Contas públicas

Defesa do FCDF segue firme após tentativas de cortes

Em menos de dois anos, o Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) sofreu duas ameaças de redução, mobilizando a classe política para manter o recurso

Após tentativa de inclusão no pacote de corte de gastos, o FCDF foi retirado do texto pelo relator do projeto na Câmara -  (crédito: Mário Agra/Câmara dos Deputados)
Após tentativa de inclusão no pacote de corte de gastos, o FCDF foi retirado do texto pelo relator do projeto na Câmara - (crédito: Mário Agra/Câmara dos Deputados)

Recurso destinado à saúde, educação e segurança pública no Distrito Federal, o Fundo Constitucional do DF (FCDF) tem entrado na mira para sofrer alterações em sua forma de cálculo dentro do escopo de pacotes de cortes de gastos propostos pelo governo federal. Entre 2023 e 2024, foram duas tentativas de alteração. Graças a articulações políticas realizadas por representantes do Governo do DF (GDF) e pela bancada no Congresso Nacional, o fundo segue sem mudanças. No entanto, a classe política permanece em alerta para evitar novas investidas. Especialistas ouvidos pelo Correio destacam que o diálogo entre as instituições e o envolvimento da sociedade na defesa do recurso podem ajudar a preservá-lo.

"Não acredito que façam novamente novas investidas contra o Fundo Constitucional. Mas creio que o diálogo permanente com os líderes do Congresso é um caminho para barrar novas tentativas", declarou a vice-governadora do DF, Celina Leão (PP). O deputado federal Reginaldo Veras (PV) pensa diferente. "Sempre haverá ameaças, por isso, devemos manter sempre a atenção", alertou. "Ninguém pode garantir que não haverá novas investidas, porém, acredito que a bancada do Distrito Federal estará unida e atenta, lutando para que não haja nenhum tipo de prejuízo para o DF com mudanças no Fundo Constitucional", completou o deputado Alberto Fraga (PL).

Também deputada federal, Erika Kokay (PT) reforçou a importância da bancada ter atuado de forma conjunta. "Trabalhamos de forma firme e suprapartidária, com isso, conquistamos a manutenção das regras atuais do FCDF. Precisamos nos manter mobilizados, dialogando, inclusive, com o futuro presidente da Câmara dos Deputados para mostrarmos a importância do FCDF para o Brasil e evitarmos novos ataques. Não podemos ser surpreendidos mais uma vez. É fundamental, também, que criemos mecanismos para que a sociedade acompanhe a execução dos recursos", afirmou.

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Alvo

A primeira vez que o Fundo Constitucional foi ameaçado desde a sanção, em 2002, foi no ano de 2023, quando uma proposta de mudança de cálculo do FCDF foi incluída no relatório do PLP 93/2023, que propunha a estipulação de um teto de gastos para o governo federal, também conhecido como novo arcabouço fiscal. O texto, relatado na Câmara dos Deputados pelo deputado Cláudio Cajado (PP-BA), foi aprovado na Casa, mas, ao ser votado no Senado Federal, o trecho que propunha a mudança no Fundo Constitucional foi retirado pelo relator do projeto na Casa, senador Omar Aziz (PSD-AM).

A preservação do recurso se deu após uma longa articulação política. Durante a tramitação do projeto, a bancada do DF e representantes do Governo do Distrito Federal (GDF) interferiram junto aos parlamentares e aos líderes no Senado e na Câmara para sensibilização quanto à importância do FCDF, obtendo êxito no fim, com a salvação do recurso.

Neste ano, por meio do PL 4614/2024, de autoria do líder do governo da Câmara, José Guimarães (PT-CE), o governo federal apresentou uma nova proposta de ajuste fiscal, incluindo a alteração no cálculo do FCDF no pacote. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se pronunciou favoravelmente ao corte.

