sua formação quanto a lidar com as pessoas: "A Polícia Militar é muito bem preparada, com uma formação exigente e um forte foco em direitos humanos. Isso garante que os direitos sejam preservados, tornando raro qualquer tipo de abuso por parte dos policiais".

Para Hermeto, a tendência ao risco de abusos de autoridade, por parte de policiais, seguir em uma linha crescente não se confirmará porque a atuação da corregedoria é firme. "Por isso, acredito que o uso das câmeras tem mais o objetivo de proteger os policiais do que de coibir abusos, já que é incomum vermos situações dessa natureza na PMDF", reiterou.

Implementação

Um Projeto de Lei de 2021, de autoria do deputado distrital Fábio Félix (PSol), quer autorizar que o poder Executivo instale câmeras de vídeo e de áudio nos carros policiais e microcâmeras nos uniformes dos policiais civis e militares.

Fábio Félix defendeu que esses equipamentos, atualmente, são muito utilizados em outros estados brasileiros e países na área de segurança pública. "Elas têm tido uma série de consequências positivas na política pública de segurança. Uma delas, em São Paulo, por exemplo, é a diminuição da letalidade policial em 70%, nos primeiros anos de implementação", ressaltou.

Além disso, de acordo com o distrital, a medida pode auxiliar nos registros de situações de violência de gênero, inclusive. "Muitas ocorrências (de agressão a mulheres) eram tratadas pelas polícias, num primeiro momento, como casos aos que somente cabia uma mera mediação de conflito. Com o monitoramento permanente, começaram a ser registradas em detalhes. Isso também tem um impacto na preservação da vida das mulheres e no enfrentamento à violência de gênero", assegurou.

Félix destacou que a implementação, no DF, faz parte da modernização e da qualificação do trabalho da política pública de segurança pública. "A gente acha que é importante que ele seja implementado e, iniciando pelos batalhões operacionais, até atingir toda a Polícia Militar", pontuou.

Paralelamente à tramitação do PL, a PMDF lançou dois editais para aquisição de câmeras corporais, de acordo com a Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF). Entretanto, o processo se encontra suspenso por determinação do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF). A Corte recomendou que a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação (SECTI) seja consultada sobre aspectos técnicos, como a possibilidade de que o GDF assuma o serviço de armazenamento das imagens.

Opinião

O deputado federal Alberto Fraga (PL) se posicionou contra o uso de câmaras corporais por parte dos policiais militares do DF. "A Constituição diz que ninguém pode produzir provas contra si mesmo. A sociedade demora a entender que o policial, em determinada situação, tem que agir de forma dura e enérgica para poder, até mesmo, salvar sua vida, e isso muitas vezes é mal-interpretado", enfatizou.

Fraga reforçou que a utilização do equipamento afeta, diretamente, o serviço prestado pelas autoridades. "Eu não tenho dúvida de que, ao colocar uma câmara no peito do policial, o Estado está dizendo, claramente, que não confia no policial. Devido ao Estado não confiar, é que estamos nesse caos da segurança pública. A desmotivação do policial é muito grande quando vê o próprio Estado dizer que não confia nele", considerou.

Abusos policiais

2023

- 6 denúncias

- 5 reclamações

Total - 11


2024

- 8 denúncias

- 8 reclamações

Total - 16

 

Crescimento: 45,45%

* Período comparado: janeiro a 29 de novembro nos dois anos

Fonte: Painel da Ouvidoria do GDF

Memória

29 de dezembro de 2021

» Marlon Afonso da Silva, 24 anos, disse ter sido tratado com truculência de PMs na Expansão do Setor O, em Ceilândia. Um vídeo mostra o jovem levando tapas e socos em frente a sua residência. A PMDF disse, na época, que ele resistiu a uma abordagem;

30 de maio de 2022

» Em imagens divulgadas nas redes sociais, um menor de idade, aluno do Centro Educacional 1, na Estrutural, foi algemado e mantido com força no chão. A PMDF informou que foi dada ordem para que o garoto, que estaria brigando com outro menino, se contivesse. Mas ele não teria obedecido;

19 de fevereiro de 2023

» Foliões que se divertiam em uma festa de carnaval, no Setor Carnavalesco Sul, denunciaram uma abordagem agressiva de PMs que estariam batendo nas pessoas e utilizando spray de pimenta no público. A corporação disse que os policiais estariam se defendendo de ataques.

 

 

Mariana Saraiva
Arthur de Souza
Davi Cruz*
DC
postado em 06/01/2025 06:00 / atualizado em 06/01/2025 09:32
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