Por quanto tempo você esperaria ver a justiça sendo feita em um caso de homicídio? Meses? Anos? Para familiares de vítimas, um dia pode parecer uma eternidade. Mas, por trás de cada julgamento, há um processo complexo, que inclui um trabalho minucioso de investigação, ação penal, direito à defesa e fixação da pena.
Um estudo inédito do Ministério Público do DF (MPDFT) e obtido com exclusividade pelo Correio lança luz ao funcionamento e à compreensão de como o sistema de Justiça criminal lida com os crimes contra a vida. Na primeira edição, foram analisados 421 inquéritos de homicídios consumados em 2018. O levantamento revela que a capital está à frente do restante do país: o tempo mediano entre a solução do crime e o julgamento é de 742,5 dias (menos de dois anos), enquanto, no Brasil, a média ultrapassa seis anos (veja números).
Processo criminal
Muito além dos números, é fundamental compreender o desenrolar de um processo. Quando ocorre um assassinato, a Polícia Civil do DF inicia a investigação para identificar a autoria e esclarecer as circunstâncias do crime. As provas são analisadas por um promotor do Ministério Público, que decide entre apresentar a denúncia ou arquivar o caso. O processo penal só se inicia de fato quando há a formalização da acusação, e cabe ao juiz avaliar.
Em 2018, as 34 delegacias circunscricionais do DF e a Coordenação e Repressão a Homicídios (CHPP) instauraram 421 inquéritos de homicídios consumados. Naquele ano, 435 pessoas foram assassinadas na capital. Nos quatro anos seguintes, notou-se uma redução nos índices: 2019 (390 mortes), 2020 (337), 2021 (286) e 2022 (241). Esse decréscimo nos números acompanha o percentual de inquéritos resolvidos, que mantém uma taxa entre 62% e 70% de casos solucionados.
A mediana do tempo entre o crime e a denúncia oferecida pelo Ministério Público é de 110 dias, o que significa que, em metade dos casos, essa etapa demora menos de pouco mais de três meses, considerado célere na avaliação do promotor Raoni Parreira Maciel, do Núcleo do Tribunal do Júri e de Defesa da Vida, um dos colaboradores do estudo. "A maneira como o DF se organizou contribui para esse número positivo. Não adianta a polícia investigar e o Judiciário não fazer o seu papel. Da mesma forma, se a polícia não conseguir elucidar o crime, não há como o Judiciário atuar bem", enfatiza.
Em casos de crimes dolosos contra a vida, ocorre a fase da pronúncia, que sucede a denúncia. É nessa etapa que o juiz decide se há indícios suficientes para que o réu seja julgado pelo Tribunal do Júri, concretizando, assim, o processo de julgamento. Segundo o relatório do MP, em 2018, a mediana de tempo entre a denúncia e a pronúncia foi de 247 dias (oito meses). Após a pronúncia, o tempo até a sessão plenária foi de 280 dias. Essa é a etapa mais longa, pois pode implicar na interposição de recursos por parte do réu, como o habeas corpus.
Ainda em 2018, o caso que levou mais tempo para ser julgado teve 1.858 dias (cinco anos), enquanto o mais rápido foi resolvido em 161 dias (aproximadamente cinco meses). Os dados levantam dúvidas sobre os fatores que podem influenciar na duração de cada processo. O promotor Raoni explica. "Com base na lei, se o réu está preso, o processo tem preferência. Além disso, há casos com um grande número de testemunhas, o que requer vários dias de audiência. Também devemos considerar a interposição de recursos, que leva, em média, três meses para ser julgada."
Perda
"A justiça da Terra funciona e, agora, minha filha vai descansar em paz." As palavras são de uma mãe que perdeu a filha de 22 anos de forma covarde. Na noite de 6 de janeiro de 2018, a maranhense Ane Mickaelly Monteiro Mendonça foi brutalmente assassinada a facadas pelo pai da jovem com quem ela mantinha um relacionamento, na quadra 519 de Samambaia.
O Correio teve acesso à denúncia do MPDFT oferecida em 9 de agosto do mesmo ano. O documento revela que o acusado do crime, identificado como José Roberto Brito Moreira, não aceitava o namoro entre Ane e a filha dele. No dia do crime, Ane foi até a frente do comércio de José soltar fogos de artifício. No estabelecimento, estavam a namorada de Ane, a sogra e o cunhado.
