Cidade mais antiga do Distrito Federal, Planaltina resguarda sua rica memória cultural e religiosa. Entre as celebrações mais tradicionais da região, destaca-se o Dia de Reis, comemorado em 6 de janeiro, festividade que reúne devoção, música e dança em homenagem aos três reis magos — Baltasar, Gaspar e Melchior — que visitaram Jesus em Belém, guiados por uma estrela, após o seu nascimento. Neste ano, a folia chega à sua 39ª edição e segue mantendo a tradição entre os moradores e fiéis.
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De acordo com estudiosos, a Folia de Reis tem origem europeia, mais especificamente em Portugal e na Espanha, e foi introduzida no Brasil durante o período colonial. A celebração foi utilizada como estratégia de catequização dos povos indígenas e adaptada ao longo dos séculos às características culturais do país. A celebração é realizada devido ao intervalo entre o nascimento de Jesus Cristo, celebrado no Natal, e a visita dos Três Reis Magos ao filho de Deus.
Em Planaltina, a celebração teve início há quase quatro décadas e se consolidou como parte da identidade cultural e religiosa da cidade. A primeira Folia de Reis foi organizada na Rua Piauí, também conhecida como Rua da Palha, na Vila Vicentina. Joaquim Luiz de Sousa, 67 anos, aposentado, lembra com emoção do início da celebração. "Meu pai e meus avós já participavam dessas folias. É um legado passado de família para família. Eu mesmo comecei a guiar a folia com 19 anos, e hoje, com 33 anos nessa função, sinto um orgulho enorme de manter viva essa tradição", disse ao Correio.
Na edição deste ano, a Folia de Reis começou em 2 de janeiro com uma Alvorada na casa de Almerci e Maria, na Rua Benjamin Constant. Durante o evento, o guia principal distribuiu as missões para os foliões, dividindo funções como cantar, tocar instrumentos e carregar a bandeira, o símbolo máximo da festa, que retrata os Reis Magos e representa a benção e proteção divina.
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Desde então, os foliões têm percorrido as ruas de Planaltina, visitando casas de moradores que recebem a festa com fé e hospitalidade. Segundo a tradição, as bênçãos são concedidas somente em lares que possuem um presépio ou uma imagem do menino Jesus. Em troca, os anfitriões oferecem refeições e repouso para os integrantes do grupo, como demonstração de gratidão e acolhimento. Os rituais diários incluem o almoço e o pouso (hospedagem), quando os foliões cantam, dançam a catira, uma dança típica de palmas e sapateados acompanhados de violas, violão e pandeiros.
Organização
A definição do cronograma da Folia é dois alferes, principais cargos dos integrantes da companhia. Eles são os responsáveis pela guarda de uma bandeira, que retrata o momento em que os reis Baltasar, Melchior e Gaspar presentearam Jesus com ouro, mirra e incenso. Outra tarefa é a criação de uma oração, baseada na profecia dos Três Reis Magos, na história de Maria e José e no nascimento de Cristo.
Além dos alferes, há contraguias (que fazem o planetamento das rotas), pandeiristas e violeiros, que se unem para garantir a harmonia do evento. Segundo Marcos Marciel, um dos guias da celebração e participante há 31 anos, as canções são muitas vezes improvisadas e inspiradas pela espiritualidade do momento. "As músicas que cantamos são ensaiadas, mas algumas vêm na hora, como se fossem dadas por Deus. Para mim é uma honra continuar esse trabalho que iniciou em nossa família com meu pai e meu tio", explicou.
A pensionista, Cecília Rabelo, 65, destaca que a festividade tem um grande significado emocional. "Nasci e cresci dentro da folia, porque meu pai começou tudo na fazenda que morávamos em outro estado. Receber a Folia de Reis na minha casa me traz alegria por ser um momento de união, fé e felicidade. É um sacrifício que vale a pena pelo amor que sentimos e pela alegria que compartilhamos com a comunidade", afirmou.
Ana Amélia Oliveira, 40, que assumiu a coordenação da folia após o falecimento do pai, reforça a importância de manter viva essa tradição. "A Folia de Reis é uma mistura de cultura e religiosidade. Para mim, é emocionante não só organizar a festa, mas também levar a palavra de Deus às casas e dar continuidade ao legado do meu pai", enfatizou.
Desafios
No decorrer das décadas de 1970 e 1980, a Folia de Reis enfrentou muitos desafios, entre eles, a falta de interesse e até proibições por parte do governo para a sua realização. A celebração chegou a ser transferida para a região do Paranoá, mas foi retomada em 1986, após o esforço e luta de moradores que resgataram a bandeira em prol do retorno da tradição na cidade.
Atualmente, a festa é vista como um símbolo de resistência cultural e religiosa em Planaltina. Para Ana Amélia Oliveira, o objetivo é cultivar e trabalhar para que nunca mais acabe. "Vivemos em uma cidade de tradições. A Folia de Reis é parte da nossa identidade, e é por isso que fazemos questão de mantê-la viva. Queremos que as novas gerações entendam a importância desse legado e, por isso, vamos fazer de tudo para manter essa festa para sempre", ressaltou.
Convite
A festividade termina amanhã, no Dia de Reis, com uma grande celebração que, segundo a organização, promete reunir centenas de moradores da vizinhança. Um dos alferes, Joaquim Luiz deixa um convite especial para os fiéis. "Essa é uma festa de fé e tradição que não pode ser esquecida. Convidamos todos que ainda não conhecem a folia a virem participar com a gente. É uma experiência única, cheia de amor, união e bênçãos", reforçou.
Programação
Terceiro almoço
Hoje, a partir das 13h, na residência de Almira e sua família, na Rua E, quadra 13, casa 22, na Vila Vicentina.
Quarto Pouso
Hoje, a partir das 16h, na casa dos anfitriões Eliezer e Raquel, na rua Rio Grande do Norte, Quadra 72, casa 9, no Setor Tradicional.
Desalvorada
A festividade encerra logo após a última reunião com a Desalvorada e a realização de grande café da manhã.