Pouco a pouco o balé de mãos molda o barro e dele brotam vasos, casinhas e pratos de cerâmica. A arte milenar produzida no Instituto Maria do Barro representa mais do que a perpetuação do saber fazer cerâmica. Ali, criam-se oportunidades de conhecimento e de renda para a comunidade carente de Planaltina, distante cerca de 60 km do Plano Piloto.
Este mês, uma reviravolta trouxe euforia e encheu de orgulho as 15 artesãs que trabalham no instituto. A cantora Anitta escolheu peças da Coleção Barrolândia, produzidas por eles para decorar sua mansão. Os tijolinhos, escolhidos pela carioca, representam as casas de favelas brasileiras.
As artesãs custaram a acreditar. "Ficou todo mundo muito alegre, comemorando, todo mundo colocou no WhatsApp", celebra a presidente do instituto, Idalete Silva, a Dadá do Barro. "As peças escolhidas por ela são inspiradas nas casas que a Maria do Barro fazia por todo o Distrito Federal para dar moradia digna para as pessoas carentes", explica a artesã.
Quem falou para Idalete sobre Anitta foi o arquiteto Gabriel Fernandes, que trabalha em parceria com o instituto (leia entrevista abaixo). "Ele ligou logo de manhã para contar que a Anitta estava querendo marcar a instituição e colocar um texto sobre o nosso trabalho. Foi uma loucura! Arquitetos de todo o Brasil ligando, pessoas chamando a gente pelas redes sociais. Tínhamos pouquinhos seguidores e agora tem um monte", comemora Idalina.
Encantado com o trabalho manual das artesãs, Gabriel assinou a coleção Barrolândia, exposta na Casa Bonita Decor SP. "A cantora Anitta recebeu hoje a obra de sua casa no Itanhangá, zona oeste do Rio de Janeiro, conhecida por ter sido cenário da novela Em Família. A casa passou por uma grande reforma, e ficamos muito felizes em ver a nossa coleção Barrolândia, assinada por Gabriel Fernandes, fazendo parte da decoração do projeto do renomado escritório carioca Studio Ro Ca", escreveu a Casa Bonita no Instagram.
Resistência
De 2011 a 2019, nenhuma peça de cerâmica foi produzida no instituto. Faltava a matéria-prima e, o forno, doado em 2010 pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), não estava funcionando. A história começou a mudar em maio de 2019, quando a ONG Paranoarte consertou o equipamento e reformou um galpão, dando condições para a retomada dos trabalhos.
Ainda assim, a situação continuou crítica. "Não conseguia pagar as contas, nem tinha dinheiro para comprar o barro. Dependíamos de doações", detalha Idalina. Em meados de 2022, a história do instituto deu uma nova guinada, quando o arquiteto Gabriel Fernandes propôs uma parceria. Ele desenhava a coleção, e as mulheres desenvolviam os produtos. Por dois anos consecutivos, toda essa produção foi exposta em eventos da Casa Cor, em São Paulo. "Também fechamos um contrato de exclusividade com a Casa Bonita. Só eles podem vender nosso material. Isso mudou tudo", comemora a artesã.
Com as obras de cerâmica conquistando cada vez mais clientes no Brasil e até no exterior, a renda aumentou e o instituto começou a caminhar com as próprias pernas. Agora paga as contas e consegue remunerar melhor as artesãs. Algumas delas chegam a tirar R$ 2 mil mensais, algo impensável um tempo atrás.
Outra conquista importante foi a regulamentação, por meio de decreto, da Horta Comunitária ou Favelinha 1 da Maria do Barro, em Planaltina. Com ela, o instituto deixou de sofrer ameaças de desocupação. A região abriga cerca de 250 famílias em situação de vulnerabilidade social.
Parceria
Em entrevista exclusiva ao Correio, o arquiteto Gabriel Fernandes narrou desde o período em que teve o primeiro contato com o instituto até a elaboração digna de emoção no CasaCor São Paulo 2024. A primeira vez em que o criador esteve na capital foi em 2022. Brasília foi um dos pontos de parada para a elaboração de um documentário que retrata as diferentes formas de morar no país. "Eu tinha uma equipe de pesquisa, que selecionava os destinos e quais comunidades visitaremos. Eles, sabendo do meu apreço por barro, cerâmica, identificaram o instituto. Era o segundo mês pós-pandemia. Então, as artesãs estavam supermexidas, passando por dificuldades de produção, vendas e aluguel", descreve.
