No Distrito Federal, 19.186 processos ligados a crimes de ameaça foram registrados entre janeiro e outubro deste ano. O dado, do Painel de Estatísticas do Poder Judiciário, mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), representa uma média de 63 novos casos por dia — cenário que acende sinal de alerta, uma vez que esse crime é, comumente, a antecipação de outros, segundo o delegado Lúcio Valente, assessor chefe de comunicação da Polícia Civil (PCDF). No ano passado, o número ficou em 20,1 mil processos. Ao Correio, ele explicou o que é o crime e apontou suas punições.
Segundo o delegado, o crime é previsto no artigo 147 do Código Penal e consiste no ato de ameaçar alguém, por palavras, gestos ou outros meios, prometendo lhe causar mal injusto e grave. "A ameaça é aquilo que a gente já conhece: 'eu vou te bater, vou te matar' ou qualquer outra afirmação desse tipo", explicou. Valente destacou, ainda, que esse é considerado um crime contra a liberdade psicológica da vítima, que pode ser cometido por meio de gestos, textos, no âmbito virtual ou de forma verbal.
A ameaça é considerada um crime de menor potencial ofensivo, por isso é apurado nos juizados especiais criminais. A punição aos autores varia entre seis meses e um ano. Valente destacou, porém, que, no contexto de violência doméstica e familiar, o crime deixa de ser considerado de menor potencial ofensivo e é enquadrado no âmbito da Lei Maria da Penha, podendo ter a pena dobrada e conceder direito à medida protetiva.
Para a ocorrência do crime, não é necessário que o criminoso cumpra o que disse, basta que ele tenha intenção de causar medo e que a vítima se sinta atemorizada. "Se a vítima se sentiu ameaçada, qualquer elemento que ela tenha, uma mensagem, um print ou alguma testemunha é melhor para o registro, que pode ser feito presencialmente em qualquer delegacia ou por meio da delegacia eletrônica. Ainda que não tenha provas, registrar é importante, os elementos podem ser conseguidos depois ", alertou.
À sombra do medo
O empresário Leander Romualdo Holanda, 24 anos, é morador de Águas Claras e trabalha no mesmo prédio em que reside. Em fevereiro deste ano, se viu imerso em uma situação que jamais imaginou. Ele e seu esposo passaram a receber incontáveis ameaças e ataques homofóbicos, diariamente, de um homem em situação de rua que costumava viver nas redondezas do condomínio. O pesadelo durou mais de sete meses, até que foi vítima de agressões físicas, em outubro, e o agressor foi finalmente preso.
Leander e o esposo registraram vários ataques em vídeos. "Ele vinha na porta da loja nos ameaçar constantemente. Dizia que jogaria coquetel molotov na nossa janela, que quebraria nosso carro, e eu escutei ele falando que 'não tinha nada a perder e, por isso, acabaria com a minha vida." Segundo o empresário, tudo começou porque, ao se mudar para o prédio, o casal iniciou um movimento de melhorias para o condomínio, denunciando bares que tiravam o sossego dos moradores. O agressor era amigo dos donos de um estabelecimento. "Ele vivia em dois carros que estavam abandonados na quadra, mas uma iniciativa do GDF (Governo do Distrito Federal) retirou as carcaças. Ele tinha certeza que nós tínhamos mandado recolher", explicou.
Em setembro, o homem quebrou os para-brisas do veículo do casal. Uma ocorrência foi registrada, o criminoso foi preso, mas foi liberado dias depois. Leander questionou as autoridades se esperariam que algo mais grave acontecesse, porém apenas receberam uma medida protetiva, o que de nada adiantou, uma vez que a agressão se deu um mês depois. O empresário foi surpreendido na Avenida Castanheiras, quando estava dentro de seu carro. O agressor jogou bebida alcoólica em seus olhos e, depois, o agrediu, fraturando seu ombro. "Ele foi preso preventivamente, pode sair daqui três meses e a gente tem medo. Hoje, consigo andar tranquilamente pelo condomínio, mas não sabemos como vai ser se ele for solto", lamentou.
Uma década de terror
Moradora do Riacho Fundo 2, a aposentada Francisca Rodrigues da Silva, 63, vive um pesadelo que já dura mais de uma década. As ameaças começaram quando, em 2012, reclamou de uma vizinha, à época adolescente, que costumava usar substâncias ilícitas na árvore plantada em frente ao seu portão. Desde então, sua vida foi alterada.
A mulher passou a difamá-la, caluniá-la e chegou a agredi-la algumas vezes. Emocionada, Francisca conta que a vida de sua família foi afetada por causa da situação. "Eu fiz a primeira ocorrência naquele ano e, daí para frente, as coisas só pioraram. Ela nunca saiu da frente da minha casa, são 12 anos abrindo a porta da minha casa e dando de cara com essa pessoa todos os dias", desabafou.
Francisca contou que, por morarem na mesma rua, é inevitável encontrar a criminosa, que, de acordo com ela, sempre faz questão de proferir xingamentos ao vê-la. "Certa vez, ela veio no meu portão me acusar de estar batendo na minha cachorrinha, quando o meu filho foi me defender, ela disse que era melhor que não procurássemos problemas, ela nos ameaçou."
Aos prantos, Francisca contou que já foi agredida três vezes ao longo dos 12 anos. O último episódio ocorreu em abril deste ano. Duas mulheres, que de acordo com ela são a vizinha e sua namorada, entraram em sua casa, quebraram seu celular e a agrediram fisicamente. "Eu fiz o boletim e o exame de corpo de delito, eles apreenderam o meu celular quebrado, mas até hoje estou nesta luta. Eu quero que ela seja indiciada como uma criminosa", afirmou. Até o momento, Francisca, que não tem advogado, não teve respostas sobre o andamento do processo e continua a esbarrar com a agressora.
No caso das duas vítimas, há outros crimes para além da ameaça. O delegado Lucio Valente ressaltou que há três crimes semelhantes no Código Penal. "O constrangimento ilegal, as intimidações ou bullying e o crime de perseguição ou stalking", listou.
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