A proposta do governo federal de alterar o cálculo de reajuste do Fundo Constitucional (FCDF) pode afetar, além dos 2,8 milhões de habitantes da capital, outros 1,4 milhão de pessoas que vivem nas 11 cidades da Região Metropolitana do DF. Isso porque, de acordo com dados da Pesquisa Metropolitana por Amostras de Domicílios (PMAD) — levantamento preparado pelo Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF) — 36% dessa população realiza deslocamentos pendulares para o DF, contribuindo para a economia e, ao mesmo tempo, utilizando serviços públicos.
A secretária do Entorno do DF (SEDF-GO), Caroline Fleury, do governo de Goiás, ressalta a integração das regiões. "Brasília depende do Fundo Constitucional para manter saúde, segurança e educação e, para o Entorno, isso é fundamental, pois quanto melhor a capital federal estiver, melhor ficamos também", avalia. Caroline Fleury comenta que, quando o Entorno "não está bem", as pessoas migram e buscam os serviços na capital federal e vice-versa.
"Por isso, o que a gente precisa é pensar, enquanto região integrada, no desenvolvimento de ambas áreas (Entorno e DF), uma relação de parceria, para que as duas estejam bem. Não dá para isso ocorrer se o FCDF sofrer cortes", avalia. Nesse sentido, a titular da pasta citou que: "Nossa (área de) saúde é sistema único, ou seja, Brasília pode acabar atendendo a nossa população, por uma questão geográfica".
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De acordo com a Secretaria de Saúde (SES-DF), de janeiro a setembro de 2024, a rede pública atendeu 36.333 pacientes da Região Integrada de Desenvolvimento do DF (Ride-DF) em internações hospitalares. Na parte ambulatorial, o cenário é igualmente expressivo, segundo a pasta. No mesmo período, foram realizados 78.455 procedimentos ambulatoriais de alta complexidade para pacientes da Ride.
Preocupações
A doméstica Maria Lúcia Batista, 48 anos, mora no Valparaíso. Ela teme que a alteração na forma de cálculo do reajuste anual do Fundo traga situações indesejadas a sua vida. "Ouvi dizer que pode afetar o serviço de saúde. Seria muito ruim, pois, sempre que preciso, venho até Santa Maria, em busca de tratamento", revela.
"(Com menos investimento) a demora para ser atendida pode aumentar e, para nós — habitantes do Entorno — que moramos longe, isso é muito ruim", reforça a doméstica. Outro ponto citado por Maria Lúcia é a segurança. "Se os investimentos nessa área diminuírem, vai ficar muito perigoso. Alguns dias eu volto para casa tarde, umas 19h, e a segurança só vai diminuindo", considera.
Quem também está muito preocupado é Edvanildo Alves, 27, residente em Santo Antônio do Descoberto, mas que trabalha como auxiliar de serviços gerais no Distrito Federal. "Preciso de muitos serviços do DF, como saúde e segurança. No caso do último, se piorar, vou sentir na pele, pois estou por aqui todos os dias e vou passar a correr mais riscos", avalia.
Além disso, o plano de colocar a filha bebê em uma escola do DF está em risco, na avaliação de Alves. "No momento, ela — Geovana Alves — tem um ano de idade, mas tenho medo de que, no futuro, não encontrarei vaga para ela estudar aqui, o que pode complicar a minha rotina. Onde moro, teria que conseguir alguém para levá-la até a escola. Se conseguisse matriculá-la, aqui (no DF), eu mesmo poderia levar", explica.
Durante cinco dias da semana, Regina dos Santos, 49, sai da Cidade Ocidental e vem até o DF para trabalhar. Para ela, a saúde, segurança e educação na capital federal são melhores que no Entorno. A possibilidade de corte nessas áreas faz com que ela considere que haverá precariedade nesses setores. "Sinto-me segura aqui, por exemplo. Vejo policiais por todos os cantos e, se o investimento nessa área cair, a frequência com que vamos vê-los será menor, com toda certeza", ressalta.
Regina também chama a atenção para a saúde. "Não sei se vão continuar atendendo a quem não é de Brasília, caso os investimentos sejam reduzidos. (Os gestores públicos do DF) podem não dar prioridade para nós, moradores do Entorno. Já imaginou sair da Cidade Ocidental e não conseguir me tratar por aqui? Não é algo que uma pessoa doente gostaria de ouvir", adverte.
Importância
Mestre em políticas públicas pela Fundação Getulio Vargas, Bruno Paixão ressalta que o FCDF é uma peça estrutural das políticas públicas no Distrito Federal e um ponto de sustentação para as cidades do entorno. "Sua relevância ultrapassa as fronteiras, impactando, diretamente, a vida das pessoas que vivem na região metropolitana do Entorno e dependem de serviços essenciais como saúde, educação, segurança e assistência social", comenta.
Segundo o especialista, qualquer alteração na metodologia de cálculo do FCDF pode colocar em risco a continuidade dessas políticas públicas, impactando negativamente tanto os moradores do DF quanto os do Entorno. "A redução de recursos comprometeria áreas que demandam investimentos adicionais, como saúde e educação, agravando os desafios existentes", observa.
Paixão argumenta que preservar a integridade do fundo não é apenas uma medida administrativa, mas uma necessidade estratégica para garantir a estabilidade e a expansão dos serviços essenciais para uma população de mais de 1,2 milhão de habitantes, apenas no Entorno.
"Antes de qualquer mudança, é fundamental uma análise aprofundada e criteriosa, que leve em consideração o impacto nas vidas de milhões de pessoas que dependem da infraestrutura e dos serviços financiados por esses recursos", aponta. "O futuro das políticas públicas essenciais no DF e no Entorno depende diretamente da manutenção do Fundo Constitucional", acrescenta.
*Estagiário sob a supervisão de Manuel Martínez
Saiba Mais
População
Distrito Federal 2.817.381
Região
Metropolitana do DF 1.244.633
Total 4.062.014
Fonte: IBGE
Problemas possíveis
A Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) divulgou nota em defesa do Fundo Constitucional (FCDF). No texto, distribuído pela seccional do Distrito Federal e Entorno, a organização repudia a proposta do governo federal para alterar a base de cálculo do repasse ao DF. Entre os principais pontos, a CTB alerta para os seguintes impactos negativos:
- Saúde: O corte afetaria o sistema de saúde, que enfrenta problemas estruturais. De acordo com a entidade, atualmente, 50% da população depende, exclusivamente, do Sistema Único de Saúde (SUS), com filas de espera para cirurgias eletivas ultrapassando 100 mil pessoas;
- Educação: A rede pública de ensino, que atende 450 mil estudantes, depende do FCDF para manter salários de professores, infraestrutura escolar e programas essenciais como merenda e transporte escolar;
- Segurança pública: Cerca de 80% dos salários dos integrantes da Polícia Militar, Polícia Civil e Corpo de Bombeiros são financiados pelo FCDF. A redução dos recursos aumentaria o déficit de efetivos e a falta de investimentos em equipamentos;
- Economia e mercado de trabalho: O corte afetaria setores como comércio, serviços e infraestrutura, que dependem do orçamento público e correspondem a 70% dos empregos locais. Isso resultaria em demissões, redução de salários e aumento da pobreza.