SAÚDE

Casos de dengue no DF aumentaram 526% em um ano; governo contrata mais agentes

Dados divulgados pela Secretaria de Saúde mostram um salto nas ocorrências da doença transmitida pelo mosquito Aedes aegypti. Em 2024, foram 278.301 registros prováveis da enfermidade, contra 44.483 em 2023. Especialistas ligam o aumento às chuvas

Antônia: "A vigilância precisa estar mais presente. A divulgação deve se estender" -  (crédito: Pedro Santana/CB/D.A Press)
Antônia: "A vigilância precisa estar mais presente. A divulgação deve se estender" - (crédito: Pedro Santana/CB/D.A Press)

O número de casos de dengue no Distrito Federal teve um aumento alarmante em 2024. De acordo com boletim epidemiológico divulgado, nesta quinta-feira (2/1), pela Secretaria de Saúde (SES-DF), foram notificados 278.301 casos prováveis da doença, um salto de 525,6% em relação a 2023, quando foram registrados 44.483 ocorrências. Além do crescimento expressivo de infecções, o impacto letal foi devastador. As mortes dispararam de 24, em 2023, para 440, em 2024, com as mulheres representando 52,7% das vítimas (232). Idosos com 80 anos ou mais contabilizaram 117 óbitos (26,6% do total). 

Jovens de 20 a 29 anos foram a faixa etária com a maior taxa de infecção (9.971,9 a cada 100 mil habitantes). As cidades de Brazlândia, Varjão e Santa Maria tiveram os maiores índices de incidência, com 14.012,73, 12.713,06 e 12.359,90 notificações por 100 mil pessoas, respectivamente. Ceilândia liderou em casos — com 34.325 registros —, seguida por Samambaia (22.098) e Santa Maria (16.368).

Breno Adaid, especialista em dados quantitativos e estatística e professor da Universidade de Brasília (UnB), explicou que, no final de 2023, houve um aumento rápido e agressivo de casos no início do período das chuvas. "Este fator indicou a piora tremenda durante o restante do período das chuvas, fato que ocorreu e gerou a epidemia de dengue de 2024. É natural que os casos subam no período das chuvas por favorecimento do ambiente para a proliferação do mosquito", disse.

Vacina

A vacinação contra a dengue no Distrito Federal é exclusiva para crianças e adolescentes de 10 aos 14 anos (acesse QR Code abaixo). O imunizante conta com duas doses, com intervalo de 90 dias entre elas. Caso algum desses pacientes tenha sido diagnosticados com dengue, deve aguardar seis meses para iniciar o esquema vacinal. Se houver contaminação por a doença após a primeira dose, precisa comparecer para se imunizar com a nova dose na data prevista, desde que haja um intervalo de 30 dias entre a infecção e o recebimento desse imunizante. 

Confira aqui os locais de vacinação contra dengue
Confira aqui os locais de vacinação contra dengue (foto: QR Code)

A vacina contra a dengue não é indicada para quem tem imunodeficiência congênita ou adquirida e pessoas com hipersensibilidade às substâncias listadas na bula do imunizante, além de mulheres gestantes ou em fase de amamentação.

Sinais de alerta

O infectologista André Bon explica que aqueles que apresentem sintomas de dengue precisam procurar atendimento médico imediato, pois há risco de evolução para forma grave ou até mesmo morte em poucas horas. "É o caso de dores abominais intensas, vômitos persistentes, sonolência ou agitação excessiva, presença de sangramento nas mucosas, como gengiva, nariz ou até mesmo na urina", informou. "No entanto, quem apresentar febre alta de início súbito, dor de cabeça, dor atrás dos olhos, náuseas, vômitos, dores articulares, dores pelo corpo, também necessita atenção ambulatorial, pois estes também são sintomas de dengue", acrescenta.

