Quando agências de turismo ou companhias aéreas cancelam viagens, os consumidores enfrentam inúmeras frustrações. Além da decepção de perder o passeio, muitas vezes planejado e aguardado, os consumidores lidam com a incerteza de reembolsos, a dificuldade em remarcar voos e as longas filas de espera no atendimento ao cliente. Em um cenário em que as sonhadas férias podem transformar-se em dias de estresse, a falta de comunicação clara e o suporte adequado das empresas agravam o problema. Para muitos, a experiência torna-se uma lição amarga sobre a importância de estar preparado para imprevistos e de exigir seus direitos.
O cancelamento de voos por companhias aéreas é considerado uma falha na prestação de serviços, conforme o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC). O passageiro tem direito à realocação em outro voo ou ao reembolso integral da passagem. Além disso, as companhias aéreas podem ser responsabilizadas por indenizações por danos materiais e morais, caso o consumidor comprove prejuízos, como perda de compromissos ou gastos adicionais com alimentação e hospedagem. O consumidor tem ainda um prazo estabelecido pelo art. 27 do CDC, de até 5 anos para pleitear na Justiça a reparação pelo dano sofrido em decorrência do cancelamento, ou mesmo remarcação do voo.
Rafael Fontenele Viana, advogado especialista em direito do consumidor, explica que o primeiro passo para exigir um reembolso ou uma reacomodação é realizar uma solicitação administrativa à companhia aérea. Essa solicitação pode ser feita diretamente no guichê de atendimento da operadora no aeroporto, ou por meio dos canais de atendimento telefônico e virtual disponíveis. "É importante ressaltar que qualquer cobrança de taxa ou tarifa adicional ao consumidor em casos de cancelamento é considerada ilegal. O passageiro não deve arcar com custos adicionais, uma vez que não foi responsável pelo cancelamento do voo", informa.
Diferentemente das companhias aéreas, que realizam a venda direta de passagens, as agências de viagem respondem pela organização e intermediação de diversos serviços (bilhetes, hospedagens, passeios, etc.). De acordo com a advogada Karoline Morais, especialista em direito empresarial, o cancelamento ou adiamento do pacote deve seguir as condições contratuais ajustadas, respeitando o CDC, que assegura a substituição por um serviço equivalente ou a restituição do valor pago.
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Se o consumidor comprar uma passagem aérea por meio de uma agência, essa pode responder solidariamente caso haja falha na prestação de serviço, pois faz parte da cadeia de consumo ao intermediar a venda, conforme os artigos 7º, parágrafo único e 14º do CDC. "Entretanto, é importante ressaltar que cada situação deve ser analisada individualmente, pois as especificidades do caso podem influenciar a aplicação da responsabilidade solidária", explica Karoline.
Se o pacote adquirido por meio de agências for cancelado, o art. 35 do CDC determina que o consumidor pode optar pela substituição por outro pacote equivalente; pela devolução integral do valor pago, ou aceitar um abatimento proporcional, caso o cancelamento afete apenas parte dos serviços. Para hospedagens ou roteiros alternativos, a agência deve viabilizar outros roteiros turísticos, hotéis, ou serviços similares, de mesma categoria, sem custos adicionais ao consumidor.
Sabrina Costa, 28, moradora de Águas Claras, expressou sua frustração após duas viagens compradas, porém, não realizadas. Ela adquiriu um pacote para Paris, e dois para Bariloche, totalizando, aproximadamente, R$ 10 mil. "Eu tinha fechado seguro viagem para a França, trabalhei presencialmente durante a pandemia como freelancer em shopping, no período de Natal, para juntar dinheiro, cheguei a trocar euros, e perdi oportunidades de trabalho devido às viagens", conta.
Em regra, as operadoras de transportes aéreos de voos internacionais possuem sede no Brasil e seguem a legislação brasileira, no entanto, aquelas não submetidas aos regramentos da Agência Nacional de Aviação Civil, a ANAC, podem seguir legislação de órgãos internacionais que também preveem proteção ao consumidor, como a percepção de indenização prefixada, se a realocação for feita até uma hora do horário de partida do tempo original, sendo garantido ao consumidor, em todo caso, o reembolso integral e realocação.
É necessário considerar fatores adicionais para determinar os efeitos jurídicos, como, por exemplo, se a compra da passagem foi realizada por meio de uma empresa estabelecida em território nacional. "Além disso, deve-se avaliar, caso a caso, a competência jurisdicional, ou seja, o local onde a ação será processada e julgada. A depender das circunstâncias específicas, pode-se aplicar o CDC. Contudo, em algumas situações, pode ser necessário observar também tratados internacionais, como a Convenção de Montreal, que regula o transporte aéreo internacional", declara a advogada Ana Cecília Chaves de Azevedo.
O destino de Ana Rossini, 22, era Santiago, no Chile, para comemorar seu aniversário, durante 10 dias, no período de carnaval de 2024. Ela ficou sabendo da promoção em fevereiro de 2023, enquanto lia uma coluna sobre promoções de um jornal local. Seria a primeira viagem sozinha, portanto, nem passou pela cabeça dela alguma desconfiança em relação a uma data tão distante.
O cancelamento da viagem afetou o planejamento financeiro que Anna tinha feito. "Na época em que eu recebi a notícia, eu já estava buscando hotéis e fazendo um roteiro de viagem. "Tive que dar um passo para atrás e refazer contas, parei de fazer viagens para visitar minha família em outro estado a fim de guardar mais dinheiro para a nova compra das passagens", relata.
A companhia aérea diz que procura uma forma de retificar o erro com créditos para adquirir outras passagens. O questionamento que fica é: o que fazer se a empresa oferece só essa opção e não o reembolso? A advogada Karoline Fleury esclarece que, se uma companhia aérea oferecer apenas créditos em vez de reembolso, o passageiro deve saber que o prazo para restituição é de até sete dias. "O reembolso deve ser feito da mesma forma que o pagamento original, como estorno em cartão de crédito ou depósito em conta bancária. O consumidor não é obrigado a aceitar créditos, como forma de reembolso e, se a empresa descumprir essa norma, pode ser necessário ingressar com uma ação judicial", elucida.
*Estagiários sob a supervisão de Márcia Machado