MOBILIDADE

Especialistas defendem a ampliação do metrô no Distrito Federal

Especialistas desenham uma capital contornada por trilhos. Para eles, a expansão do metrô e a implementação de trens modificariam a realidade da capital, atendendo às cerca de 3 milhões de pessoas que habitarão o DF em 2042, segundo o IBGE

Especialistas analisam o transporte sobre trilhos como a melhor alternativa para um futuro promissor no âmbito da mobilidade -  (crédito: Fotos: Pedro Santana/CB)
Especialistas analisam o transporte sobre trilhos como a melhor alternativa para um futuro promissor no âmbito da mobilidade - (crédito: Fotos: Pedro Santana/CB)

Projetada para abrigar 500 mil habitantes, Brasília se expandiu e tornou-se a terceira maior cidade do Brasil. Com o desenvolvimento do Plano Piloto, cresceram também as Regiões Administrativas (RAs). Atualmente, a população da capital federal é estimada em 2,9 milhões pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Com quase 2,1 milhões de automóveis em circulação, registrados pelo Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF), a proporção de veículos na capital é de sete carros para cada 10 habitantes, tornando as demandas de mobilidade cada vez mais complexas.

Os gargalos no trânsito e os obstáculos para acessar o transporte público são reclamações constantes dos moradores. Como forma de imaginar a "Brasília perfeita para o futuro", o Correio consultou especialistas em mobilidade e trânsito para traçar como seria o cenário de uma capital federal com mais 20 linhas de metrô e uma linha de trem. 

Especialista em trânsito, Wellington Matos avalia que o sistema metroviário disponível hoje na capital federal não é suficiente. Na visão dele, a linha, com 42,38km de extensão, a frota, de 32 composições (carro principal e mais três vagões), e as 27 estações, para atender a média atual de 160 mil usuários/dia, demonstram deficiência significativa.

"Da população brasiliense atual, cerca de 72,2% têm entre 15 e 64 anos, que é a média de idade das pessoas que mais usam e usariam, se expandido, o sistema metroviário. Ou seja, percebemos um deficit grande ao fazermos contas simples", apontou. 

Matos desenhou o panorama que seria formado caso o sistema metroviário do DF avançasse de uma linha com 42,38 km de extensão para 20 linhas, com as mesmas dimensões. Segundo ele, haveria estrutura suficiente para atender em torno de 3 milhões de pessoas diariamente — número semelhante ao da população projetada, pelo IBGE, para o DF, em 2042 (3,1 milhões), conforme destacou o especialista. Dessa forma, seria possível, na análise dele, retirar todos os veículos das ruas, reduzindo drasticamente a poluição e facilitando a mobilidade na capital. 

"É claro que, por não atendermos todos os horários possíveis com os metrôs e trens, sempre teríamos veículos transitando pelas cidades. Porém, esperamos que eles sejam elétricos ou voadores, o que já é uma realidade", projetou, destacando que os trilhos são o caminho do futuro. 

Matos lembrou que Hong Kong, na China, é um dos locais onde mais investe-se em tecnologia de ponta nas malhas ferroviárias, o que torna o transporte público eficiente por lá. Ele apontou que o sistema utilizado, o MTR (Mass Transit Railway), é ultrarrápido e desloca-se por todas as áreas urbanizadas da cidade e seu entorno. Para ele, é preciso que não apenas Brasília, mas que os gestores do país entendam o transporte sobre trilhos como um dos modais mais seguros e rápidos do mundo. 

  • Vírginia se mudou para Águas Claras por causa do metrô
    Vírginia se mudou para Águas Claras por causa do metrô Fotos: Pedro Santana/CB
  •  Gláucia mora no Guará e usa o carro praticamente todos os dias
    Gláucia mora no Guará e usa o carro praticamente todos os dias Fotos: Pedro Santana/CB
  • Especialistas analisam o transporte sobre trilhos como a melhor alternativa para um futuro promissor no âmbito da mobilidade
    Especialistas analisam o transporte sobre trilhos como a melhor alternativa para um futuro promissor no âmbito da mobilidade Fotos: Pedro Santana/CB
  • Atualmente, cerca de 160 mil passageiros são transportados diariamente pelo Metrô-DF
    Atualmente, cerca de 160 mil passageiros são transportados diariamente pelo Metrô-DF PEDRO SANTANA / CB


Avanços múltiplos

Para que o futuro imaginado seja consolidado, porém, há um longo caminho a ser percorrido. Doutora em transportes e pós-doutora em políticas públicas, uso e ocupação do solo, Zuleide Feitosa, professora da Universidade de Brasília (UnB), adiantou que é preciso haver um estudo profundo do cenário. "A disponibilidade da rede viária em relação ao metrô depende, necessariamente, do estudo sobre demanda. Quanto maior a demanda, mais viável será ter uma rede de interligação das Regiões Administrativas em relação ao Entorno e ao centro de Brasília, por meio do sistema metroviário", ressaltou. 

