Professoras, estudantes e técnicas administrativas da Universidade de Brasília (UnB) realizaram, nesta sexta-feira (6/12), uma marcha contra casos de assédio sofridos por mulheres que integram a comunidade acadêmica. Participantes da manifestação, organizada pelo Instituto de Ciências Biológicas, disseram que o protesto também seria contra Jaime Santana, ex-diretor dessa faculdade, que teria tentado beijar duas docentes, em 2023, sem consentimento delas, fato apurado em uma investigação da instituição. A mobilização cobrou da reitoria punições mais severas para o docente que, como penalidade, teve suas atividades acadêmicas suspensas por 15 dias.
O Correio conversou com uma das duas mulheres que acusou Santana, e que lecionava no Departamento de Biologia Celular. Para ela, que pediu anonimato, a reitoria aplicou uma pena de "forma política". "Ele não é uma pessoa qualquer", contou a educadora, ressaltando que o ex gestor tem bastante influência na UnB.
Por outro lado, ao ser perguntado à docente por que ela limitou a reclamação ao âmbito da universidade excluindo instâncias da Justiça comum, respondeu que preferiu um caminho que pudesse ser utilizado por outras eventuais vítimas do antigo diretor. "Nosso objetivo era que, com um processo administrativo, colocaríamos luz sobre isso e poderíamos ajudar alunas que poderiam estar passando pela mesma situação e estão em uma posição hierárquica inferior em relação a ele".
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Indignação
"Se vemos professoras titulares e renomadas sendo desacreditadas, como outras mulheres, dentro da universidade, vão ter coragem de denunciar?", indagou a técnica Anabele Gomes, 39, que estava na marcha. Para ela — que levantava um cartaz em que se escreveu: "Se eu assediasse um professor, eu também receberia férias?" —, a falta de uma sanção mais severa contra o professor Santana era absurda.
Por sua vez, Cristiane Ferreira, 50, professora do Instituto de Biologia, definiu como "covarde" a atitude da UnB frente às denúncias de assédios. "Não podemos nos omitir nem normalizar esse fato. O assédio é uma violência silenciosa, mina a autoconfiança e a psique das pessoas. A denúncia foi desqualificada e o caso, minimizado", lamentou a docente, uma das organizadoras da mobilização.
As participantes da marcha lembraram o assassinato, em 2016, da estudante de biologia Louise Ribeiro, 20, em um laboratório do Instituto de Ciências Biológicas. Na época, o acusado justificou o crime dizendo que a moça se recusou a ter um relacionamento com ele. Homenageando a memória da aluna foi criado o projeto Jardim Naturalista Louise Ribeiro. No local se organizam conferências em que se discutem temas relacionados à violência contra as mulheres e o papel delas na ciência e na sociedade.
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Providências
Em carta de compromisso publicada, nesta sexta-feira (6/12), no site da UnB, a reitoria destacou o compromisso da universidade com a prevenção e o enfretamento ao assédio. "Entre as ações planejadas, destacam-se: o fortalecimento de instrumentos de prevenção e resposta; a ampliação de políticas de gestão de pessoas e promoção de saúde mental; a promoção de capacitações e da sensibilização de servidores; e a consolidação de uma educação e de uma gestão antidiscriminatórias", informava o texto.
A gestão da instituição acrescentou que serão realizados programas de capacitação para docentes e técnicos administrativos, com foco na inclusão, diversidade e no enfrentamento de situações de assédio. "O intuito é fomentar maior empatia e compreensão das diferentes realidades que compõem nossa instituição", ressaltava a nota.
Entenda o caso
Na última terça-feira, o Centro Acadêmico de Biologia publicou uma nota de repúdio em que detalhou as denúncias contra o ex-diretor do Instituto de Biologia, Jaime Santana, acusado de assediar sexualmente duas professoras do mesmo departamento. "O professor e ex-diretor foi denunciado, através de um processo administrativo, por forçar beijos em professoras e colegas de trabalho. Tal prática é denominada beijo lascivo e integra o rol de atos libidinosos e, se obtido mediante violência ou grave ameaça, importa na configuração do crime de estupro, como previsto no Código Penal", descreveu o texto, publicado no Instagram, após reportagem publicada pela Agência Pública.
Ainda segundo a nota, a universidade, sob a então gestão da reitora Márcia Abrahão, suspendeu por 15 dias as atividades profissionais de Jaime Santana, "alegando 'apenas' uma 'falta de urbanidade'", conforme consta na postagem. O conceito de falta de urbanidade é semelhante à falta de ética. "A reitoria não encaminhou as denúncias ao Ministério Público para que o processo pudesse caminhar na esfera criminal, nem mesmo acatou o parecer da comissão responsável pelo processo administrativo disciplinar, a qual recomendou a demissão de Jaime Santana", completou a nota.
Procurada pela redação, a defesa do ex-diretor, a advogada Maria Brito afirmou que o processo correu de “forma justa e equânime”. “Todas as partes tiveram chance de se manifestar e as provas foram analisadas por pessoas qualificadas”.