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Gabriel ficou logo encantado com o trabalho do grupo e relembra da primeira peça do instituto adquirida por ele: um jacafone (jacaré com furos na barriga), feita por uma criança. A obra de arte logo virou um press-kit distribuído à imprensa. "Foi uma forma de movimentar um trabalho que precisava. Lembro que compramos muitos e eles colocaram a mão na massa", relembra o arquiteto. Ali, foi a primeira mostra ao mundo de um trabalho humilde e avassalador.
Em maio deste ano, Gabriel, novamente, mostrou ao mundo o resultado de um trabalho árduo, com planejamento e emoção, feito pelos artesãos do instituto do DF. Pensando em criar um ambiente que remetesse à vida na roça, onde o profissional passou boa parte da infância com a avó, ele montou um espaço que proporcionasse uma viagem no tempo, com tradições da cultura brasileira. No total, 1,2 mil tijolos desenhados pelos artesãos do DF estamparam a estante do ambiente. "Pensei que poderia usar esse momento para divulgar a Barrolândia (nome dado à exposição). Pedi que elas (artesãs) desenhassem em cada tijolo uma casa e coloquei essas peças de barras nos nichos. Aquilo causou um grande impacto no público. Cada arte tinha uma emoção diferente, com desenhos distintos e que tocavam os visitantes", recorda.
A escolha de cada casa ficou a critério dos artesãos. A ideia era que eles projetassem o que poderia ser uma casa. O resultado foi emocionante. "O que mais me frustra é saber que precisei sair de outro estado para encontrar o trabalho do instituto. Uma arte que está debaixo dos olhos dos brasilienses", ressalta.
As obras de arte que deram vida à mansão da cantora Anitta partiram de uma conversa entre Gabriel e um dos responsáveis pelo Studio Ro Ca, responsável pela decoração da casa da artista. O arquiteto apresentou e sugeriu as peças. A ideia foi acatada pela equipe de curadoria da Anitta e estampou as paredes de um dos cômodos.
Gabriel planeja novas criações com o instituto. Entre elas, uma estampa. "Graças a esse trabalho, exportamos peças para Nova York, Paris, Itália. O produto já ganhou força e está ficando escasso em decorrência de tantas demandas", observa.
Quem foi Maria do Barro
Maria Augusta Erich de Menezes, ou Maria do Barro, foi uma mulher que se dedicou às causas dos mais pobres quando Brasília ainda estava começando. Ela servia sopa aos mais necessitados e ensinava um ofício para elas e lutava por moradia digna.
Seu trabalho era tão consolidado que foi convidada pelo então governador Joaquim Roriz, para ser secretária de Ação Social. Idalina conta que o primeiro bairro criado por ela, o Barrolândia, fica em Planaltina de Goiás, ou Brasilinha. “Trabalhei com ela por muitos anos. Era a primeira a chegar e a última a sair. Quando ela adoeceu, foi morar no Guará, em um apartamento doado por Roriz. Depois que ela morreu, em 2006, aos 87 anos, assumi o instituto e dei continuidade ao projeto.
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Quem foi Maria do Barro
Maria Augusta Erich de Menezes, ou Maria do Barro, foi uma mulher que se dedicou às causas dos mais pobres quando Brasília ainda estava começando. Ela servia sopa aos mais necessitados e ensinava um ofício para elas e lutava por moradia digna.
Seu trabalho era tão consolidado que foi convidada pelo então governador Joaquim Roriz, para ser secretária de Ação Social. Idalina conta que o primeiro bairro criado por ela, o Barrolândia, fica em Planaltina de Goiás, ou Brasilinha. “Trabalhei com ela por muitos anos. Era a primeira a chegar e a última a sair. Quando ela adoeceu, foi morar no Guará, em um apartamento doado por Roriz. Depois que ela morreu, em 2006, aos 87 anos, assumi o instituto e dei continuidade ao projeto.