TRÂNSITO

Caminhões, perigo de graves acidentes nas vias do DF

A reportagem do Correio ouviu autoridades, especialistas, pedestres, caminhoneiros para falar sobre os riscos de veículos de grande porte circular sem manutenção. Moradores da região da Fercal temem pelo pior devido ao intenso tráfego

O grande volume de caminhões e carretas que circulam nas pistas do Distrito Federal tem causado graves acidentes de trânsito. O excesso de carga, falhas na manutenção, ausência de fiscalização do poder público e problemas estruturais das vias são identificados por especialistas como fatores determinantes para tragédias, como a que ocorreu na última terça-feira, na região da Fercal, quando uma pedra transportada por um caminhão tombou na rodovia, caiu e tirou a vida de Guilherme Pires dos Santos Silva, de 9 anos. 

A área, conhecida pela presença de polos industriais e um fluxo intenso de veículos pesados, enfrenta desafios diários relacionados à infraestrutura viária. A tragédia gerou comoção na comunidade e reacendeu o debate sobre segurança e mobilidade. Rodovias como a DF-150 (Fercal), a DF-463 (São Sebastião) e a BR-070 (que liga Águas Lindas a Ceilândia) destacam-se como pontos críticos para acidentes. Com alto fluxo de caminhões devido à proximidade de indústrias e comércios, as condições estruturais das vias, muitas vezes, precárias, apresentam riscos constantes aos moradores e motoristas.

Infraestrutura

Gustavo Maia, 23 anos, caminhoneiro e maquinista reforça que, na maioria dos acidentes, a culpa não deveria ser somente dos veículos grandes, mas a qualidade das vias deveriam ser checadas também. 

"Caminhões não são perigosos, desde que as condições das pistas sejam adequadas e as devidas manutenções dos veículos sejam feitas, como no nosso caso, que fazemos mensalmente. Aqui, em São Sebastião, com espaço e vias mais abertas, conseguimos trabalhar bem. Mas dentro da cidade, sem estrutura, é outra história", disse ao Correio.

Marcelo Ferreira/CB/D.A Press - Caminhoneiro Gustavo Maia sobre medida de Ibaneis: Alterou muito nossas rotas

"As mudanças (de segurança) recentes até atrapalharam nossas rotas, mas são necessárias para melhorar a segurança", ressaltou Gustavo, referindo-se à decisão do governador Ibaneis Rocha, que proíbe o tráfego de caminhões e outros veículos pesados na DF-463 que dá acesso a São Sebastião. A proibição ocorreu após um grave acidente na região deixar uma pessoa morta e 13 feridas, em setembro.

Francisco Monteiro Nunes, 48, é caminhoneiro há 15, e acrescentou que o decreto trouxe benefícios e que não afetou tanto o seu trabalho. "Essa mudança na legislação deveria ter acontecido muito antes. A segurança melhorou, e acidentes diminuíram, mas é lamentável que só depois de tragédias que as coisas mudem", afirmou. Segundo o motorista, na empresa em que trabalha, a manutenção dos caminhões também é feita regularmente. "A segurança é prioridade e, graças a Deus, nunca aconteceu nada conosco nem aos outros. Infelizmente, nem todo mundo segue isso", ressaltou. 

Moradores

Além do perigo da circulação de veículos com grandes cargas, a falta de manutenção e a ausência de infraestrutura das vias preocupam. Calçadas esburacadas ou inexistentes, tomadas pelo mato, forçam pedestres a dividirem espaço com carros e caminhões. Como cita Mariana Tainan de Jesus, 35, moradora da Fercal e mãe de uma jovem cadeirante. Ela relatou o drama diário vivido nas proximidades da DF-150. "Atravessar a pista é praticamente impossível, pois não há rampas nem estrutura, e temos que correr para não sermos atingidas pelos caminhões. Perdi as contas de quantas vezes reclamei com as autoridades. É como se nós, moradores, não existíssemos", desabafou.

Marcelo Ferreira/CB/D.A Press - Mariana de Jesus diz que é um desafio ao atravessar via na Fercal com a filha Railana

A estudante Helen Santos, 19, cresceu na Fercal e conta que se acostumou aos perigos das vias. "Aqui, convivemos com caminhões o tempo todo. É fábrica para todo lado, e os veículos não param. É parte da rotina vê-los descendo com excesso de carga, sem freios, ou causando acidentes graves, como o que aconteceu com o pequeno Guilherme. Não temos calçadas adequadas, e o pouco que existe está tomado pelo mato. Vi pessoas desviando pelos buracos e quase sendo atropeladas. A sensação é realmente de abandono", enfatizou com tristeza.

 

Casa atingida

Traumatizado, Kelcy do Carmo Silva, vigilante, 60, levou um susto quando uma das pedras do acidente que matou Guilherme destruiu a frente de sua casa. Ele conta que antes do acidente vivia com medo. "Eu moro há sete anos na beira dessa pista (DF-150), e é dramático. O barulho dos caminhões é constante, e as paredes da minha casa até tremem. Depois da tragédia, meu portão foi destruído, meu carro danificado, e minha casa atingida. Ninguém veio aqui para prestar assistência ou ressarcir meus prejuízos", reclamou.

"Aqui, é só Deus por nós. Conversei com minha família diversas vezes que, por mim, teria saído daqui há muito tempo, mas ninguém quer comprar uma casa à beira de uma rodovia perigosa. Quando chegam aqui e observam as redondezas, eles (compradores) desistem na hora. Outro dia, tive que jogar minha bicicleta no canteiro para não ser atropelado", disse Kelcy, sobre a rotina enfrentada diariamente na região. 

