Na última semana de 2024, a história da capital da República foi marcada, mais uma vez, por ameaças de atentados envolvendo explosivos. Desde o ataque de 8 de janeiro de 2023, que deixou rastros e prejuízos, extremistas têm tentado prejudicar a tranquilidade no território brasiliense (leia a memória). Como medida de segurança após os últimos acontecimentos, o Governo do Distrito Federal (GDF) instituiu uma célula presencial de inteligência, visando aumentar a vigilância e a coordenação entre as forças de segurança, para evitar situações críticas. Inicialmente, a estrutura ficaria ativa até o dia 12 de janeiro. Contudo, Alexandre Patury, secretário-executivo de Segurança Pública, informou que há estudos para que a medida torne-se permanente.
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Instalada no prédio da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), a célula, que está vinculada à Divisão de Prevenção e Combate ao Extremismo Violento (Dpcev), tem foco em ações preventivas, que incluem o monitoramento de redes sociais e a identificação de movimentações suspeitas que possam indicar atividades de caráter terrorista. "O objetivo dessa célula é monitorar e planejar ações de segurança para impedir que incidentes perturbem a ordem e a paz social em nossa cidade. É um importante reforço no esquema de segurança e das instituições sediadas na capital da República, com ainda maior preparo na prevenção de ocorrências", declarou a vice-governadora do DF, Celina Leão.
Ao Correio, Patury fez questão de destacar a integralidade da ação, que reúne órgãos locais e federais. Entre as entidades envolvidas estão: o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e as polícias do Senado Federal, do Supremo Tribunal Federal (STF), da Câmara dos Deputados, Federal (PF) e Rodoviária Federal (PRF). "O trabalho é muito interessante e que pena que a doutrina de inteligência não permite que filmemos os locais e os envolvidos, mas parece um filme. Uma sala, com várias mesas e monitores, cada um acessando seus respectivos órgãos e trabalhando simultaneamente", descreveu o secretário.
Perguntado sobre os trabalhos executados nos eventos de ano-novo, que aconteceram em toda capital na noite da última terça-feira, o secretário declarou que tudo ocorreu bem. "Nós tivemos uma reunião ontem (quinta-feira com os demais órgãos) e eu comentei que, às vezes, as pessoas têm a falsa percepção de que quando nada acontece é porque as medidas não funcionaram, mas é justamente ao contrário, quando o crime não acontece é sinal de que tudo deu certo; as coisas fluíram numa velocidade incrível, de forma que iniciamos uma discussão, na quinta-feira, para estudar a viabilidade de tornar isso permanente", disse.
Referência
Patury salientou que o trabalho de inteligência sempre é realizado de forma virtual e que a célula física costuma ser instaurada apenas no caso de grandes eventos, como no 7 de Setembro, permanecendo ativa por, no máximo, 48 horas. Ele destacou que a célula presencial ativa por um período prolongado é uma inovação da pasta. "Envolve a participação de todos os órgãos, além da PCDF, PMDF, CBMDF, Detran-DF e DER-DF, há a participação de diversos órgãos federais, é de uma magnitude que eu não sei se em outro lugar do país vai ter algo assim. Acredito que a longa duração, de uma célula permanente, com todos trabalhando juntos, é algo inédito", apontou.
O Centro Integrado de operações de Brasília (Ciob) é ferramenta essencial para que os trabalhos tenham êxito. Patury explicou que as imagens que estão no CIOB são compartilhadas com a célula presencial de inteligência. "Se for necessário, eles podem, inclusive, controlar as câmeras para identificar algo ou alguém", relatou.
Atuação
Especialista internacional em segurança pública, Leonardo Sant'Anna avaliou que, para além de uma estrutura local, a contribuição efetiva para a segurança pública ocorre quando há, sobretudo, atuação multidisciplinar. "A integração de informações, tarefas e ações vindo dos dois lados (local e federal) funciona muito melhor do que um protagonismo exclusivo de uma ou outra. Dessa forma, a gente percebe uma maturidade institucional de cada um dos órgãos para que o resultado venha de forma global para a capital do país", apontou.