Além do estudo da viabilidade técnica, a especialista indicou a pesquisa sobre a viabilidade econômica como outra etapa essencial. Ela listou que isso envolve a identificação e a descrição do projeto, o levantamento de custos, a projeção de receitas, a análise de mercado, a avaliação de riscos, a projeção de fluxo de caixa e, por fim, a análise de retorno sobre investimento (ROI).

Com os resultados dos relatórios e o entendimento das melhores direções para estabelecer as linhas, as consequências da expansão seriam excelentes, de acordo com Feitosa. "Acredito nas linhas de metrô como essenciais, num futuro próximo, para dar continuidade à integração das Regiões Administrativas. Hoje, temos um problema grave em relação à integração das RAs ao Plano Piloto, que é o fato de termos fronteiras estabelecidas entre o DF, Minas Gerais e Goiás. Deveria existir uma política de negociações entre esses limites para saber como essas unidades seriam beneficiadas e se realmente facilitaria a política de incorporação", sugeriu. 

"(Com a expansão) os usuários teriam apenas benefícios. Hoje, há uma deficiência grande em relação ao transporte semi-urbano, que é precário. As pessoas sofrem para chegar a seus compromissos e nós sabemos que uma cidade somente evolui quando o trânsito evolui; uma cidade só cresce quando disponibiliza meios para que os usuários possam viajar e estar com conforto. Além do benefício aos usuários, haveria a multiplicação de alternativas para o acesso a cultura, serviços, diversão e trabalho", disse. 

A especialista em trânsito destacou que o uso de automóveis também seria desestimulado, pelo risco de acidentes e pelo custo de manutenção. "O custo do automóvel equivale a um terço da receita média brasileira. Não é barato do ponto de vista da aquisição e da manutenção, além dos custos colaterais com acidentes. Teríamos muito benefícios fazendo a integração das diferentes Regiões Administrativas com o Plano Piloto e vice-versa", refletiu. 

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Cenário ideal 

A enfermeira Gláucia Ribeiro Lopes, 26 anos, é moradora do Guará e serve como prova de que a existência de mais linhas de metrô contribuiria para que os veículos fossem deixados de lado. Ela costuma retirar seu automóvel da garagem todos os dias, justamente porque nas regiões aonde vai, cotidianamente, não há sistema de metrô. 

"Os ônibus não são uma opção, porque acho que ainda deixam a desejar. Se o sistema fosse melhorado, e as linhas de metrô aumentadas, haveria menos carros na rua, o trânsito seria mais rápido e melhoraria tudo", declarou. A enfermeira evita sair de carro pela questão do trânsito lento e pela falta de estacionamentos. Contudo, a depender do destino, sobretudo quando localizado no lado Norte, utilizar o metrô torna-se inviável.

Um fator importante na vida da estudante de psicologia Virginia Maria Beltrão, 24 anos, é o metrô. Ela mudou-se há cerca de um mês para Águas Claras, exclusivamente por causa do transporte. De segunda a sexta, a jovem vai e volta do trabalho de metrô. Veio de Goiânia para Sobradinho para estudar, mas não adaptou-se à Região Administrativa por ter enfrentado dificuldades com o transporte dali.   

"Penso que o metrô facilita a vida. Meu namorado mora em Ceilândia e, por não ter essa opção de Sobradinho para lá, eu passava muito tempo no ônibus. Escolhi Águas Claras justamente pela facilidade de locomoção", confessou. Ela contou que tem Carteira Nacional de Habilitação (CNH), mas ainda não tem carro e, no cenário atual, no qual reside em uma região que oferece estações do sistema metroviário, não pensa em adquirir um automóvel. 

