Recursos

Impacto de cortes no Fundo Constitucional do DF atingirá o governo federal

Governador Ibaneis Rocha ressaltou que a capital abriga órgãos nacionais e internacionais, que também sofrerão com os cortes anunciados por Fernando Haddad no Fundo Constitucional do Distrito Federal

O anúncio de que o cálculo de reajuste do Fundo Constitucional (FCDF) poderá sofrer drásticos cortes repercute no meio político do Distrito Federal. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou na quarta-feira um pacote de medidas com redução de gastos do governo federal que incluiu recursos destinados ao custeio de áreas sensíveis do DF, como saúde, segurança e educação. O governador Ibaneis Rocha (MDB) voltou a criticar a proposta, afirmando que da "cabeça de algum mal-iluminado, que não gosta da capital da República, saiu uma proposta tão ruim como essa". 

O governador chamou a atenção para os impactos que a mudança pode trazer, não apenas para a cidade, mas para o país como um todo. "Brasília não cuida só dos seus 3 milhões de habitantes, mas do Brasil. Recebemos aqui ambulâncias de todo o país trazendo pessoas para se tratar, abrigamos os órgãos nacionais e internacionais e ainda somos responsáveis por garantir serviços públicos de qualidade para todos que passam por aqui", ressaltou. "Infelizmente, existe esse preconceito de algumas pessoas do governo federal, que não compreendem que o Distrito Federal é a capital da República e precisa ser preservada", lamentou.

Ibaneis aproveitou a oportunidade para convocar a sociedade para se unir em defesa do FCDF. "Conclamo a todos os políticos, toda a classe empresarial e sindical, além de toda a população do Distrito Federal. Vamos vencer mais uma vez", garantiu. De acordo com o governador, a questão do Fundo Constitucional não atinge somente as áreas abrangidas pelo repasse: saúde, educação e segurança. "A partir do momento em que não houver recurso para essas áreas, vamos ter que tirá-lo de outras fontes, e isso vai atingir a todos os servidores do Distrito Federal, implicando todos os serviços que o governo presta", alertou.

Ele disse que, a partir da próxima segunda-feira, vai fazer um trabalho de união, na esperança de conseguir convencer o Congresso Nacional. "Falarei com deputados distritais e federais, senadores e todas as lideranças do Congresso, com o apoio dos sindicatos, da população e do setor produtivo da nossa cidade. O momento, agora, é de união para que a gente possa manter a nossa cidade no rumo certo", pontuou o governador.

O secretário de Economia do DF, Ney Ferraz, afirmou que o FCDF tem se mostrado essencial para a manutenção dos serviços públicos no Distrito Federal, representando mais de 40% do orçamento total do governo. Ele destacou que, segundo estudos técnicos, o impacto da medida, no próximo ano, seria de R$ 800 milhões e que, em 15 anos, o GDF poderia perder R$ 12 bilhões.

Reação

O deputado distrital Chico Vigilante (PT) respondeu às declarações de Ibaneis. Segundo Vigilante, o governador faltou com a verdade ao afirmar que o reajuste é uma tentativa de o governo federal prejudicar a capital. "O que está se propondo é que o Distrito Federal siga a mesma norma que rege o reajuste do Fundo de Participação dos Municípios e do Fundo do Centro-Oeste. Não há nenhuma perseguição. Essa unificação é justa e está em linha com as práticas nacionais", avaliou.

Vigilante relembrou que a primeira proposta de reajuste do cálculo Fundo Constitucional, em 2023, não partiu do governo federal, mas do Partido Progressista (PP), legenda da vice-governadora do DF, Celina Leão. "Foi um deputado do PP, da Bahia, quem apresentou essa proposta, não o presidente Lula, o ministro Haddad ou qualquer representante do governo. Ibaneis, ou está desinformado, ou agiu de má-fé ao tentar distorcer os fatos", ressaltou.

Em uma nota, a liderança do PT na Câmara Legislativa, que tem à frente Chico Vigilante, disse que o governador está sendo "ingrato" com o presidente Lula e o governo federal. "(Ibaneis) parece insensível à necessidade dos ajustes nas contas públicas, imprescindíveis para o equilíbrio fiscal", afirmou.

De acordo com o texto, os valores do Fundo Constitucional, nos governos do PT, sempre foram muito melhores do que no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). "No governo anterior, o FCDF perdeu para a inflação, pois, em 2018, ele teve R$ 13,6 bilhões e, em 2022, R$ 16,2 bilhões. Um aumento de apenas 18% em quatro anos. Nesse período, o INPC, índice da inflação, foi de 28%", calculou. "No primeiro ano do governo Lula, o repasse saltou de R$ 16,2 bilhões para R$ 23 bilhões, um aumento de 41%, em apenas um ano", comparou.

