Quem atua lendo para cegos fica marcado para sempre na memória daqueles que os ouvem, atentos ao conhecimento e à mensagem passada. No Distrito Federal, locais que trabalham com o ensino e a integração de deficientes visuais recebem, além de seus alunos, pessoas dispostas a emprestar um par de olhos para ler um livro, uma apostila de vestibular ou de concurso público e, assim, quem sabe, ajudar a transformar o futuro de quem não enxerga.
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"Um desenhava na minha mão para me explicar, outro trazia corda e barbante para que eu aprendesse as forças da física. Eles estudavam para me ensinar da melhor forma, coisas que nem eram da área deles", conta a professora da rede pública Viviane Queiroz, 28 anos. Hoje, em sua terceira graduação, lembra-se de cada voluntário que a ajudou a estudar para o vestibular da Universidade de Brasília no Centro de Ensino Especial de Deficientes Visuais (CEEDV), na 612 Sul. "Não eram professores, mas tinham tanta vontade de que eu aprendesse, que superavam os magistrados. Um era piloto de avião aposentado, outra era médica. A gente lembra das vozes, dos cheiros", completa.
Viviane conta que o centro recebe alunos a partir de três meses e não tem limite de idade. Lá, as crianças são apresentadas bem cedo ao braille, mas, quando adultos, o aprendizado é bem mais complicado. "A sensibilidade nos dedos é algo mais fácil quando treinado desde pequeno. Muitas pessoas mais velhas aqui, que perderam a visão já crescidos, não conseguem aprender", explica.
Mesmo sabendo o sistema de leitura e escrita, as dificuldades não param. De acordo com estimativas da União Mundial de Cegos, de 1% a 5% dos livros produzidos no mundo são adaptados para pessoas com deficiência visual. Assim, os ledores atuam "emprestando os olhos", ao ler matérias de concurso, textos de escola e livros de literatura.
"Quando comecei a fazer o voluntariado, pensava que era como ir à academia. Algo que a gente faz porque tem que fazer, pois é necessário ajudar o outro", conta a servidora pública Andrea Teixeira, de 52 anos. Ela, que frequentava esporadicamente o CEEDV, foi chamada para ler toda semana para Vivi — como Viviane é carinhosamente chamada. A partir daí, a voluntária envolveu-se mais com o projeto. "Quando entrei na sala e sentei-me, ela (Vivi) disse 'vamos nos conhecer?'. Ficamos horas conversando, rindo, saí de lá com a alma renovada", relembra.
Andrea conheceu o centro após começar a perder a visão de um dos olhos em 2021. O problema de catarata, resolvido com uma simples cirurgia, rendeu a ela uma grande amizade, que já dura três anos. "Pode até parecer um paradoxo, mas a Vivi é uma pessoa iluminada". A experiência mudou a opinião da servidora sobre o voluntariado. "Você esquece que se propôs a fazer pelo outro e, na verdade, está fazendo por você. Me faz bem vir aqui".
Dorina Nowill
Em 2008, quando ficou pronto o livro Revelando autores em braille, escrito por mais de 80 pessoas cegas junto a escritores voluntários, os autores não podiam ler a própria obra, porque não enxergavam. Quem deu voz ao exemplar foi a professora aposentada Mary Paiva, de 78 anos, que gravou cada página. Voluntária na Biblioteca Dorina Nowill há mais de uma década, Mary acompanhou pessoas crescerem, formarem-se e seguirem seus caminhos. "Na época, eu fazia uma roda grande de cegos. Me alegrava tanto. Eu fazia ginástica com eles, ficava pensando em como adaptar brincadeiras. Eles riam, se divertiam", lembra.
Longe do Plano Piloto, o espaço hoje é considerado um ponto cultural, com teatro, feiras e outras manifestações artísticas. "Insisti, no início, para ser criada em Taguatinga, para abranger mais as cidades satélites. Naquele tempo, as pessoas com deficiência não tinham prioridade nos ônibus, então imagina um cego em pé carregando vários livros pesados", conta uma das fundadoras do espaço, Noeme Rocha, de 64 anos, que perdeu a visão devido a um acidente de carro em 1995.
Reunindo mais vidas que seus dois mil livros em braille, o projeto construiu a história de centenas de pessoas cegas e também "videntes", como são chamados os que enxergam. A funcionária Leona Fontes, dedicada ao projeto há 20 anos, considera o trabalho no espaço uma experiência terapêutica em sua vida. "As atividades e o convívio que a gente têm com eles, com quem frequenta aqui, é muito estreito, faz disso aqui uma casa".
Quer ser um voluntário?
Centro de Ensino Especial
de Deficientes Visuais
Endereço: SGAS II
Quadra 612 Sul - Asa Sul
Contato: (61) 3901-7607
Biblioteca
Dorina Nowill
Endereço: St. B Norte
CNB 1 - Taguatinga
Contato: (61) 3464-7056