Caminhos

O cientista político André César acredita que novas tentativas de cortes no fundo podem se materializar em 2025. "Dado o cenário econômico e a necessidade do governo de ter dinheiro em caixa, creio que podem haver outras investidas. Além disso, o governo Lula tem um perfil desenvolvimentista e algumas contas ainda não fecham", pontuou. "O pacote de corte de gastos aprovado em dezembro no Congresso foi bastante desidratado, isto é, não entraram algumas reduções previstas inicialmente pelo governo federal, como o próprio Fundo Constitucional do DF. Portanto, não se pode tirar do radar a possibilidade real de outra tentativa", acrescentou.

Para evitar novas tentativas de interferência na forma de cálculo do Fundo Constitucional e possíveis prejuízos aos cofres públicos do Distrito Federal, o especialista observou que o diálogo entre as instituições é importante para que haja uma conscientização quanto à relevância deste recurso para saúde, educação e segurança no DF. "O governador Ibaneis é do MDB, partido que faz parte da base do governo federal, mas que está considerando seguir um caminho mais aliado à centro-direita. Mas o DF é o centro do país, literalmente. A relação do GDF com o governo federal não pode ser cortada, para o bem da capital do país", ponderou.

Doutor em ciências contábeis e professor da Universidade de Brasília (UnB), Marilson Dantas lembrou que o Fundo Constitucional representa praticamente um terço dos recursos orçamentários do GDF. "Mantê-lo é uma obrigação constitucional e é essencial, principalmente para a segurança pública. Todas as propostas de alteração já apresentadas resultariam em uma diminuição dos recursos do fundo a longo prazo", destacou.

O especialista aponta ainda que há possibilidade do GDF usar o Fundo Constitucional de forma ainda mais eficiente e transparente. "Desenvolver um sistema de custos, gestão e governança que deixe claro como esses recursos estão sendo aplicados, mostrando uma necessidade criteriosa de mantê-los, sob pena de afetar a qualidade os serviços. Isso também ajudaria a colocar a população como defensora do fundo", sugeriu Marilson. "É possível levantar informações de custos auditáveis e comparáveis de cada setor que utiliza recursos do fundo. Seria mais didático e, com o conhecimento dessa informação, a população se envolveria na discussão", completou.

Marilson defendeu ainda que o governo federal precisa buscar uma maior eficiência dos gastos para evitar ter que implementar pacotes de cortes de gastos todos os anos. "O governo não buscou uma redução de custos e quis transferir essa responsabilidade para o Distrito Federal, querendo modificar o cálculo do fundo. Sabemos que os reajustes fiscais são importantes de tempos em tempos, mas é preciso haver um equilíbrio no processo", analisou.

Em entrevista ao CB.Poder — parceria do Correio Braziliense e TV Brasília — o consultor tributário e ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel apresentou uma possível solução para evitar que o Fundo Constitucional seja ameaçado novamente. "Só vejo uma forma de prevenir isso: constitucionalizar o critério, introduzir no ato das disposições constitucionais transitórias um artigo que diga algo assim: 'O Fundo que trata o artigo 21, inciso 14 desta Constituição, será reajustado anualmente pela variação da Receita Corrente Líquida da União'. E, ao fazer isso, blindamos o fundo quanto a pretensões espúrias ou sistemáticas de rever o critério", avalia.

O que é 

O Fundo Constitucional do Distrito Federal é a verba destinada ao custeio da organização e manutenção da área de Segurança Pública, assim como os recursos também ajudam nas despesas de Educação e Saúde. Previsto na Constituição Federal de 1988, o Fundo se tornou realidade com a sanção, no fim de 2002, pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, de uma lei que tratou especificamente sobre as regras de cálculo e repasse.

O recurso é regulamentado pela Lei nº 10.633/2002 e os recursos são fiscalizados pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que anualmente é responsável por avaliar a regularidade das contas, por meio de um Processo de Contas Anuais.

Para 2025, está previsto um total de R$ 25.078.223.161 para o Fundo Constitucional, sendo R$ 11.495.233.954 para a segurança pública, R$ 8.135.677.660 para a Saúde e R$ 5.447.311.547 para a Educação.


Mila Ferreira
postado em 05/01/2025 06:00
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