O empreendedorismo do Distrito Federal ganhou um reforço na profissionalização da gastronomia local: o projeto Gastronomia Periférica, que forma cozinheiras e cozinheiros para um mercado de trabalho cada vez mais exigente. Com foco no preparo de pratos da culinária local, bem-apresentados e saborosos, o restaurante-escola foi instalado no Setor O, em Ceilândia, oferecendo formação gratuita, de nove meses, a quem quer aprender a cozinhar para trabalhar e empreender no setor, transformando a própria realidade.
A Gastronomia Periférica — empresa social fundada em São Paulo, em 2016, pelo chef Edson Leite, 41 anos, e pela psicóloga Adélia Rodrigues, 38, pode ser a porta de entrada de moradores da periferia interessados em aprender conceitos fundamentais em uma cozinha profissional.
O curso tem como foco pessoas em situação de vulnerabilidade social, como desempregados, mulheres vítimas de violência doméstica, pessoas negras, pardas, indígenas e transexuais. "Quem está mais vulnerável, na verdade é quem a gente vai escolher primeiro para trazer essa transformação", explica Adélia.
Para a realização de cada curso, a Gastronomia Periférica busca investidores no mercado. Em São Paulo, conta com 28 importantes parceiros, como Restaurante Refúgio, Buffet Soul Food, Rede Acoor de Hoteis, Marlia Zimbstain, Caraccola, El Panedero e Unilver Food Solution.
Neste ano, o projeto estendeu sua atuação para o Distrito Federal, fixando em Ceilândia — cidade administrativa com 287.023 habitantes, de acordo com o censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A cidade é também a 20ª colocada no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do DF, com a renda per capta de R$ 1.728, contrastando com os R$ 10.979 dos moradores do Lago Sul.
Presidente do Sindicato Patronal de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares (Sindhobar), Jael Antônio da Silva é parceiro do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac-DF) para capacitar mão de obra dos empreendimentos de seus associados. Ele diz que existe grande demanda para a abertura de mais cursos de profissionalização no DF, que conta com cerca de 10 mil empresas atuando no ramo de bares e restaurantes.
Segundo o representante do setor, diariamente, os associados o procuram para reclamar da falta de profissionais capacitados para atuar em diversas áreas, como garçom, auxiliar de cozinha, bartender, gerente de alimentos, de bebidas e de salão. "É muito bem-vindo (o Gastronomia Periférica). O DF precisa muito! Mas, é preciso ter cuidado com os critérios do curso, ter bons professores e ser abrangente", ressalta.
Conexão
A materialização da primeira parceria da Gastronomia Periférica em terras candangas ocorreu em 8 de agosto desde ano, quando o Sindicato dos Bancários do DF inaugurou em suas dependências, na 314/315 Sul, o restaurante Via Satélite, cujo nome remete à conexão que as cidades satélites (antiga denominação das regiões administrativas do DF) têm com Brasília..
Presidente do sindicato, Eduardo Araújo recorda que a ideia surgiu durante uma viagem a São Paulo, onde conheceu o restaurante Da Quebrada, montado pelo chef Edson Leite e pela psicóloga Adélia Rodrigues. Localizado na Vila Mariana, região conhecida pelos bares e restaurantes descolados e pela boa gastronomia, o lugar despertou no sindicalista a vontade de trazer a ideia para a capital do país. "Achei interessante e queria criar algo parecido, mas respeitando as características de Brasília", diz.
Com consultoria da Gastronomia Periférica, a equipe do restaurante foi treinada na primeira turma do projeto em Brasília e o cardápio montado com produtos de todos os biomas brasileiros: Amazônia, Mata Atlântica, Pantanal, Caatinga, Pampas e Cerrado. Fornecedores: priorizam os pequenos produtores rurais.
Para atender ao público em geral e ao pessoal que frequenta o sindicato e seu teatro, o Via Satélite conta com 14 funcionários, dos quais 12 são estagiários da Gastronomia Periférica. O espaço funciona de segunda a sexta, com pratos de café da manhã e da tarde por até R$ 25 e de almoço até R$ 50.
Aulas
Inicialmente, o curso é ministrado a distância, sem remuneração, quando os alunos aprendem questões teóricas, que são colocadas em prática, depois, com o auxílio dos professores da escola. Nas aulas, são passados conceitos de precificação, reaproveitamento dos materiais e ingredientes, técnicas culinárias e de empratamento. A etapa final é o estágio remunerado, com duração de quatro meses. Após esse período, os estudantes recebem certificado e estão aptos a trabalhar e empreender.
O curso é dividido por praças com as etapas do empreendimento, quente, fria, montagem do prato, limpeza, atendimento, até o caixa. Os alunos fazem um rodízio nas atividades para que todos aprendam sobre o empreendimento como um todo.
A cozinheira Priscila Xavier, de 41 anos, é ex-aluna do curso. Moradora do Sol Nascente e mãe de três filhos, ela decidiu inscrever-se após receber a divulgação em um grupo de WhatsApp. "Não adianta você só saber cozinhar, você tem que ter técnica dentro de uma cozinha. Eu cozinhava desde os 12 anos, mas nunca me interessei por cursos. Esse aqui foi um divisor de águas", conta. Agora, o sonho de Priscila é cursar uma faculdade de gastronomia e poder empreender, cada vez mais, com sua comida. "O curso me trouxe uma pontinha de luz, porque, até então, eu estava desanimada para tudo. Não vou parar mais."