Os maiores prejuízos que a mudança na forma de cálculo do reajuste anual do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) poderá trazer para o DF foram detalhados pelo procurador dos Direitos do Cidadão do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), José Eduardo Sabo Paes. "As áreas de segurança, saúde e educação são mantidas essencialmente por esses recursos", destacou. "Mas não é apenas a manutenção dos salários. É investimento em equipamento, tecnologia e presença", disse, nesta segunda-feira (16/12), às jornalistas Ana Maria Campos e Mila Ferreira, durante o programa CB.Poder — parceria entre o Correio e a TV Brasília.
Qual o impacto do possível corte de parte dos recursos que são repassados do governo federal para o DF por meio do Fundo Constitucional?
Na promulgação da Constituição constou no artigo 21, inciso 14, e também no ato de disposições transitórias, que, pela relevância do DF, todos os serviços públicos, principalmente na área da segurança, deveriam ser mantidos pelo Fundo Constitucional. E, desde 2002, assim tem sido feito. Essa não é a primeira tentativa (de retirar verbas do FCDF). Na verdade, é a segunda tentativa de se procurar fazer com que esses recursos sejam menores do que aqueles destinados. A questão é que, de acordo com a lei, são recursos pela variação da receita corrente líquida. Felizmente, o Brasil vai bem, e essa receita tem aumentado em todos os governos nos últimos anos, com valores expressivos, chegando a 17%, ou até mais. No entanto, ao se fazer o cálculo pelo IPCA — Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo —, esse número vai chegar a 3,85%, aproximadamente, porque ele se baseia na inflação.
Quais serão as áreas mais impactadas?
As áreas de segurança, saúde e educação são mantidas essencialmente por esses recursos. Vamos por parte. Área de segurança: temos, historicamente, um problema de efetivo. Temos uma Polícia Militar que, há mais de 10 anos, tinha um efetivo de 16 mil homens. Agora, com os esforços deste governo Ibaneis, estamos saltando para pouco mais de 11 mil com a recente nomeação. Ainda é pouco, mas está havendo um avanço. A Polícia Civil também passa pela mesma questão, com um número reduzido, comparado há 10 anos. Mas não é apenas a manutenção dos salários. É investimento em equipamento, tecnologia e presença. Vemos aqui as notícias e os crimes que assolam o DF, como o feminicídio e tantos outros. Precisamos de condições operacionais para fazer com que esses profissionais possam trabalhar. Então, esse é um gargalo. Imagine essa situação fazendo com que, na área de segurança, nós não tenhamos esses recursos para manter os profissionais e dar seguimento.
E na área de educação?
A mesma situação. Temos cerca de 21 mil professores e um contingente de cerca de 900 escolas, sendo de nível médio, técnicas e escolas especiais, e a receita é fundamental. E veja só: com a educação, não tem sido falado, mas este ano houve a decisão do Supremo, cortando cerca de R$ 700 milhões do Salário Educação — contribuição social destinada ao financiamento de programas, projetos e ações voltados à educação básica pública. Vamos perder agora mais R$ 400 milhões no ano da educação — caso o corte do FCDF ocorra —, menos R$ 1 bilhão, somando as duas perdas. Isso é inconcebível.
A saúde perde também, não é?
O Ministério Público tem acompanhado, pelas promotorias de Saúde, a luta e o desafio que é fazer com que tenhamos as Unidades Básicas de Saúde (UBSs). São 166 UBSs com equipes de médicos da família e 176 UBSs em funcionamento. Elas são a porta de entrada dos 3,2 milhões de habitantes que estão aqui e dos 900 mil do Entorno que vão e voltam, fora da rede dos 30 e tantos municípios que vêm até o DF. Cerca de 65% da saúde depende do Fundo Constitucional.
E se ocorrer o corte?
Então, em vez de 17%, vamos ter 3,8% ou 4% por ano a mais. Como é que vamos fazer? Para que o governo continue realizando políticas públicas em defesa dos direitos fundamentais, e desses direitos — educação, saúde e segurança —, ele tem praticamente uma alternativa, que é o aumento dos impostos. Isso significa o quê? Os impostos aqui, que são do DF e dos municípios, equivalem a entre R$ 21 e R$ 25 bilhões por ano. Essa é exatamente a quantia do Fundo Constitucional que entra. Se diminuir, como é que vamos fazer? Vamos ter que aumentar ICMS — Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços, IPTU — Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana — ou ISS — Imposto Sobre Serviço. Porque os serviços continuarão sendo necessários para a população.
Ou seja, a conta vai para o cidadão?
A conta vai para o cidadão. E, é claro, acredito que, com essa ação dos nossos representantes da Câmara, governantes, todos imbuídos, a impressão que tenho é que está havendo a sensibilização do governo federal e das bancadas no sentido de dizer por que precisamos de um atendimento forte, grande e expressivo nessa área.
Alguns especialistas e autoridades acham que uma auditoria nos gastos do Fundo Constitucional, uma maior publicidade e transparência, poderia ajudar a ter essa segurança maior, tanto para a população quanto para o poder público e o governo federal, de que é um gasto realmente necessário. O senhor acha que isso poderia ser efetivo?
