LITERATURA

Crônica da Cidade: História recontada

O encontro com essa origem pouco falada é doce, e vem com o amargor do longo período de apagamento

 05/12/2024. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Coluna nossos Mestres. Professor André Lucio Bento em frente das árvores da espécie Baobá. -  (crédito:  Minervino Júnior/CB)
05/12/2024. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Coluna nossos Mestres. Professor André Lucio Bento em frente das árvores da espécie Baobá. - (crédito: Minervino Júnior/CB)

Era uma vez uma história marcada por um modelo clássico: o do narrador onipresente e onisciente. Mas, ao que parece, ele não sabia tanto assim, ou resumiu demais o enredo, o que acabou por confundir seus leitores. É essa a sensação que toma conta dos meus dias a cada nova descoberta ou conversa sobre questões históricas ligadas à origem do Brasil.

No último mês, foi tempo de revisitar, em especial, um pedacinho da história afro-brasileira por meio de um livro infantil. Tive a oportunidade de entrevistar o autor, o professor André Lúcio Bento, sobre sua trajetória na educação e ele gentilmente me presenteou com a obra, uma das muitas que escreveu, mas a primeira dedicada exclusivamente às crianças.

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Estudioso dos baobás — árvore de origem africana, que foi trazida ao Brasil direto do outro continente por negros escravizados — ele usa na obra outros dois frutos típicos da África para contar uma história que trata das misturas (necessárias) da vida e, portanto, de diversidade. Tâmara e Tamarindo nascem de universos aparentemente opostos. Ela de um doce mundo de doçuras e ele, de um planeta de gostos azedos, amargos e salgados.

Ela tem vestido de renda de caramelo com babados de massa folhada de gabiroba madurinha. Colar, brincos e anéis de cajazinho e tamancos de bolo de fubá com goiabada. A mesma colher de pau do tacho de doce que a criou, no entanto, cansa-se dos movimentos uniformes e repetitivos e o mundo de doçuras de repente fica chato e com sabor de solidão.

É então que a colher de pau começa a fazer movimentos erráticos e imprevisíveis e dá à luz um novo mundo. "Foram surgindo agora lagoinhas de vinagre com peixes de jurubeba, praias de azeite com estrelas-do-mar de carambola e tubarões de berinjela com enormes dentes de alho; ilhas de couve-flor, vulcõezinhos de chuchu lançando molho de pimenta e cinzas de açafrão perto das nuvens de claras em neve", conta-nos o narrador.

Sob uma lua de melancia que recheia o céu de estrelas de flor de sal surge Tamarindo, com uma calça de casca de limão-galego, uma camisa de linho de acerola verde estampada com flor-de-vinagreira, sapatos de seriguela e cabelo de arroz de cuxá.

O encontro com essa origem pouco falada é doce, e vem com o amargor do longo período de apagamento. Mas como é bom ouvir esse era uma vez. Obrigada, Tâmara e Tamarindo.

Mariana Niederauer
postado em 11/12/2024 18:01 / atualizado em 11/12/2024 18:11
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