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A agonia do Melchior: população e especialistas tentam revitalizar o rio

Classificado como Classe 4, a mais alta na escala de poluição, pelo Conselho de Recursos Hídricos do Distrito Federal (CRH)

Ivanete Silva afirma que há descaso em querer recuperar o Melchior -  (crédito: Foto: Luiz Fellipe Alves/CB)
Ivanete Silva afirma que há descaso em querer recuperar o Melchior - (crédito: Foto: Luiz Fellipe Alves/CB)

Enquadrado desde 2014 pelo Conselho de Recursos Hídricos do Distrito Federal (CRH) como Classe 4, a mais alta no quesito poluição, na qual só é permitida a navegação, o Rio Melchior tem se tornado um local de descarte de efluentes. De acordo com a Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb), além dos lançamentos de efluentes tratados pela companhia, ainda ocorrem lançamentos de diversos outros usuários, inclusive, do Aterro Sanitário de Brasília (ASB) e de um grande abatedouro de aves do DF.

Devido à atual situação do rio, algumas pessoas se reuniram e criaram o Movimento Salve ARIE JK e o Rio Melchior. Atualmente, os seminários contam com aproximadamente 130 pessoas. Pedro Lacerda, professor aposentado, faz parte da coordenação do movimento social que surgiu há um ano e elabora propostas de conservação e preservação da área.

Entre elas, estão assegurar o monitoramento e a fiscalização da qualidade da água; elaboração de um Programa de Reflorestamento e Recuperação de Nascentes com a participação da comunidade; e fomentar a produção agrícola sustentável na Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie) JK, inclusive, como produtor de água e manutenção do corredor ecológico. 

Segundo Lacerda, o movimento tem feito ações, como a participação em duas audiências públicas convocadas pelo Governo do Distrito Federal (GDF), e uma convocada pela Câmara Legislativa do DF (CLDF). "Realizamos um seminário com técnicos para compreender o problema envolvido nessa questão. Além de um Rolezinho Ambiental Salve ARIE JK e o Rio Melchior, e diversas palestras e atividades em escolas para sensibilizar alunos e professores sobre o tema", acrescentou.

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Para Ivanete Silva dos Santos, especialista em reabilitação ambiental sustentável e participante do movimento, a mobilização social é importante para a preservação ambiental. "De que adianta eu, Ivanete Silva dos Santos, moradora simples da periferia, dizer que sou contra a Caesb, que lança o esgoto, mas eu tenho uma propriedade rural e não tenho nenhuma alternativa sustentável para lidar com os poluentes dela", afirma.

Efluentes

A Caesb afirma que o lançamento de efluentes no rio segue os parâmetros exigidos pelas resoluções ambientais. "As licenças de operação são emitidas pelo Ibram — Instituto Brasília Ambiental — e as outorgas de lançamento de efluentes, pela Adasa — Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do DF. A Caesb possui outorga de lançamento dos efluentes tratados nas respectivas Estações de Tratamento de Esgotos — ETE Samambaia e Melchior — e cumpre com os padrões de lançamento de acordo com a Resolução Conama nº 357/2005", informou a companhia.

Os esgotos sanitários coletados das regiões administrativas de Samambaia, Taguatinga, Ceilândia, Vicente Pires, Águas Claras, Pôr do Sol e Sol Nascente são direcionados para as estações de tratamento de esgotos (ETE) Samambaia e Melchior. Lá, são tratados antes de serem lançados no rio. "A Caesb atua continuamente para a melhoria de seus processos de tratamento dos esgotos. Atualmente, está em fase de implantação na ETE Melchior uma unidade de tratamento avançado, que visa aumentar a eficiência do processo", disse a empresa.