Segundo Welliton Caixeta Maciel, criminólogo e pesquisador vinculado ao Grupo Candango de Criminologia da Universidade de Brasília (UnB), a prevenção, a investigação e a repressão são os pilares da segurança e podem ser realizadas por diversos programas e ações dentro da estrutura de segurança pública, "entre as quais estão incluídas as ações de inteligência, que podem se valer de diversos métodos e técnicas, tais como rastreamento e monitoramento de ambientes (inclusive, virtuais) e pessoas que, no caso em tela, buscam se antecipar a qualquer tipo de situação ou comportamento que possa configurar ou favorecer a prática de crimes", disse.
Sobre a permanência presencial da célula, Sant'Anna avaliou que, dessa forma, seria possível estabelecer um vínculo que não se rompesse ao início e término de cada problema. "Isso permitiria que tivéssemos uma interação constante desses assuntos, inclusive, podendo, em alguns casos, contar até mesmo com colaboração internacionais", sugeriu.
Patury explicou que a célula é responsável por executar varreduras em redes sociais e jornais, além de checar denúncias anônimas, tornando a investigação mais célere e funcional, com todas as forças atuando ao mesmo tempo e trocando informações. Ele destacou que, mesmo sem novas ameaças identificadas até o momento, o trabalho segue de forma ininterrupta, para responsabilizar quem tenta gerar pânico ou desinformação e preservar a segurança na capital.
Fake news
De acordo com estudiosos da área de segurança, o fenômeno das notícias falsas corrobora para que o extremismo seja alavancado. Welliton Caixeta Maciel destacou que a principal função da célula é se antecipar e prevenir incidentes. Segundo ele, essas situações podem ter início por meio da profusão de fake news e da desinformação. "Cabem às diversas instituições que compõem a célula, o trabalho de desarticulação de tais pânicos que podem se desenrolar em ameaças e ataques reais. Tão importante quanto a ação rápida das forças de segurança, é também a informação segura e acessível à população, capaz de minar e neutralizar situações críticas, como focos de extremismo violento que, como temos observado desde os últimos acontecimentos, começam nas/pelas redes sociais", apontou.
Sobre as punições aos criminoso, Sant'Anna avaliou que, no Brasil, ainda é preciso caminhar muito. "Não só em relação às punições, mas a todo o processo preventivo referente a esses crimes. Aqui, nós não temos um histórico, no que refere-se a atentados, então a gente ainda precisar caminha bastante para conseguir categorizar as diversas punições e colocá-las dentro de níveis distintos de elaboração de penas, para que possamos tornar essas pessoas como exemplo dentro desses processos", observou.
Reforço
O secretário-executivo da Pasta de Segurança enfatizou que a capital é um lugar seguro. "Até o momento, parece que terá apenas um evento grande, patrocinado pelo governo federal, que vai reunir os presidentes das casas, mas, fora isso, não há nada grande organizado. No entanto, a polícia estará presente e a inteligência também, não somente na célula presencial, mas nas ruas. É claro que a tensão fica elevada, mas a quantidade de servidores da SSP-DF nas ruas será suficiente e se a célula apontar qualquer coisa, regimentaremos mais forças, porque teremos condições de um pronto aumento, se necessário".
Patury lembrou que, além de um batalhão de polícia específico para a Esplanada dos Ministérios, todas as casas dos Poderes possuem equipes de segurança efetivas, que serão reforçadas para o 8 de janeiro. "Não é necessário haver preocupação, porque não há nada mapeado, nenhuma preocupação maior, mas é claro que nós estamos atentos. Em caso de qualquer anormalidade, nós temos condições de em questão de minutos chegar a qualquer lugar do DF", tranquilizou.
Saiba Mais
Memória
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