FCDF

Fundo Constitucional do DF: entenda o impacto dos cortes na educação

Da parcela do Fundo Constitucional ao ensino público, cerca de 80% são destinadosao pagamento de professores e servidores, enquanto o restante do montante é utilizado para pagar despesas correntes. Especialistas alertam para uma crise

Se a proposta de cortes no FCDF for aprovada no Congresso, a rede pública de ensino sofrerá um forte impacto -  (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Se a proposta de cortes no FCDF for aprovada no Congresso, a rede pública de ensino sofrerá um forte impacto - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Se aprovada, a alteração no cálculo do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) pode ter implicações negativas na educação pública da capital da República. O valor do fundo é aplicado em áreas essenciais para a população. A educação é um dos três eixos em que o recurso é aplicado. Somente em 2024, R$ 5,5 bilhões vindos do fundo foram aplicados na educação. Deste total, 80% é utilizado para pagamento de folha de pessoal, enquanto o restante do valor é destinado à cobertura de despesas correntes como, por exemplo, contratos de serviços contínuos de limpeza, conservação, vigilância, entre outros. A qualidade da educação dos 458.728 estudantes que fazem parte da rede pública de ensino seria diretamente impactada.

Caso o Projeto de Lei nº 4614/2024 seja aprovado, o valor do Fundo Constitucional do DF deixaria de ser calculado com base na Receita Corrente Líquida (RCL) da União e passaria a ser estipulado com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), isto é, a inflação.

Especialista ouvido pelo Correio avalia que, caso a redução no recurso se efetive, o Governo do Distrito Federal (GDF) precisará encontrar formas de compensar isso e as soluções podem causar uma redução nos recursos destinados à educação. "Em geral, na administração pública, isso se compensa com a revisão de isenções concedidas. Como exemplo, podemos citar a redução do Imposto sobre Transição de Bens Imóveis (ITBI), recentemente aprovada no DF. Isenções de tributos como o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) também correm o risco de ser revistas, porque estes são impostos extremamente importantes para a cesta de arrecadação do DF", ressaltou o professor de políticas públicas em educação da Universidade de Brasília (UnB) Remi Castione. "Eu acredito que uma das primeiras medidas do GDF, caso a redução nos recursos do fundo seja aprovada, deve ser não promulgar nenhuma lei com o objetivo de reduzir impostos, porque cerca de 20% dos recursos dos impostos arrecadados no DF são formadores da base do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb)", acrescentou.

O Fundeb é um fundo especial de natureza contábil e de âmbito estadual composto por recursos provenientes de impostos e transferências dos estados, Distrito Federal e municípios vinculados à educação. Segundo o professor, o ideal é que o FCDF se mantenha para que o Fundeb não fique prejudicado e a qualidade da educação não seja impactada.

De acordo com a Secretaria de Educação do DF (SEDF), mudanças no cálculo do FCDF afetariam diretamente a alocação de recursos para a educação básica. A evolução nos valores do Fundo Constitucional repassados à educação tem sido significativa nos últimos cinco anos (veja quadro), sendo essencial para a manutenção do sistema educacional. "Qualquer redução desse recurso comprometeria diretamente os cofres do Distrito Federal, afetando o desenvolvimento da educação", disse a pasta, em nota (Confira entrevista com a secretária Hélvia Paranaguá na página 14).

Remi Castione sugere que o GDF tenha mais transparência quanto ao uso dos recursos por meio da publicação de dados para que a população também possa ajudar a cobrar o governo federal. "Creio que uma das primeiras iniciativas que o governo do Distrito Federal deveria tomar, a partir desse cenário constante  pressão sobre a redução desse recurso, é dar maior transparência a esses dados, publicar e disponibilizar bancos de dados públicos de fácil acesso à população que acompanhem esses resultados", sugeriu.

Estrutura educacional

Entre escolas públicas, Centros de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) e unidades conveniadas da educação pública, o Distrito Federal conta com 842 unidades de ensino mantidas por recursos públicos, incluindo o Fundo Constitucional (veja evolução dos últimos cinco anos no quadro). Além disso, o DF conta, atualmente com 39.815 professores na rede pública e 7.708 na carreira de assistência à educação (veja evolução no quadro).

No Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) referente ao ano de 2023, o DF superou a meta em quatro pontos na avaliação dos anos iniciais do Ensino Fundamental, com nota 6,4, enquanto a meta era 6,0. O Ideb é responsável pelo monitoramento do desempenho das escolas e das redes de ensino avaliando os estudantes por meio de avaliações externas de desempenho cruzadas com dados de fluxo escolar. Os fatores avaliados podem ser diretamente impactados caso haja cortes no FCDF.

Diretor do Sindicato dos Professores do DF (Sinpro-DF), Cleber Soares defende que o Fundo Constitucional não sofra alterações, por ser imprescindível para o magistério público. "O sindicato manifesta preocupação com relação à proposta do governo federal e vamos nos juntar a todos que querem fazer a luta em favor do recurso", destacou. "Queremos que o recurso continue a crescer do jeito que vem crescendo, com o mesmo critério de reajuste de valores como tem acontecido ao longo dos anos, que é uma forma da gente ter margem, uma margem maior inclusive, para brigar por mais, por uma melhor prestação de serviço das escolas públicas, por educação de qualidade, por valorização profissional", completou.

 


Valores do FCDF destinados à educação

2020 — R$ 3.377.705.992,00
2021 — R$ 3.209.148.406,60
2022 — R$ 3.101.492.785,94
2023 — R$ 5.440.274.890,00
2024 - R$ 5.500.000.000,00.

Número de escolas públicas no DF

2020
Rede Pública: 685 e CEPI: 58
Unidade Conveniada — UC: 64

2021
Rede Pública: 688 e  CEPI: 59
UC: 65

2022
Rede Pública: 695 e CEPI: 59
UC: 66

2023
Rede Pública: 702 e  CEPI: 61
UC: 69

2024
Rede Pública: 704 e CEPI: 63
UC: 75

Profissionais na rede pública

2020
O número de professores foi de 36.215 e na carreira de assistência à educação, atual PPGE (Políticas Públicas e Gestão Educacional), foi de 7.697.
2021
O número de professores foi de 35.751 e na carreira assistência à educação, atual PPGE, foi de 7.369
2022
Número de professores foi de 35.956 e na carreira assistência à educação, atual PPGE, foi de 7.102
2023
Número de professores foi de 36.686 e na carreira assistência à educação, atual PPGE, foi de 8.432
2024
Número de professores foi de 39.815  e na carreira assistência à educação, atual PPGE, foi de 7.708

Alunos na rede pública do DF

2020    481.912

2021      480.402

2022      475.715

2023      464.977

2024.      458.728

 

Baixa valorização profissional

A literatura econômica afirma que, no longo prazo, o crescimento econômico é determinado, em grande parte, pelos ganhos de produtividade, os quais estão diretamente relacionados à capacidade da mão de obra disponível de utilizar os mais modernos bens de capital — máquinas e computadores, gerando mais riqueza com a mesma quantidade de insumos.

Essa capacidade, por sua vez, se materializa na habilidade de efetuar cálculos matemáticos, compreender os fenômenos físicos, saber interpretar textos e compreender idiomas estrangeiros. São todas competências que são desenvolvidas na educação infantil, no ensino fundamental e no ensino médio.

Nesse contexto, o Projeto de Lei nº 4.614, de 2024, em tramitação no Congresso Nacional, representa um risco para o futuro do Distrito Federal, já que os recursos do Fundo Constitucional (FCDF) passariam a ser reajustados pela variação do IPCA, em vez de utilizar a Receita Corrente Líquida da União. Com isso, haveria uma correção, a menor, de 4,1% ao ano, em média. No longo prazo, as despesas com educação pública, em especial com a folha de pessoal, seriam comprimidas, gerando um achatamento salarial significativo para os profissionais de educação.

Infere-se que em um cenário de baixa valorização profissional como este, os professores mais talentosos migrariam para as escolas particulares ou para outras carreiras mais bem remuneradas, impossibilitando o desenvolvimento das competências mínimas que as crianças da rede pública irão precisar para enfrentar os desafios das próximas décadas.

Além do impacto na produtividade e no crescimento econômico, essa medida ampliaria o hiato entre a educação da rede privada e o da rede pública de ensino, redundando em aumento da desigualdade e, provavelmente, da violência. Por todas essas razões, é preciso que a sociedade se mobilize para evitar a aprovação dessa medida que pode ter graves consequências para o futuro do Distrito Federal.

Mila Ferreira
postado em 12/12/2024 06:00
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