O crime de feminicídio fez mais uma vítima no Distrito Federal. Aos 37 anos, a repositora de produtos Keila Cristina Nascimento foi asfixiada e morta por um homem com quem mantinha uma relação casual havia menos de dois meses. O assassino, Izaquiel Pereira da Silva, 37, tentou tirar a própria vida após o crime, em uma passarela do Cruzeiro Novo, mas foi contido pelos bombeiros e preso pela Polícia Militar.
A piauiense morava no Pará e há sete meses veio para Brasília na tentativa de arrumar um emprego e mudar de vida. Keila começou a trabalhar em uma loja de utensílios do lar na Feira dos Importados e foi lá que conheceu Izaquiel, por meio de um amigo em comum. "Não era um relacionamento sério. A gente (família) o viu apenas uma vez e ele não levantou qualquer suspeita", contou, ao Correio, uma parente da vítima, que preferiu não se identificar.
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Mas um relacionamento conturbado e marcado por agressões físicas e psicológicas logo veio à tona. A familiar disse ao Correio que Keila trabalhou algumas vezes com vários hematomas no rosto. Sem motivo aparente, Keila teria sido sufocada pelo agressor com uma meia com álcool e desmaiado. Despertou minutos depois com vários hematomas pelo rosto. "Ela chegou ao trabalho machucada por várias vezes. Quando eu vi, peguei no braço dela e disse que iríamos para a delegacia, mas ela se negou", relatou a parente.
Segundo um ex-patrão de Keila, que também preferiu não se identificar, ela trabalhava como funcionária de serviços gerais e era conhecida por ser discreta e reservada. "Ela trabalhou normalmente no dia anterior e, em vez de voltar para Valparaíso, onde morava, ficou aqui", relatou. Ela passou a noite com o suspeito, que morava em um barraco nos fundos do galpão.
Apesar de sua postura tranquila, Keila carregava as marcas de uma relação abusiva. "Ela chegou a aparecer com um olho roxo. Havia relatos de que ele batia nela", afirmou o ex-patrão. Pessoas próximas descreveram Keila e Izaquiel como "muito reservados" e mencionaram que ela não costumava compartilhar os problemas pessoais.
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O crime
Na noite de domingo, Keila enviou uma mensagem à irmã dizendo que não dormiria em casa e que, provavelmente, passaria a noite com Izaquiel. A mulher teria ido ao galpão do SIA, onde morava o suspeito. Segundo testemunhas, houve uma briga entre o casal e Keila foi morta no local.
O autor foi encontrado em uma passarela do Cruzeiro Novo, por volta das 11h de ontem, tentando tirar a própria vida, e confessou o feminicídio aos socorristas do Corpo de Bombeiros (CBMDF), que impediram o suicídio. Após o resgate, o homem foi levado ao hospital, pois havia ingerido uma alta dose de medicação. A Polícia Militar seguiu para o galpão no SIA e encontrou a vítima morta, com sinais de asfixia.
O caso é investigado pela Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) I, na Asa Sul. Ao longo do dia de ontem, a polícia colheu os depoimentos de várias pessoas, inclusive, da irmã da vítima e de funcionárias que trabalhavam com ela. Este é o 23º caso de feminicídio registrado no DF em 2024. O enterro da vítima deve ocorrer no Piauí, onde mora a maioria dos parentes.
Saiba Mais
Feminicídio: como parar essa barbárie?
A violência cometida contra a mulher não é fenômeno recente. Ao contrário, ao longo dos séculos, decorre da desigualdade social, do desequilíbrio de direitos entre os gêneros e encontra raízes nas sociedades de estrutura patriarcal que, fundando-se no pensamento machista e misógino, formaram um sistema de dominação da mulher, de sua sujeição e sua subordinação, de forma tão reiterada que para alguns chega, infelizmente, a ganhar ares de normalidade.
Dados recentemente divulgados pela ONU indicam que 140 mulheres são vítimas de feminicídio por dia no mundo. E o Brasil continua nos primeiros lugares entre os países que mais matam mulheres.
Essa realidade não será alterada pelo aumento das penas aplicadas aos autores desse crime. A única possibilidade de evitarmos novas mortes de mulheres por serem do sexo feminino — seja em contexto de violência doméstica e familiar, seja por menosprezo ou discriminação à condição de mulher— é por meio da implementação de políticas públicas efetivas de prevenção e conscientização de igualdade entre homens e mulheres; do aumento dos serviços públicos de atendimento às mulheres em situação de violência e que sejam eficazes em auxiliar a mulher a romper o ciclo de violência; além de uma atuação firme dos sistemas de segurança e Justiça em momento anterior ao da morte das mulheres, inclusive, sem revitimizar ou culpabilizar a vítima.
O feminicídio é um crime evitável na maioria de vezes. Episódios de violência considerados por alguns como "mais brandos" não podem ser banalizados. A morte é o ápice de uma violência que, normalmente, começa com violências psicológicas, morais e patrimoniais. A interrupção desse ciclo é fundamental para que a vida das mulheres brasileiras seja preservada.
Cristina Tubino, especialista em direito da mulher e assessora no Superior Tribunal de Justiça (STJ)
Três perguntas para
Eduardo Felype Moraes, advogado especializado em violência de gênero
Como diminuir o número de feminicídios?
Precisamos dialogar, cada vez mais, sobre esse crime hediondo, pois assim não permitiremos que uma conduta criminosa seja normalizada dentro da sociedade. A informação precisa chegar a todas as pessoas. A população brasileira tem que saber sobre o conceito do crime, canais de denúncias e as formas de acolhimento (rede de apoio) para as mulheres. Todos podem realizar uma denúncia. Amigos, vizinhos, familiares. Além disso, a sociedade precisa ser reeducada sobre o papel da mulher, com o objetivo de eliminar a cultura do machismo de nosso país.
