Entrevista

Cannabis: possibilidades de uso da planta serão estudadas pela Embrapa

Ao Podcast do Correio, Daniela Bittencourt, pesquisadora da Embrapa e secretária executiva do Comitê de Assessoramento de Pesquisa em Cannabis destacou que a planta pode ser utilizada em outras áreas, como as de cosméticos, indústria têxtil e construção civil

Em novembro, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) autorizou o cultivo da cannabis medicinal pela indústria brasileira. A ação representa um grande avanço para a pesquisa sobre a planta no Brasil, de acordo com a pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e secretária executiva do Comitê Permanente de Assessoramento de Pesquisa em Cannabis, Daniela Bittencourt.

Em entrevista aos jornalistas Adriana Bernardes e Ronayre Nunes no Podcast do Correio, Daniela destacou que a cannabis pode ser utilizada para além da medicina, como na indústria cosmética, na construção civil e na indústria têxtil. A especialista apontou que existe um amplo mercado a ser explorado com a cannabis — e que o país tem chance de ser o líder mundial na produção da planta e de seus produtos. "Eu tenho perspectiva que o Brasil tem uma oportunidade de ser líder mundial em termos de produção devido a nossas também tendências agrárias. Nós somos o país do agro, vamos dizer assim. Temos essa cultura, temos o know-how, temos a terra e temos bons produtores", defendeu.

Segundo ela, a Embrapa apresentou à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) três projetos para estudo da cannabis. A especialista acredita que as pesquisas poderão contribuir para amadurecer o mercado, que ainda enfrenta questões morais e preconceito. 

Fala-se muito do uso medicinal da cannabis. Mas há pesquisas apontando para outras áreas. A indústria têxtil já usa, por exemplo. Quais são as outras?

Construção civil, alimentos, cosméticos — principalmente produtos para a pele, o óleo é muito bom. No exterior, é possível encontrar muitos cremes para pele, produtos relacionados à hidratação, feitos de óleo do cânhamo. Na construção civil, utiliza-se a fibra na produção de blocos. Inclusive, isso é muito interessante, porque ela não deixa ficar muito quente, é mais difícil haver combustão, então, ela tem propriedades que podem vir a ser uma forma de se trabalhar na construção civil econologicamente correta, uma forma mais sustentável, de menor impacto ao meio ambiente. A indústria têxtil utiliza.

Esse estudo é pioneiro na Embrapa. O que vocês esperam após a decisão do STJ de liberar o plantio da cannabis para a indústria medicinal?

Estamos muito ansiosos para poder começar. Apresentamos nossos três primeiros projetos estruturantes à Anvisa, para dar início aos trabalhos do nosso programa de pesquisa com a cannabis, e eu imagino que essa regulamentação vai ter um impacto muito grande. Nossa ideia no desenvolvimento dessas pesquisas é auxiliar a definição de políticas públicas. Com respaldo técnico, podemos mostrar para a população que temos a capacidade de produzir essa planta no país, de desenvolver um sistema de produção de forma segura, seja para fins medicinais ou para o produtor, em busca de uma nova cultura na sua terra. 

Vocês fizeram um estudo sobre o potencial da cannabis no mercado. O que ele mostrou? 

Existe uma demanda muito grande, principalmente em alguns países, como os Estados Unidos, por exemplo. Lá, praticamente quase todos os estados, de certa forma, autorizam. Fala-se sobre essa questão de uma maneira mais ampla. No Canadá, a mesma coisa. Na Europa também: na França, no Reino Unido, na Alemanha, que mudou a regulamentação recentemente. É um mercado que tem um potencial muito grande de aplicação; um mercado que está crescendo, amadurecendo, vamos dizer assim, porque eu acho que ele ainda não chegou no seu ápice. Isso por questões ideológicas, preconceito, morais, desconhecimento dos benefícios que a cannabis pode trazer. Eu acho que nós, no Brasil, temos que ficar atentos também. A questão não é só o produto. São os mercados, criar a cadeia produtiva, dar oportunidade de gerar empresas que atuem no ramo, que façam, desenvolvam produtos a partir da cannabis e que atendam a uma demanda mundial.

Já existe um mercado incipiente de cannabis no Brasil? 

Com certeza, medicinal. Existem muitos estados autorizando o fornecimento do CBD via SUS (Sistema Único de Saúde), e todo esse medicamento hoje é fornecido, é importado. Assim, chega muito caro para a população, de uma maneira geral, acaba que fica limitado. Com essa regulamentação, muitas portas serão abertas. Poderemos plantar, fazer estudos inclusive ampliados para todos os estados no Brasil. 

Como você acredita que o mercado de cannabis irá evoluir no país?

Isso tudo vai depender de como as coisas vão caminhar, caminharem, não é? Em 20 anos, por exemplo. Ainda temos muito a caminhar. Vai depender da conscientização da população. Se temos uma população que está aberta a consumir produtos provenientes da planta, gerando demanda no mercado, ele poderá crescer e se desenvolver. Não estamos falando do uso recreativo, mas, sim, de roupas, medicamentos, produtos de beleza, material de construção. Eu tenho perspectiva que o Brasil tem uma oportunidade de ser líder mundial em termos de produção devido a nossas tendências agrárias. Nós somos o país do agro. Temos essa cultura, temos o know-how, a terra, bons produtores. Temos a Embrapa, que também apoia toda essa parte de produção de alimentos no país. Não sei se a gente mensura isso, mas eu acho que o impacto, com certeza, será muito positivo.

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