Cenário preocupante

Vilmar Souza, de 60 anos, mora no Setor P Norte, em Ceilândia, com a esposa, Noeli Silva, 62. Caminhoneiro aposentado após um acidente, o idoso relatou preocupação com o aumento da doença. Ele enfrentou momentos difíceis quando Noeli ficou doente. "Ela teve uma dengue muito forte, quase não resistiu. Até chegou a ficar em observação. A imunidade dela é muito baixa. Fiquei muito preocupado com ela", lembrou.

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O homem, que teve dengue duas vezes, descreveu os sintomas como algo extremamente difícil de enfrentar. "A segunda vez achei que ia morrer. Sentia tanta dor no corpo que cheguei a pensar que meus ossos iam quebrar. Até falei para a minha mulher que dessa vez não escapava", contou.

Sobre a participação da população no combate ao mosquito, Vilmar é crítico. "Eu faço minha parte. Meu quintal é limpo, sem água parada. Mas o vizinho? Vi vasilhas cheias de água, panela velha, garrafa de boca pra cima. A gente faz a nossa parte, mas o outro lado não faz. Só acreditam quando pegam a doença."

  • Lixo espalhado em ruas de várias regiões administrativas, entre outros fatores, amplia a ameaça de proliferação da enfermidade
    Lixo espalhado em ruas de várias regiões administrativas, entre outros fatores, amplia a ameaça de proliferação da enfermidade Ed Alves/CB/D.A Press
  • Antônia:
    Antônia: "A vigilância precisa estar mais presente. A divulgação deve se estender" Pedro Santana/CB/D.A Press
  •  02/01/2025 - CB - Casos de dengue no DF aumentam em quase 600%. Personagem: Ahmad Kalafh
    02/01/2025 - CB - Casos de dengue no DF aumentam em quase 600%. Personagem: Ahmad Kalafh PEDRO SANTANA / CB
  • Vilmar Souza teve a doença duas vezes. Da segunda, pensou que não escaparia vivo
    Vilmar Souza teve a doença duas vezes. Da segunda, pensou que não escaparia vivo Pedro Santana/CB/D.A Press
  • Uma fêmea do mosquito Aedes albopictus cheia de sangue se alimentando de um hospedeiro humano
    Uma fêmea do mosquito Aedes albopictus cheia de sangue se alimentando de um hospedeiro humano Divulgação/CDC

Choque cultural

Ahmad Kalash, 35, mora em Brasília há seis anos, após vir da Síria. Ele trabalha como secretário-executivo na embaixada de seu país. O imigrante destacou que desconhecia a dengue antes de sua chegada, o que o deixou despreparado. "Para quem é de fora, precisa ser explicado com mais clareza. A conscientização tem que ser maior para evitar que outras pessoas passem pelo que eu passei", afirmou.

Morador da Candangolândia, relatou: "Fiquei, em 2024, uma semana extremamente mal, sem conseguir nem levantar a cabeça e com dores no corpo. Não tem cura para isso, só descanso, hidratação e aguentar até passar. É uma doença muito complicada", contou.

Ahmad acredita que o governo poderia fazer mais para conscientizar as pessoas sobre a gravidade da doença. "A divulgação é bem básica, mas acho que é insuficiente. Precisa de mais investimento para mostrar que a dengue não é uma simples gripe; é algo sério que pode matar", alertou.

Prevenção

A cozinheira Antônia Oliveira, 47, destacou a importância da conscientização da população no combate à doença. A moradora da Asa Norte contraiu a enfermidade no ano passado e descreveu a experiência como extremamente debilitante. "Os sintomas da dengue são muito ruins. Tive dores intensas no corpo, nas articulações e nos olhos", relatou.

Apesar de considerar que seus vizinhos têm um cuidado significativo com a prevenção, ela sugeriu medidas adicionais, como visitas mais frequentes da vigilância sanitária às residências e maior alcance das campanhas de conscientização. "A vigilância precisa estar mais presente. A divulgação não deve ser apenas local, mas se estender o máximo possível. Não é brincadeira", enfatizou. 

