SAÚDE

O risco para a saúde do uso de anabolizantes sem controle e adulterados

No Brasil, esses produtos são regulamentados e a venda exige prescrição médica. Quando comercializados indevidamente, podem causar danos irreversíveis ao corpo, que é exposto a níveis hormonais acima do normal

Foi nas redes sociais que Sérgio (nome fictício), 27 anos, começou a acompanhar influenciadores fitness conhecidos por propagarem a ideia de que, para ganhar músculos e atingir o 'shape' desejado, é preciso fazer sacrifícios. Não apenas em relação à alimentação. "Eu era mais novo e, há tempos, tentava preencher as lacunas que não me permitiam sentir bem comigo mesmo. Eu queria ser visto", contou.

Depois de meses consumindo conteúdos sobre alimentação regrada, suplementos e treinos intensos, veio o desejo de dar um passo a mais. Sérgio aderiu ao "ciclo", termo que se refere ao uso, intercalado com pausas, de anabolizantes. "Não passei por um endrocrinologista. Acreditava que não seria necessário. Então, comprei os produtos de um colega da academia e comecei a usar. No começo, vi resultado. Depois, as coisas desandaram", revelou.

"Eu, que sempre fui tranquilo, passei a ter acessos de raiva com certa frequência. Sentia-me ansioso e impaciente. O estopim foi quando minha pressão ultrapassou os 15 por 7 e precisei correr ao pronto-socorro." Com resultados de exames bastante alterados, Sérgio foi encaminhado a um especialista que, prontamente, restringiu o uso das substâncias.

Os anabolizantes são substâncias sintéticas derivadas da testosterona, o principal hormônio sexual masculino. Inicialmente desenvolvidos para tratar condições como perda muscular grave, deficiência de testosterona e algumas formas de anemia, os medicamentos são prescritos de forma controlada para pacientes que realmente necessitam dessa terapia.

"No Brasil, os anabolizantes são regulamentados e sua venda exige prescrição médica. Apesar disso, há um mercado ilegal significativo, no qual esses produtos são vendidos sem controle, muitas vezes com adulterações e riscos ainda maiores para a saúde", destacou Rodrigo Neves, endocrinologista, pós-graduado em nutrologia.

Riscos

Os anabolizantes agem no organismo promovendo o aumento da síntese de proteínas, processo que leva ao ganho de massa muscular e de força. No entanto, o uso sem supervisão médica expõe o corpo a níveis hormonais muito acima do normal, resultando em sérios efeitos colaterais.

"Nos homens, pode causar infertilidade, atrofia dos testículos, ginecomastia (crescimento das mamas), queda de cabelo e maior risco de doenças cardiovasculares. Já nas mulheres, pode causar alterações irreversíveis, como engrossamento da voz, crescimento de pelos em locais incomuns e mudanças no ciclo menstrual", enumerou o endocrinologista.

Além disso, ambos os sexos enfrentam riscos como lesões no fígado, aumento da pressão arterial, alterações no colesterol e problemas psicológicos. Alguns efeitos, como a ginecomastia em homens ou alterações vocais em mulheres, podem ser permanentes, mesmo após a interrupção do uso. 

O maior alerta, porém, está relacionado aos problemas cardiovasculares, como hipertrofia do músculo cardíaco, arritmias e infartos, mesmo em jovens. "Essas substâncias alteram os níveis de colesterol, favorecem a formação de coágulos e aumentam a pressão arterial, criando um ambiente propício a complicações cardíacas. O uso prolongado, em doses altas ou sem acompanhamento médico, pode levar a situações fatais. Infelizmente, muitos jovens subestimam esses perigos", lamentou o profissional. 

Saúde e segurança

O educador físico Daniel Dionisio alerta que o uso indevido de anabolizantes pode, muitas vezes, reverter os resultados esperados por quem os toma. "É absolutamente possível ganhar massa muscular de forma natural, sem recorrer a essas substâncias. O processo pode ser mais lento, mas é seguro e sustentável a longo prazo. Para isso, é importante seguir um plano de treino bem estruturado, que inclua progressão de carga e variação de exercícios", orientou.

Exercícios de resistência, como levantamento de peso, são fundamentais para o ganho muscular. Também é importante priorizar uma dieta rica em proteínas, para reparação e crescimento muscular, carboidratos complexos, para obter enegia para os treinos, e gorduras saudáveis. Descanso adequado, com sono de qualidade, e hidratação completam a lista.

Recomendação

Os anabolizantes são recomendados para situações específicas avaliadas exclusivamente por médicos — endocrinologistas, urologistas e geriatras, por exemplo — com treinamento suficiente para examinar a necessidade do paciente e monitorá-lo de forma segura.

Situações que demandam a prescrição da substância incluem tratamento de hipogonadismo masculino (baixa produção de testosterona), doenças que causam perda muscular severa, como o HIV, e algumas condições que comprometem a densidade óssea, como a osteoporose.

Nos casos em que o uso de anabolizantes é indicado, é fundamental seguir as orientações médicas rigorosamente. Segundo Rodrigo Neves, isso inclui: usar apenas a quantidade prescrita; realizar exames periódicos; manter uma dieta equilibrada; e integrar exercícios físicos supervisionados por profissionais de educação física para otimizar os resultados e reduzir riscos.

Três perguntas para Cláudia Melo, psicóloga especialista em vícios

Como o uso indiscriminado de anabolizantes pode estar relacionado à busca para se encaixar em padrões de beleza? 

A falta de autoestima pode levar ao uso de anabolizantes, pois muitos veem essas substâncias como uma solução rápida para alcançar o corpo ideal, acreditando que isso lhes trará mais aceitação social e satisfação pessoal. 

Quais os impactos do uso abusivo de anabolizantes na saúde mental? 

De forma indiscriminada, pode aumentar episódios de raiva e impulsividade, além de ocasionar mudanças químicas no cérebro, que potencializam transtornos como depressão e ansiedade, em especial após a interrupção do uso. O usuário pode se tornar emocionalmente dependente da substância para manter a aparência desejada, provocando distúrbios de imagem corporal, como a dismorfia muscular. Nesse transtorno, há uma preocupação excessiva com o tamanho do corpo e o desenvolvimento dos músculos. Por fim, o uso da substância pode gerar problemas sociais e emocionais, prejudicando relacionamentos, por exemplo, devido à instabilidade emocional e ao foco excessivo na aparência. 

Qual o papel de personalidades públicas e influenciadores digitais na desmistificação desses padrões de beleza? 

Compartilhar rotinas de exercícios e alimentação que valorizem o bem-estar acima da estética, incentivar o autoconhecimento e desmistificar a ideia do corpo perfeito, mostrando que isso é, muitas vezes, fruto de edição ou ângulos favoráveis são algumas sugestões a influenciadores que abordam assuntos relacionados ao tema. 

 

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