Entorno 

Na semana passada, o Ministério dos Transportes deu início às tratativas sobre os estudos preliminares para viabilizar uma linha férrea de passageiros entre Luziânia (GO) e Brasília. Com cerca de 62km, a iniciativa visa atender às demandas de mobilidade da região, promovendo maior integração entre a capital federal e o Entorno.

A pasta informou que está dialogando com diversos atores envolvidos para identificar necessidades e alinhar expectativas. Nesse contexto, a Infra S.A. está conduzindo o Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA), com entrega prevista para o início de 2025.

Sobre as expansões em curso, o Metrô-DF assinou o contrato para a expansão da linha 1 no trecho de Samambaia e estão sendo realizados os projetos executivos. As obras devem começar no início de 2025, com um custo estimado de R$ 440 milhões. A expansão do trecho de Ceilândia aguarda a autorização do Tribunal de Contas do DF (TCDF) para a republicação do edital licitatório, visando a contratação de empresa responsável pelas obras necessárias.

A expansão para Ceilândia será de 2,3 km. No percurso, serão construídas duas novas estações, cruzando Ceilândia até próximo à BR-070, na saída para Águas Lindas. As estações ficarão entre as QNO 5 e 13, e entre as QNO 7 e 15. Projeta-se o acréscimo de 12 mil passageiros/dia com a expansão. Serão construídas ainda duas subestações retificadoras de energia.

 

Metrô e trem unidos no futuro da mobilidade de Brasília

O futuro da mobilidade de Brasília, com uma perspectiva para 2050,passa necessariamente pelo investimento em metrô, VLT e trem, como alternativas de transporte público para uma cidade segura, saudável e sustentável. A expansão e modernização desses sistemas com novas tecnologias como os Sistemas de Transporte Inteligente (ITS –Intelligent Transport Systems) podem garantir uma mobilidade mais fluida e eficiente, como opções de serviço ao atual modelo rodoviarista. A expansão das linhas de metrô e trem conectarão e integrarão a cidade a todas suas áreas de influência, diminuindo a sobrecarga nas vias principais, melhorando a fluidez do trânsito. A expansão além de incentivar o desenvolvimento de áreas que, de outra forma, poderiam ser isoladas ou mal conectadas, gera também uma valorização imobiliária nas áreas circundantes das estações. Conforme vivenciado no caso de Aguas Claras e outras regiões, a expansão de sistemas metroviários promove uma maior arrecadação de impostos e novos investimentos no setor imobiliário e comercial, gerando benefícios econômicos. Apegada de carbono é outro benefício importante, pois o metrô, VLTe o trem são mais sustentáveis, especialmente se forem alimentados por fontes de energia renováveis, do que os carros e ônibus movidos a combustíveis fósseis. Esse modelo integrado de transporte público por metrô, VLT e trem, já foi previsto no Plano de Desenvolvimento do Transporte Público sobre Trilhos - PDTT de 2018, do Metrô-DF. O plano apresenta uma rede integrada de transporte sustentável, gerando uma transição mais eficiente entre diferentes formas de transporte, como ônibus, bicicletas e até veículos autônomos no futuro. Num contexto digital, pela sua função estruturante e de transporte de massa, o sistema metroferroviário de Brasília também possibilitará a integração de plataformas de Mobilidade como Serviço (MaaS – Mobility as a Service) presente em diversos países, facilitando a vida dos usuários, gerando inclusão social, integração multimodal e sistemas de pagamento unificado para diversos tipos de serviços. Embora o investimento inicial para a construção e expansão de sistemas de metrô e trem seja significativo, ao longo prazo, o custo operacional desses sistemas é geralmente mais baixo do que o de outros modos de transporte, como o transporte rodoviário. Assim, no olhar de longo prazo com ações de médio e curto prazo é necessário um planejamento estratégico integrado com a participação de diversos atores, a fim de criar um ambiente favorável para a viabilidade econômica, aceitabilidade publica e uma gestão política pautada nas novas gerações. Se bem planejado o investimento em metrô, VLT e trem poderá ser o pilar de uma cidade mais inteligente, acessível e integrada, atendendo às necessidades da população.

 

Prof. Pastor Willy Gonzales Taco

Coordenador do Observatório da Mobilidade Segura, Saudável e Sustentável -Mob3S

Universidade de Brasília.

Letícia Guedes
postado em 13/01/2025 06:00
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