GRUPOS

Clubes de leitura em Brasília estimulam relações humanas

Clubes de leitura em Brasília abrem o universo dos livros para diferentes públicos e estimulam a troca de experiências transformando relações humanas e visão de mundo

A leitura no país enfrenta desafios significativos. A 6ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, divulgada em novembro de 2024 pelo Instituto Pró-Livro, revela que 53% dos brasileiros não leram nenhum livro nos três meses anteriores ao levantamento, indicando uma redução de 6,7 milhões de leitores em quatro anos. Apesar desse cenário, iniciativas como clubes de leitura têm desempenhado um papel fundamental na promoção do hábito de ler, atendendo tanto os que estão acostumados quanto os que buscam incentivo para começar.

Os clubes de leitura têm se consolidado como espaços de intercâmbio cultural e de socialização, aproximando pessoas de todas as idades e perfis. Seja em grupos organizados por instituições, como bibliotecas e universidades, ou em reuniões informais entre amigos, incentivam o prazer da leitura, diversificando os gêneros literários consumidos.

Dados recentes da Biblioteca Nacional demonstram o potencial desse movimento. Em 2024, mais de 16 mil livros foram emprestados aos usuários, volume superior aos 13.917 registros do ano anterior. A frequência na biblioteca também reflete esse crescimento: 147.495 visitas ocorreram até o momento, com a expectativa de ultrapassar 150 mil até o fim do ano. Entre os gêneros mais procurados, estão a literatura, com 8.653 retiradas, seguida por jogos, histórias em quadrinhos (HQs) e mangás.

A psicóloga clínica e neuropsicóloga Juliana Gebrim explica que a leitura em grupo é uma prática que beneficia a saúde mental e o desenvolvimento emocional. "A leitura compartilhada em grupos cria um ambiente acolhedor e de troca, onde os participantes podem expressar suas emoções e reflexões sobre as histórias lidas, e se sentem ouvidas. Quando lemos em grupo, não estamos apenas imersos na história, mas também conectados uns aos outros por meio do livro", detalha Juliana.

Segundo ela, essa conexão gera um sentimento de pertencimento e acolhimento, essenciais para quem enfrenta momentos de isolamento emocional. "Os livros também oferecem uma espécie de 'pausa' mental, permitindo que as pessoas se desliguem de suas preocupações e mergulhem em outros universos, o que alivia o estresse e melhora o bem-estar", complementa a especialista.

 

Reprodução -
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Minervino Júnior/CB/D.A.Press -
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Letras e culturas 

Em Brasília, o Clube do Livro Entrelaçando Letras e Culturas, uma iniciativa do Instituto Brasileiro de Integração Humana e Cultural (IBIHC) em parceria com a Universidade de Brasília (UnB) e diversas embaixadas, tem se destacado. Coordenado por professores do Departamento de Letras Estrangeiras e Tradução da UnB, o clube se concentrou, em 2024, na literatura hispano-americana, explorando obras de autores como Horácio Quiroga, Jorge Luis Borges, Pablo Neruda e Laura Esquivel, além de apresentar escritoras inéditas no Brasil, como Carmen Lira (da Costa Rica) e Claribel Alegria (da Nicarágua). 

Os encontros, realizados na Biblioteca Nacional, combinam apresentações sobre o contexto social e biografias dos autores, seguidas de debates que buscam conectar as experiências dos participantes com as narrativas. Gustavo Cordeiro, um dos coordenadores do Entrelaçando Letras e Culturas, explica que o objetivo é mais amplo do que a leitura. "A ideia era apresentar não só um livro, mas um momento cultural, aproximando o Brasil da cultura dos países vizinhos", afirma. Para ele, que tem origem na periferia de São Paulo, a leitura foi transformadora. "A literatura foi muito importante para moldar a minha percepção de mundo. Tudo o que nós vemos na realidade. E foi uma forma de retribuir para a comunidade o que eu mesmo recebi", agradece. Em 2024, o foco será a literatura caribenha, com obras em espanhol, inglês, francês e holandês.

Maria Luisa Miranda, de 15 anos, faz parte do Entrelaçando Letras e Culturas e, para ela, a experiência de compartilhar a leitura é muito diferente de fazer isso sozinha. "Ler é algo que eu aprecio muito. Durante os encontros nós não temos contato apenas com livros de outros países e sim com sua cultura, política e história, o que é muito enriquecedor", disse. O conto O jardim dos caminhos que se bifurcam, do argentino Jorge Luis Borges (1889-1986) foi o que mais despertou o interesse da moradora do Itapoã, porque proporcionou conhecimento sobre a cultura da Costa Rica.

Olhares diversos

A Biblioteca Nacional também promove seu próprio clube de leitura, desde 2019, por iniciativa dos bibliotecários. Rodrigo Mendes, um dos coordenadores do grupo, destaca que a seleção das publicações considera sugestões dos membros, datas comemorativas e a diversidade de gêneros literários. "Em novembro, por exemplo, o clube discutiu a graphic novel Maus, alinhando-se às atividades do espaço geek que temos na biblioteca, destinado às HQs", diz. Fora atrair novos públicos para a biblioteca, o espaço permite que leitores saiam da zona de conforto, explorando obras de diferentes estilos e autores.

A bibliotecária Andréia Martinele reforça que o clube também promove a circulação do acervo e amplia o acesso à literatura. "O encontro faz as pessoas conhecerem obras que nunca leriam. E essa parte da troca é muito legal, observar uma obra por vários olhares diferentes", avalia. A dinâmica do local é simples: basta ler o livro do mês e comparecer ao encontro, que ocorre na última quarta-feira do mês. 

A moradora de Sobradinho Luísa Pires, 25, participa do clube da Biblioteca Nacional e de um grupo virtual há três anos. "A minha parte favorita nos encontros é a possibilidade de enxergar novas versões da mesma leitura, que se torna mais aconchegante, por haver com quem compartilhar. Ainda conseguimos formar vínculos com outras pessoas", contou. Ela acrescentou que a obra que mais a marcou foi A Vegetariana, da escritora sul-coreana Han Kang (Nobel de Literatura em 2024), de ficção contemporânea, pois não teria lido se não fosse pelo grupo.

Entre amigos 

Grupos menores também cresceram. Ana Carolina Moura Mariano e Maria Eduarda Lima, ambas de 23 anos, participam de um clube informal criado entre amigos, que surgiu em junho deste ano. São 22 integrantes, mas nem todos conseguem ir assiduamente aos encontros, que ocorrem no último fim de semana do mês, em cafés e restaurantes de Brasília. Atualmente, apenas os leitores que comparecem à última reunião mensal podem recomendar a próxima leitura e participar da votação. 

"Compartilhar as experiências de leitura com uma comunidade torna o ato individual mais especial", ressalta Ana Carolina. Os livros escolhidos são propostos por temáticas diferentes ou que seguem alguma data comemorativa, como o Halloween, em outubro. 

Maria Eduarda destaca que projetos de leitura podem começar de forma simples, convidando amigos para ler e discutir obras de interesses em comum. O importante é tentar manter a regularidade e aproveitar a experiência coletiva. "Até se for só você e mais alguém. Para mim, qualquer projeto de leitura compartilhada já é um clube", opina.

*Estagiária sob a supervisão
de Malcia Afonso

 


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