  • Pedro Lacerda:
    Pedro Lacerda: "Novas ações do projeto de recuperação estão por vir" Foto: Luiz Fellipe Alves/CB
  • Lixo descartado próximo à margem do rio. Segundo moradores, quando chove forte, esses objetos são levados para dentro do rio
    Lixo descartado próximo à margem do rio. Segundo moradores, quando chove forte, esses objetos são levados para dentro do rio Fotos: Luiz Fellipe Alves/CB/D.A Press
  • Trecho do Rio Melchior com água turva e lixo na margem
    Trecho do Rio Melchior com água turva e lixo na margem Foto: Luiz Fellipe Alves/CB
  • Trecho do Rio Melchior com água turva e lixo na margem
    Trecho do Rio Melchior com água turva e lixo na margem Foto: Luiz Fellipe Alves/CB
  • Ivanete Silva afirma que há descaso em querer recuperar o Melchior
    Ivanete Silva afirma que há descaso em querer recuperar o Melchior Foto: Luiz Fellipe Alves/CB

Poluição

O professor do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB) José Francisco Gonçalves Júnior explicou que os efluentes não tratados podem ter diversas características químicas degradantes. "Mesmo aqueles que são tratados no DF não são eficientes, por exemplo, para a retirada de microplásticos, fármacos e uma grande quantidade de nitrogênio e fósforo. E, quando são lançados no rio, também continuam causando algum tipo de impacto. Menor do que o não tratado, mas também causam", revelou.

José Francisco também citou os problemas que a ocupação irregular do solo e o desmatamento podem causar na área. "Eu fiz uma análise de alguns poços na região do Rio Melchior e as condições não foram adequadas, sobretudo porque apareceu excesso de glifosato e ampa. Esses elementos químicos estão relacionados a defensivos agrícolas. Então, as pessoas estão usando indiscriminadamente, nas suas pequenas plantações, esse excesso de defensivo agrícola que gera problema de saúde pública."

Essa poluição afeta o equilíbrio térmico, de nutrientes e a quantidade de oxigênio dissolvido, disse Igor Gonçalves, engenheiro ambiental. "Esses impactos ocasionam a diminuição brusca da biodiversidade aquática, com o desaparecimento de peixes e plantas, ficando algumas plantas adaptadas ao ambiente hostil", apontou.

No trecho do rio que fica na região da Vicinal-311, no Sol Nascente, também é possível encontrar propriedades rurais, produtoras de frango e um aterro sanitário que, entre outros prejuízos, deixa os peixes inapropriados para consumo. Segundo Ivanete, o despejo irregular dessas propriedades prejudica a saúde do rio. "Nessa região, tem muito lixo e produtos químicos que são despejados no corpo do rio e nas regiões próximas, deixando a água turva por conta do assoreamento. No período de seca, é possível ver corpos de animais, muito lixo no solo além do odor horrível que fica", completa.

Igor disse que o Rio Melchior está classificado como Classe 4 na escala de poluição até 2030. "Com isso, as indústrias de abate, o ASB e a ETE não precisam realizar grandes investimentos para tratar seus efluentes, afinal, o rio é Classe 4", descreveu. Mudar de Classe 4 para 2, em si, não muda a qualidade do corpo hídrico, ressaltou o especialista. "Para efetivamente ele deixar de ser Classe 4, será necessário investimento robusto na ETE Melchior, maior fiscalização nas indústrias de abate, investimento no tratamento de efluentes do ASB e revitalização da bacia hidrográfica do Rio Melchior", observou.

Revitalização

De acordo com a Secretaria do Meio Ambiente do DF (Sema), está sendo discutido, no âmbito do Grupo de Trabalho de Educação Ambiental do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paranaíba no DF (CBH), uma iniciativa de educação voltada para as escolas próximas ao Rio Melchior. "A proposta busca estabelecer parcerias com órgãos ambientais do DF para promover a sustentabilidade na região e auxiliar na revitalização do rio, destacando ações da Caesb e experiências bem-sucedidas da área", informou a pasta. Atualmente, a iniciativa está em fase de discussão, com levantamento das escolas que poderão participar do projeto.

A Sema também destacou que foram realizadas oito reuniões para discutir assuntos gerais sobre a melhoria da qualidade do Rio Melchior e as perspectivas para a gestão das águas pluviais na bacia hidrográfica do rio. "Foram realizadas visitas de campo para verificação de estruturas de drenagem e esgotos, apresentação de dados de monitoramento da qualidade da água e índices de conformidade ao enquadramento Classe 4, lançamentos outorgados e vazões máximas de lançamento", finalizou a secretaria.

*Estagiários sob a supervisão de Eduardo Pinho

 

 

Luis Fellype Rodrigues*
Luiz Fellipe Alves
postado em 31/12/2024 16:00
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