Marcelo Ferreira - Kelsy do Carmo, morador que teve a casa e o carro atingidos

Manutenção

Mecânico de caminhões há 35 anos, Gilson Pereira Martins, 49, explicou que para ele a raiz do problema relacionado aos acidentes é falta de ajustes na estrutura dos veículos, ou seja, manutenção. "Muitos motoristas empurram a manutenção com a barriga, porque o serviço oferecido por eles é barato e não cobre os custos. É aquela história: 'Só mais uma viagem', e é nessa viagem que acontecem as tragédias", afirmou. Ele ainda ressalta que a região é movida aos grandes automóveis e é necessário encontrar uma solução que agrade a todos. "Aqui é tudo sobre caminhão. Sem eles, a Fercal para", concluiu.

Marcelo Ferreira/CB/D.A Press - Gilson Pereira Martins é mecânico de caminhões há 35 anos

Na oficina ao lado, Edílson Borges, 51, também relatou que o problema não é o caminhão em si, mas a falta de manutenção. "O caminhão pode ser velho, mas se for bem cuidado, roda pra sempre. O que vemos aqui são motoristas que não conseguem arcar com os custos porque as empresas pagam mal e atrasam meses. Outro dia, atendi um caminhoneiro que estava rodando com a bomba d'água estourada, correndo o risco de perder o motor. Isso é descaso total e precisa ser melhorado", acrescentou.

Marcelo Ferreira/CB/D.A Press - Edilson Borges destaca a importância da manutenção

Mais segurança

O Departamento de Estradas de Rodagem (DER) informou em nota que estudos técnicos foram realizados para adequar a DF-463 (São Sebastião), com melhorias previstas, assim como a implantação de elementos de segurança necessários para que a rodovia seja liberada e que os caminhões voltem a trafegar, isso tão logo os serviços sejam concluídos.

Marcelo Ferreira/CB/D.A Press - Placas em São Sebastião alertam o perigo na rodovia da região

De acordo com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), colisões frontais, atropelamentos de pedestres e tombamentos são os acidentes mais comuns nessas regiões. Fatores como ultrapassagens indevidas, ausência de elementos de contenção e falta de sinalização adequada contribuem para o alto índice de acidentes. O órgão ainda destaca que a direção defensiva, a revisão periódica dos veículos e o respeito à sinalização são fundamentais para evitar tragédias.

O motorista do caminhão envolvido no acidente na Fercal passou por uma cirurgia, mas não teve riscos. No entanto, a criança atingida pela pedra não resistiu aos ferimentos e veio a óbito no local. A Coopercam continua em contato com os familiares e permanece prestando todo o auxílio aos envolvidos no acidente. Agora, a empresa aguarda o resultado da perícia.

 

Mais Lidas

Marcelo Ferreira - Kelsy do Carmo, morador que teve a casa e o carro atingidos
Marcelo Ferreira/CB/D.A Press - Gilson Pereira Martins é mecânico de caminhões há 35 anos
Marcelo Ferreira/CB/D.A Press - Edilson Borges destaca a importância da manutenção
Marcelo Ferreira/CB/D.A Press - Placas em São Sebastião alertam o perigo na rodovia da região
Marcelo Ferreira/CB/D.A Press - Caminhoneiro Gustavo Maia sobre medida de Ibaneis: Alterou muito nossas rotas
Marcelo Ferreira/CB/D.A Press - Cruz no canteiro da pista da BR- 251 reflete o perigo do trecho
Marcelo Ferreira/CB/D.A Press - Entrada de São Sebastião com aviso de proibição do acesso de caminhões
Marcelo Ferreira/CB/D.A Press - Mariana de Jesus diz que é um desafio ao atravessar via na Fercal com a filha Railana

Prevenção para evitar tragédias

Uma política eficaz de prevenção e combate aos acidentes de trânsito envolvendo caminhões — ou qualquer outro tipo de veículo — depende de um estudo detalhado sobre as causas das tragédias e dos locais dos sinistros, apontam especialistas ouvidos pelo Correio.

Paulo César Marques, professor de engenharia de tráfego da Universidade de Brasília (UnB) lembra que a inspeção técnica veicular, prevista no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), desde 1998, nunca foi adotada no Distrito Federal. "Para veículos de carga, esse é um instrumento fortíssimo de segurança", defende.

Além da vistoria prevista em lei, Marques considera imprescindível que o DER e Detran façam uma análise detalhada dos resultados das perícias dos locais desses acidentes para entender as causas e, assim, traçar política pública de prevenção e combate às tragédias. "Os órgãos precisam fazer um diagnóstico mais preciso, levantar se existe problema no traçado físico da pista, se é falta de manutenção dos veículos ou problema na formação de condutores, por exemplo".

Anel viário

A convivência conflituosa entre veículos de carga ou de grande porte, carros de passeio e pedestres ocorre diariamente nas principais rodovias que cortam o DF, como as BRs 070, 060, 040 e a BR-251.

Davi Duarte Lima, professor e Ph.D. em segurança de trânsito pela Université Libre de Bruxelles, Bélgica, e pós-doutor pela Universidade do Minho (Portugal), explica que esse tipo de veículo dificulta a visibilidade de outros condutores e precisa de um tempo maior para parar em casos de emergência, prejudicando a segurança viária.

Problemas que, de acordo com Duarte Lima, podem ser amenizados de duas formas. "O poder público deve fazer estudos técnicos específicos para cada tipo de via e, a partir dele, criar alternativas para veículos de grande porte ou restringir a circulação deles em determinados locais. A construção do anel viário é outra alternativa para tirar o trânsito de quem passa por aqui, mas não precisa entrar em Brasília." Segundo ele, a obra é eficiente para tirar o tráfego de passagem que é completamente indesejável dentro das cidades.

» CONTINUA NA PÁGINA 14