A determinação da Justiça do Distrito Federal para demolição do Condomínio Rural Residencial RK, em Sobradinho, onde moram 10 mil pessoas, mobiliza o governo do DF, a Câmara Legislativa (CLDF) e os moradores. A Procuradoria-Geral do Distrito Federal (PGDF) informou ontem que o GDF vai recorrer de "todos os termos da sentença". A ação contra o condomínio e o DF, que resultou na ordem para colocar as construções abaixo, foi ajuizada pelo Ministério Público do DF e dos Territórios (MPDFT). A Justiça entendeu que o parcelamento do solo no local não foi precedido de estudos de impacto ambiental nem de qualquer licença administrativa.
De acordo com o condomínio, "há procedimento de regularização em curso", "o condomínio foi implementado em área particular" e "é juridicamente possível regularizar aglomerado urbano em área de proteção ambiental".
O subsíndico do RK, Licurgo Botelho alega que a determinação foi baseada em uma perícia realizada há 19 anos. "Essa perícia não retrata a realidade atual do RK. Desconsideraram tudo que fizemos desde aquela época para minimizar os danos ambientais. Houve obras de drenagem; nós construímos duas bacias de contenção, com aprovação e licenças emitidas; plantamos mais de mil árvores do cerrado, com orientação do Instituto Brasília Ambiental (Ibram) e, hoje, não há danos ambientais no condomínio", afirma.
Medo
O aposentado Osvaldo Barsanuf, 57 anos, vive no local há 22 anos. Ele admite que, quando comprou o imóvel, tinha conhecimento de que o processo de regularização tramitava. "A gente sabia da ilegalidade, mas essa situação ocorria em diversos condomínios. Havia promessa de regularização da documentação, então compramos de boa-fé", diz.
Há 20 anos no RK, a pensionista Ana Maria de Deus, 59, conta que os moradores ficaram apavorados com a sentença. "Vivemos tranquilos por décadas e, agora, somos pegos de surpresa com essa notícia. Está todo mundo questionando", relata.
A corretora de imóveis Andréia Neri, 42, sentiu-se prejudicada como residente e como profissional. Ela é dona de uma imobiliária no comércio do condomínio, que também deve ser demolida, conforme a sentença. Desde o anúncio da Justiça, a empresária viu a insegurança afastar clientes que pretendiam fechar negócio. "Todo mundo está muito preocupado", reclama.
Indignação
Deputados distritais criticaram a sentença. O vice-presidente da CLDF, Ricardo Vale (PT), que mora há mais de 13 anos no RK, recebeu a notícia com indignação. "A moradia é um direito social garantido pela Constituição da República e não pode ser tratada da forma como aparece na sentença", enfatizou. "Depois de tantos anos, não é justa uma decisão que, simplesmente, manda passar o trator sobre nossas casas, como se não existíssemos", lamentou o distrital. "É inaceitável que decisões como essa prevaleçam fazendo sofrer milhares de famílias", ressaltou o presidente da Casa, Wellington Luiz (MDB).
Chico Vigilante (PT) fortaleceu a defesa. "Como um condomínio constituído há 30 anos não foi derrubado antes? Os lotes foram vendidos e construídos com conveniência de todos e, agora, um juiz dá uma decisão para derrubar sob pena de multa de 200 milhões?", questionou. Para João Cardoso (Avante), o RK segue rigorosamente as determinações de órgãos ambientais.
Meio ambiente
Raimundo Barbosa, mestre em planejamento e gestão ambiental e especialista em avaliação de risco ambiental, alerta que o RK tem edificações em áreas frágeis, representado por encostas, topo de morro, margens de rios e sobre nascentes. "A construção de bacias de contenção e a execução de drenagem pluvial não revertem os danos causados ao meio ambiente. A edificação fez com que grande parte das nascentes secassem e diminuísse o volume da água do pequeno córrego existente no local", analisa. Segundo ele, a drenagem pluvial causou impacto na encosta do morro localizado nos fundos do condomínio, em frente à BR-020, onde houve a erradicação da cobertura vegetal. "A verdade é que essas ações (do condomínio) mitigam parte do dano ambiental, mas não os revertem", alerta o ambientalista.
O professor de urbanismo e planejamento urbano na Universidade de Brasília (UnB) Benny Schvarsberg avaliou a decisão como positiva, do ponto de vista da legislação, porém, atrasada. "Deveria ter sido tomada há muito tempo, quando a ocupação não estava consolidada. A negligência e a omissão do Poder Público permitiu o grau de consolidação atual. Em grande medida, por se tratar de uma ocupação de média e alta renda. Se fosse uma população de baixa renda, provavelmente teria sido inibida a ocupação e destruídos os imóveis", critica.
Sentença
Ainda cabe recurso da sentença, que foi emitida em 17 de novembro pela Vara do Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT). Também foi determinado o pagamento de uma multa de R$ 200 milhões (valor da multa original de R$ 22 milhões, prevista em 2005, com acréscimo de juros e correção).
Na contestação, o DF informou que "empreendeu todos os esforços no combate à implementação do parcelamento clandestino, mas perdeu essa guerra" e que "concorda com a pretensão de responsabilização pelos implementadores da ocupação, mas não pode ser responsabilizado pelos fatos".
A determinação diz respeito a uma ação civil pública (ACP). O MPDFT questionou "o parcelamento ilegal do solo para fins de edificação urbana dentro da Área de Proteção Ambiental do Rio São Bartolomeu". Segundo o órgão, o RK está em local pertencente à Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) e não poderia jamais apresentar o título de propriedade do imóvel. Atualmente, a região abriga 2.040 unidades residenciais, 41 comerciais e 140 apartamentos.
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