Em nota, a Secretaria de Saúde informou que está reforçando os esforços para conter o avanço da doença. Entre eles estão visitas domiciliares para eliminação de focos do mosquito Aedes aegypti, manejo ambiental, aplicação de larvicidas e uso de armadilhas, que monitoram a infestação, e remoção de mais de 1,3 milhão de ovos do vetor em 2024.

Além das estratégias tradicionais, a SES-DF implementou Estações Disseminadoras de Larvicida e Borrifação Residual Intradomiciliar em áreas de maior risco. Para ampliar a capacidade de combate, foram nomeados 400 novos agentes de vigilância ambiental e 400 agentes comunitários de saúde, que se somam a outras equipes, realizando uma média de 5 mil visitas domiciliares diárias.

A vacinação também é uma ferramenta importante no enfrentamento da dengue, porém, enfrenta baixa adesão: apenas 41% das crianças e adolescentes tomaram a dose primeira  e 16%, a segunda. A Secretaria possui mais de 20 mil doses em estoque, mas não há previsão de ampliação da faixa etária, seguindo diretrizes do Ministério da Saúde.

A SES-DF reitera que o sucesso das ações depende diretamente da colaboração da população, tanto na eliminação de criadouros quanto na comunicação de focos do mosquito pelo número 162. A pasta também disponibiliza dados atualizados no Painel InfoSaúde Dengue, acessível on-line.

 Cuidados:

  • Vedar reservatórios e caixas de água
  • Desobstruir e limpar calhas e lajes
  • Usar telas nas janelas e repelentes em áreas de reconhecida transmissão
  • Remover recipientes nos domicílios que possam se transformar em criadouros de mosquitos
  • Terrenos baldios não devem conter lixo e pneus abandonados
  • Piscinas não usadas devem estar sempre cobertas
  • Pratos de suporte de plantas devem conter areia
  • Lixeiras e ralos devem estar sempre bem tampados

Palavra de especialista

A hora de prevenir é agora

 Por André Bon, infectologista do Exame Medicina Diagnóstica, da rede Dasa

Em 2024, o Distrito Federal passou por uma das maiores epidemias de dengue da história, assim como todo o Brasil. Neste momento, o boletim epidemiológico mostra que o número de casos está dentro do que é esperado para o período, sem um grande aumento. Com o retorno das chuvas, é possível que o número de casos de dengue volte a aumentar. A gente ainda não sabe se ocorrerá uma epidemia como a do último ano. As grandes epidemias de dengue tendem a acontecer em ciclos, separados por dois a cinco anos. Mas um grande regime de chuvas associado ao não controle do vetor pode sim levar a um grande número de casos. Este é o momento de fazer o controle dos vetores e as medidas de prevenção. 

A principal forma de prevenção da dengue é o combate ao mosquito. Evitar água parada dentro e ao redor das casas é fundamental para evitar a proliferação do Aedes Aegypti que, em grandes quantidades, vai facilitar o aumento do número de casos. Outras medidas de proteção individual também são fundamentais. A vacinação contra a dengue, dentro da faixa etária indicada, é muito importante para evitar as formas clínicas de dengue, especialmente as formas graves, que levam à hospitalização e podem levar ao óbito.

A utilização de repelentes nas áreas expostas do corpo é importante, mas é preciso que o produto seja de DEET (concentração entre 20% e 50%) ou icaridina (acima de 20%). Lembrando que repelentes caseiros não funcionam e, dependendo da situação, podem até atrair mais mosquitos. Utilizar, dentro das possibilidades, telas nas janelas e ar-condicionado ligado no máximo para reduzir a temperatura e a atividade do mosquito também são medidas possíveis de prevenção.  

*Estagiário sob supervisão de Manuel Martínez

 

Mila Ferreira
Carlos Silva
Henrique Sucena
postado em 03/01/2025 06:01
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