O que leva o agressor, mesmo ciente da punição, a fazer esse tipo de crime?
Em uma sociedade estruturalmente machista, o sentimento de misoginia e de propriedade do homem sobre a mulher influencia bastante para que o agressor cometa o crime de feminicídio, mesmo sabendo das implicações legais.
Quais políticas públicas podem ser adotadas?
Acredito que o Poder Púbico deve buscar cada vez mais formas de prevenção contra o crime de feminicídio. Recentemente, a Lei nº 14.994/2024 trouxe um aumento de pena para o crime de feminicídio. Diante disso, a pena foi de 12 a 30 anos para 20 a 40 anos de reclusão. Aumento da pena, palestras e treinamentos são algumas das muitas formas de coibir tal crime.
Onde pedir ajuda
- Ligue 190: Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF). Uma viatura é enviada imediatamente até o local. Serviço disponível 24h por dia, todos os dias. Ligação gratuita.
- Ligue 197: Polícia Civil do DF (PCDF)
E-mail: denuncia197@pcdf.df.gov.br
WhatsApp: (61) 98626-1197
Site: https://www.pcdf.df.gov.br/servicos/197/violencia-contra-mulher
- Ligue 180: Central de Atendimento à Mulher, canal da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres. Serviço registra e encaminha denúncias de violência contra a mulher aos órgãos competentes, além de reclamações, sugestões e elogios sobre o funcionamento dos serviços de atendimento. A denúncia pode ser feita de forma anônima, 24h por dia, todos os dias. Ligação gratuita.
- Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher (DEAM): funcionamento 24 horas por dia, todos os dias.
- DEAM 1: previne, reprime e investiga os crimes praticados contra a mulher em todo o DF, à exceção de Ceilândia.
Endereço: EQS 204/205, Asa Sul.
Telefones: 3207-6172 / 3207-6195 / 98362-5673
E-mail: deam_sa@pcdf.df.gov.br
- DEAM 2: previne, reprime e investiga crimes contra a mulher praticados em Ceilândia.
Endereço: St. M QNM 2, Ceilândia
Telefones: 3207-7391 / 3207-7408 / 3207-7438
- Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos
Whatsapp: (61) 99656-5008 - Canal 24h
- Secretaria da Mulher do DF
Subsecretaria de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres (Subev)
— Subsecretária: 3330- 3109
— Assessoria: 3330-3118/3105
Subsecretaria de Promoção das Mulheres (SUBPM)
Telefone: 3330-3116 / 3148
Casa da Mulher Brasileira
— Recepção, térreo: 3371-2897
— Acolhimento e Triagem, 1º andar: 3371-2637
— Empreende Mais Mulher, 2° andar: 3373-1120/ 98199-1146
— Coordenação da Casa da Mulher Brasileira, 3º andar: 3371-0212
- Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT)
Promotorias nas regiões administrativas do DF
https://www.mpdft.mp.br/portal/index.php/promotorias-de-justica-nas-cidades
- Núcleo de Gênero
Endereço: Eixo Monumental, Praça do Buriti, Lote 2, Sala 144, Sede do MPDFT
Telefones: 3343-6086 e 3343-9625— Defensoria Pública do DF
- Núcleo de Assistência Jurídica de Defesa da Mulher (Nudem)
Endereço: Fórum José Júlio Leal Fagundes, Setor de Múltiplas Atividades Sul, Trecho 3, Lotes 4/6, BL 4 Telefones: (061) 3103-1926 / 3103-1928 / 3103-1765
WhatsApp (61) 999359-0032
E-mail: najmulher@defensoria.df.gov.br
http://www.defensoria.df.gov.br/nucleos-de-assistencia-juridica/
Núcleos do Pró-vítima
- Ceilândia
End.: Shopping Popular de Ceilândia – Espaço na Hora
(61) 9 8314-0620 - Horário: 08:00 às 17:00
- Guará
End.: Lúcio Costa QELC Alpendre dos Jovens – Lúcio Costa
(61) 9 8314-0619 - Horário 08:00 às 17:00
- Paranoá
End.: Quadra 05, Conjunto 03, Área Especial D – Parque de Obras
(61) 9 8314-0622 - Horário: 08:00 às 17:00
- Planaltina
End.: Fórum Desembargador Lúcio Batista Arantes, 1º Andar, Salas 111/114
(61) 9 8314-0611 /3103-2405 - Horário: 12h às 19h
- Recanto das Emas
End.: Estação da Cidadania – Céu das Artes, Quadra 113, Área Especial 01
(61) 9 8314- 0613 - Horário: 8h às 17h
- Rodoferroviária
End: Estação Rodoferroviária, Ala Norte, Sala 04 – Brasília/DF
(61) 98314-0626 / 2104-4288 / 4289
- Itapõa
End.: Praça dos Direitos, Quadra 203 – Del Lago II(61) 9 8314-063208:00 às 17:00
(61) 9 8314-0632 - Horário:08:00 às 17:00
- Taguatinga
End.: Administração Regional de Taguatinga – Espaço da Mulher – Praça do Relógio
(61) 98314-0631
Site: https://www.sejus.df.gov.br/pro-vitima/
Darcianne Diogo
RepórterFormada em jornalismo pelo Centro Universitário Iesb, é especializada na cobertura da área de segurança pública e pós-graduada em jornalismo investigativo. Integra a equipe do Correio desde 2018