Ao contrário do posicionamento do deputado distrital Chico Vigilante, a Mesa Diretora da Câmara Legislativa (CLDF) expressou, em nota, preocupação com a possibilidade de alterações no cálculo de reajuste do Fundo. O texto destacou a importância do diálogo como meio de solução para o impasse e ressaltou as particularidades do Distrito Federal em comparação aos demais estados. "Entendemos a realidade financeira do país e a necessidade de controle dos gastos públicos, mas discordamos da possível mudança apontada", afirmou.

O comunicado ressaltou que a Câmara Legislativa planeja mobilizar esforços para evitar mudanças que possam comprometer o orçamento e o funcionamento das políticas públicas no DF. "Buscaremos a equipe econômica do governo federal para apresentar a realidade orçamentária do Distrito Federal, com o objetivo de manter a forma atual de reajuste do Fundo Constitucional", conclui a nota.

Carências

Economista e professor da Universidade de Brasília (UnB), César Bergo ressaltou que o Fundo Constitucional é muito importante para o DF. "Ele traz equilíbrio em relação aos entes federativos, porque a capital do país tem características diferenciadas e o Fundo foi criado justamente com a finalidade de suprir essas carências da nossa cidade", afirmou. "Temos alguns delimitadores geográficos, por exemplo. Brasília não consegue ter uma indústria crescente e atividades econômicas que garantam autossuficiência financeira para si", acrescentou.

O especialista pontuou que reduzir esses recursos pode gerar desequilíbrio orçamentário. "Como sabemos, o FCDF é crucial para o equilíbrio econômico, social e político da capital do país. Entre os possíveis reflexos negativos, está uma dependência maior do DF junto à União", observou. "O que se espera é que qualquer mudança seja feita com planejamento e transparência, sobretudo com avaliações responsáveis dos impactos e parece que isso não está sendo feito", argumentou Bergo.

De acordo com o economista, se a proposta entrar em vigor, podemos esperar um risco de prejudicar não só a gestão orçamentária e a qualidade de vida da população do DF, mas de desestabilizar a gestão de serviços essenciais, como a segurança pública, a saúde e a educação. "Mas não acredito que o Congresso vai dar vazão a essa proposta. Penso que haverá o bom senso dos nossos parlamentares, em relação à análise de todos os fatores", previu.

Segurança

Por meio de uma nota, o Sindicato dos Policiais Civis (Sinpol-DF) manifestou-se com "profundo descontentamento" pela alteração do cálculo de reajuste do FCDF. "Essa medida representa uma ameaça direta às áreas essenciais custeadas pelo Fundo, como segurança pública, saúde e educação", lembrou. "Além disso, coloca em risco direitos conquistados pelos servidores públicos, comprometendo a qualidade do atendimento à população", acrescentou o texto.

O Sinpol-DF classificou como "devastadores" os possíveis impactos na segurança pública. "Comprometer o FCDF é abrir espaço para o enfraquecimento da PCDF e para a instalação definitiva do crime organizado na capital federal", alertou. "Sucatear a corporação e, consequentemente, desvalorizar seus investigadores, é expor Brasília a uma realidade de insegurança que seus cidadãos não conhecem e não devem conhecer", pontuou a nota.

 

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Memória

Em maio de 2023, políticos do DF se uniram contra a proposta de inclusão do Fundo Constitucional no Arcabouço Fiscal. Na época, o governador Ibaneis Rocha reuniu ex-governadores e outras autoridades para discutir formas de conseguir retirar o FCDF do projeto. A batalha, que durou longos meses, passou pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. A vice-governadora Celina Leão (PP) liderou as articulações, pelo fato de ser do mesmo partido do relator do projeto, Cláudio Cajado (PP-BA).

Em agosto do mesmo ano, o texto do novo regime fiscal foi aprovado, sem o Fundo, em uma sessão deliberativa da Câmara, com 379 dos 443 votos dos parlamentares presentes. O Fundo Constitucional é uma verba repassada anualmente pela União à capital do país para investimentos, custeio e manutenção nas áreas da saúde, educação e segurança pública. De acordo com a legislação atual, o valor repassado é corrigido com base na variação da receita corrente líquida da União, de junho a julho do ano anterior.