Concordo com a transparência e concordo com o acompanhamento de gastos. Não há dúvida nenhuma, e essa tem sido uma tônica da Procuradoria do Cidadão, criando os mapas sociais. O primeiro mapa foi justamente de orçamento, acompanhando essas políticas públicas. Acredito que, quanto mais o governo colocar de forma transparente o que é recebido e o que é gasto, e quais são os campos em que há a utilização desse recurso, isso é positivo. Agora, dúvida não tenho que a primeira razão de ser do Fundo Constitucional é a questão do custeio, é para pagar os salários, e esse impacto é muito grande. Só depois é que vai para investimento. Mas podemos pensar: e se houver essa redução? Se houver essa redução, vamos precisar de mais investimento do próprio Governo do Distrito Federal (GDF), a chamada Fonte 100, que é dos impostos que eu falei, ICMS, ISS.
O senhor está no quarto mandato como procurador Distrital dos Direitos do Cidadão. Gostaria que o senhor fizesse um balanço do que foi feito nesse período de seis anos e qual será o foco daqui em diante?
É um desafio integrar pessoas e instituições, e tenho procurado fazer isso desde o primeiro momento. O primeiro ciclo foi muito difícil, porque foi durante a pandemia (da covid-19). As estruturas e as pessoas mudaram. Os governos tiveram que alterar a forma de atuação em todos os campos. Isso nos permitiu, com esse desafio, fazer com que tivéssemos um conjunto de colegas, uma verdadeira força-tarefa, nos aproximando não só do Executivo, principalmente do Executivo, mas do Judiciário, para dizer assim: agora temos que agir diferente. Temos que ouvir especialistas, sair em campo e procurar as melhores soluções, e ficar alerta e atento para o que está sendo feito no mundo. Por essa razão, apoiamos e colaboramos para a tomada de muitas iniciativas, buscando fazer com que os resultados fossem os melhores em termos de saúde em todos os momentos.
Lembro que o senhor foi aos hospitais, naquele período em que as pessoas tinham pavor de sair de casa, defendendo medidas. Deve ter sido muito difícil, não é?
Isso foi muito difícil para mim e minha família. Esse foi um desafio que tive que enfrentar, inclusive, sem vacinação. Só fui tomar na minha idade. E isso me deu força para um segundo ciclo. Onde conseguimos nos fazer, digamos, conhecidos ou talvez até respeitados. Construímos parcerias com os colegas e com os governos. Além disso, começamos a identificar quais são as questões que merecem atenção. Por exemplo, políticas públicas: criamos mapas sociais, trabalhamos com inteligência para poder identificar quais eram os problemas que vimos na área de saúde, educação e assistência. O que temos que perceber? Que há muito a ser feito. O governo foi, efetivamente, muito parceiro. Ele deu muita atenção a diversos invisíveis na área de assistência social. O que tem melhorado, não obstante o atraso da própria pandemia, mas a situação melhorou muito, no sentido de que, hoje, trabalhamos inclusive com a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) do Supremo Tribunal Federal (STF), no sentido de voltar a integrar todas as áreas. Mas isso não fizemos só aqui. Começamos a perceber que haveria necessidade de acompanhar grandes eventos. Grandes eventos que são cidades que são montadas e desmontadas em um ou dois dias, pois reúnem 50, 60 mil pessoas. Fizemos esses eventos porque isso traz recursos, a economia se movimenta, e tudo agora precisa ser com segurança.
E como foi o terceiro ciclo?
Tivemos que olhar para a cidade entendendo que ela tem um período chuvoso e um seco. Investimos muita ação no sentido de trazer todos os responsáveis pela drenagem à cidade. As pessoas podem ver tudo que está sendo feito na Asa Sul e Norte, foram R$ 450 milhões. No mês passado, me reuni com todos, na Asa Sul e Norte: é missão cumprida. E as outras cidades? Sol Nascente, Ceilândia e outras. Até porque temos um período de chuva e seca. Então, estou adiantando: esse é um novo desafio. Tenho que fazer com que tenhamos a percepção de que há necessidade de facilitar a vida do cidadão e dos usuários. Eles querem uma cidade em que possam se locomover melhor e serem respeitados como pedestres, e que possam ser atendidos, hoje, por meios digitais de forma mais rápida.
Entre as grandes obras fiscalizadas pela Procuradoria, está o Teatro Nacional, que terá a Sala Martins Pena reinaugurada nesta quarta-feira (18/12). Quais são os desafios para a conclusão do restante da obra?
Vou dizer que essa obra é um ícone para nós, brasilienses, ou que desde pequenos estamos aqui. O Teatro Nacional tem duas grandes salas: a Martins Pena, com 480 lugares; e a Villa Lobos, com cerca de 1.200. As obras efetivamente se iniciaram há dois anos, com recursos possíveis, hoje na ordem de R$ 70 milhões, para estruturar todo o teatro, sistema de água, de ar-condicionado, sistemas elétricos, e para preparar a primeira sala para receber o espetáculo, a Sala Martins Pena. Por que isso foi possível? Não foi exatamente por causa do Ministério Público; nós só fomentamos a integração deles, a Secretaria de Cultura do DF (Secec), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap) e com a empresa. Fizemos essa integração e eu fiz isso indo lá pelo menos de dois em dois meses ou falando com eles direto para que fossem feitos todos os acertos para que tenhamos, agora, a primeira sala e o primeiro contrato para a outra sala. Ou seja, vitória para todos. Temos um espaço com essa qualidade e parabéns aos órgãos que se dispuseram a fazer isso e ao GDF, que colocou os recursos indispensáveis para a realização dessa obra.
Veja a entrevista
*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira
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