Avanços na política brasileira e preocupação com a redução do cálculo do Fundo Constitucional do Distrito Federal subsidiaram o primeiro painel do debate Entre os Eixos do DF, que discutiu sobre o recurso. Com o tema "Brasília, capital dos brasileiros", três convidados falaram sobre a história da criação do Fundo, gestão dos recursos e aprimoramento de aspectos institucionais e constitucionais. Participaram da conversa Everardo Maciel, consultor tributário, ex-secretário da Receita Federal; João Carlos Souto, diretor da Escola Superior da Advocacia-Geral da União; e Maria de Lourdes Abadia, ex-governadora do Distrito Federal.
Em sua fala, o consultor tributário e ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, lembrou da história da criação do Fundo Constitucional. "Em 1998, uma Emenda Constitucional deu previsão a fundo para financiamento das despesas de educação, de saúde e de segurança pública, ao alterar o inciso 14 do artigo 21 da Constituição Federal", explicou.
Maciel apontou que os argumentos apresentados pelo governo federal são que estão cortando gastos, visando um equilíbrio fiscal. "Acontece que o FCDF não tem nenhuma representatividade nesse equilíbrio, mas é extremamente importante para a capital do país", ressaltou. De acordo com ele, a proposta do governo federal de que o corte poderia ser compensado com o aumento da arrecadação é uma "fantasia". "A arrecadação não tem nada a ver com o corte do FCDF", cravou.
O ex-secretário da Receita Federal comentou que um possível corte no FCDF seria desastroso para a capital do país. "O impacto, evidentemente, seria nas áreas de educação, saúde e segurança pública, porém, não ficaria restrito apenas a elas. Isso porque, com o enfraquecimento nas fontes de financiamento dessas áreas, outras também serão afetadas, em um processo de contaminação", alertou.
Ele também disse que não se pode comparar o FCDF com um Fundo de Desenvolvimento Regional. "Querem dar ao Fundo Constitucional o mesmo critério de reajuste de um fundo que nem foi criado ainda. Além disso, a comparação é indevida, não tem nenhum sentido técnico", disse.
Everardo Maciel assinalou que o corte do Fundo Constitucional não resolve o problema do desequilíbrio, prejudica o Distrito Federal e não ajuda a União. Ele finalizou sua fala no debate com uma sugestão. "Caso não se resolva no Congresso, ainda é cabível, na minha visão, uma ação direta de inconstitucionalidade, por ofensa a um pacto federativo. Só que isso é outra briga, para outro momento", opinou.
"Para resolver o assunto de forma definitiva, que tal uma emenda na PEC 45/2024 estabelecendo que o critério de revisão do FCDF será exatamente a variação da Receita Corrente Líquida, constitucionalizando a matéria e evitando que, todo ano, se tenha um susto", concluiu Everardo.
Constituição
João Carlos Souto, diretor da Escola Superior da Advocacia-Geral da União (AGU), fez um comparativo político entre as capitais do Brasil e dos Estados Unidos — Washington D.C. Ele observou os avanços na política brasileira e no aprimoramento de aspectos institucionais e constitucionais, o que, para ele, coloca Brasília à frente.
O professor de direito constitucional fez uma breve análise histórica entre as duas cidades, ambas concebidas como capitais federais, em 1800 e 1960, respectivamente. No entanto, o DF saiu à frente com a Constituição de 1988, o que garantiu maior autonomia da capital.
"Nós incorporamos diversas inovações da Constituição americana, o federalismo, o legislativo bicameral e a ideia de uma Suprema Corte com função de uniformização da interpretação jurídica. Mas estamos à frente do direito americano. Washington, D.C. não tem representação no Senado ou na Câmara Federal e depende de repasses federais, que não têm previsão legal fixa", pontuou. Em seguida, ele enfatizou que, no DF, há maior independência financeira e representação direta na Câmara e no Senado.
Em razão dessa autonomia política e administrativa da capital, o pesquisador concluiu: "Precisamos preservar isso (FCDF)".
Apelo a Lula
Maria de Lourdes Abadia, que foi governadora do DF de 31 de março a 31 de dezembro de 2006, manifestou tristeza e preocupação com a proposta de mudança na gestão dos recursos do FCDF. Emocionada, falou de sua conexão com a capital e sobre as peculiaridades da cidade.
"Brasília não é apenas a sede dos Três Poderes e da maior representação diplomática do país. É também um reflexo das desigualdades sociais brasileiras", afirmou. "Não é fácil governar Brasília, e o Fundo Constitucional é essencial para lidar com essas questões", complementou.
A ex-governadora classificou a proposta como um retrocesso, chamando-a de "ideia de jerico". Para ela, trata-se de um risco para a cidade e sua população mais vulnerável. "Essa foi uma conquista difícil. Hoje, estamos cercados por um anel de violência, pobreza e miséria absoluta. Há pessoas que não têm sequer café para colocar na mesa", lamentou.
Reiterando seu compromisso com a cidade, a ex-governadora fez um apelo ao presidente. "Lula, você conhece Brasília e sabe da sua importância. Não deixe esse legado para a capital do Brasil. Brasília é única e merece tratamento diferenciado", afirmou.
Ao fim, Abadia reforçou seu empenho com a defesa dos interesses de Brasília e prometeu se engajar na luta contra a proposta do governo federal. "Vou morrer amando Brasília. Podem contar comigo para essa luta", garantiu.
*Estagiária sob supervisão de Malcia Afonso
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Darcianne Diogo
RepórterFormada em jornalismo pelo Centro Universitário Iesb, é especializada na cobertura da área de segurança pública e pós-graduada em jornalismo investigativo. Integra a equipe do Correio desde 2018