Uma testemunha relatou no processo que soltava fogos de artifício com Ane, quando José Roberto se aproximou e, em posse de um facão, partiu para cima da jovem e a golpeou. Ferida, Ane correu em direção a um matagal, foi perseguida e novamente esfaqueada e morta. Ao Correio, a mãe de Ane, a funcionária pública Luzinete Monteiro, 50 anos, relembra do dia em que recebeu a notícia da morte da filha. "Eu fiquei sem chão e até hoje estou. Foi arrancado de mim a metade do meu coração. Eu sei que tenho outros dois filhos, mas perder a minha menina da forma cruel que foi, me dói, me machuca", desabafa.
A mãe refutou as versões do acusado, José Roberto, que afirmou ter agido em legítima defesa ao esfaquear a vítima, alegando que ela teria colocado a mão na cintura, sugerindo que estava armada. Luzinete afirmou que a filha nunca agrediu ninguém. "Ela não deveria ter ido até o comércio, mas não era motivo para tamanha crueldade. José foi condenado em regime fechado a 14 anos de prisão e permanece no Complexo Penitenciária da Papuda. Entre a data do crime e a sentença passaram-se pouco menos de um ano e dois meses. "
"A etapa do processo é um momento em que a família fica em um estado de suspensão, no aguardo de uma resposta. No caso da testemunha, quando mais demorado, mais difícil de se encontrar e colher informações. E beneficia o acusado, pois tem o direito de saber o resultado do julgamento", conclui o promotor Raoni Maciel.
Palavra de especialista
"Para compreender o porquê de os processos que tratam de crimes dessa natureza tramitarem, ordinariamente, em maior prazo que os demais, é importante compreender, em linhas gerais, que o seu rito é dividido em duas grandes fases judiciais: (I) a instrução, de caráter preliminar, e (II) o julgamento plenário, pelos populares. Isso sem tratar de toda a investigação promovida pela Polícia e pelo Ministério Público - os quais, diga-se de passagem, no DF, atuam de maneira eficiente e assertiva.
Na primeira fase, o juiz avalia se há indícios suficientes de autoria e materialidade capazes de autorizar o julgamento popular. Nessa primeira fase, após o recebimento da denúncia e a produção/apresentação das provas, o magistrado pode, ainda individualmente, pronunciar o réu, impronunciá-lo, absolvê-lo sumariamente ou desclassificar o crime para outro de competência diversa.
Sobre a duração do processo: nessa fase inicial já podem ser impetrados sucessivos habeas corpus e manejados variados recursos, como, por exemplo, a apelação e os embargos, que são apreciados pelo Tribunal de Justiça Estadual. Os dados da pesquisa permitem inferir que a existência dessa multiplicidade de recursos, que podem ser interpostos antes mesmo da sentença do Júri Popular, congestiona o processo.
Veja que a matéria pode, eventualmente, ser levada ainda a instâncias superiores, como STF e STJ, o que irá naturalmente, impactar na duração do processo, uma vez que esses Tribunais Superiores tem rito próprio e milhares de processos a julgar. Aqui cabe uma observação importante: a pluralidade de recursos não é um voluntarismo dos Tribunais, está em conformidade com a norma - a legislação brasileira assim o permite. Depois de apreciados os possíveis recursos, o rito continua. Com a decisão de pronúncia, o caso segue para a fase em que o acusado será julgado por um Conselho de Sentença, formado por sete Jurados.
Durante a sessão de julgamento, Ministério Público e defesa apresentam suas teses e reiteram provas - tudo para convencer os Jurados. Após os debates, os Jurados votam os quesitos formulados pelo Juiz-Presidente, definindo a culpa ou a inocência do réu. Dessa sentença cabem novos recursos, como apelação, embargos e ainda recursos de natureza extraordinária. Isso é uma simplificação, para fins eminentemente didáticos, do quanto ocorre no Tribunal do Júri que leva, em razão de todos esses argumentos, mais tempo para condenar os culpados, absolver os inocentes, e/ou deixar de aplicar pena aos que preencherem os requisitos legais", Rafael Seixas Santos, doutor e mestre em Direito, professor, assessor e consultor jurídico.