A Polícia Civil (PCDF) investiga um suposto esquema de adoção ilegal — conhecida como "adoção à brasileira". O caso veio à tona após funcionários do Hospital Regional de Sobradinho (HRS) desconfiarem de um homem, de 40 anos, que se apresentou como pai de uma criança recém-nascida, em setembro deste ano. A mãe do bebê, moradora de Planaltina, de 36, vive em situação de vulnerabilidade social e já deu à luz a 15 crianças. O homem, que apresentou certidão de nascimento da mais nova, é funcionário de uma empresa em Belo Horizonte e, aparentemente, não tinha intimidade com a genitora.
Ontem, agentes da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) cumpriram três mandados de busca e apreensão no Distrito Federal e em Minas Gerais, um deles contra o homem que apresentou no hospital um documento em que dizia ser pai da criança. O suspeito foi encontrado e contou aos policiais que fez exame de DNA, porém o resultado deu negativo. Quatro celulares foram apreendidos. Os aparelhos, agora, passarão por análise para verificar se há mais provas da fraude.
Segundo a investigação, nenhum dos envolvidos tem histórico criminal, mas os investigadores suspeitam que a mãe tenha praticado a mesma conduta outras vezes. "Há indícios de que a genitora tenha praticado isso em outras ocasiões, considerando o elevado número de partos. Hoje, ela vive com somente três dos 15 filhos", disse o delegado Maurício Lacozzilli.
Nessa fase da operação, nenhum dos envolvidos foi preso. A mulher, que quebrou o pé no início da semana, está internada no HRS. O bebê ficou abrigado de forma cautelar pela Vara da Infância e Juventude.
Caso seja comprovado que o homem tentou adotar a criança ilegalmente, ele pode pegar de dois a seis anos de prisão, de acordo com o Código Penal. Além disso, se a mãe tiver recebido dinheiro ou qualquer outro tipo de vantagem para entregar a criança, ela também pode ser presa por até quatro anos, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente.
O caso
Segundo a PCDF, a operação começou após a mulher ter realizado parto no hospital. A equipe da unidade de saúde, no entanto, suspeitou do homem que disse ser pai da criança e acionaram o Conselho Tutelar e a polícia.
O homem foi encaminhado à DPCA para prestar depoimento e relatou ser casado e morar em Belo Horizonte. A criança seria fruto de um relacionamento extraconjugal com a mulher. O suspeito ainda afirmou ter viajado para a capital do país com a intenção de acompanhar o parto e pretendia levar o bebê para a cidade mineira.
Apesar disso, os investigadores duvidaram da história, já que diversos outros indícios apontavam que o "casal" nem mesmo se conhecia. "A desconfiança ficou maior, depois que constatamos que a mãe biológica deu à luz 15 vezes", contou Lacozzilli.
Apesar de ter diretrizes bem claras quanto a sua ilegalidade, a "adoção à brasileira" ainda é prática muito comum, em algumas regiões do Brasil. Essa conduta, no entanto, é punida com até seis anos de reclusão, de acordo com o artigo 242 do Código Penal.
Segundo a advogada Raquel Carrijo, especialista em gestão jurídica, a chamada adoção à brasileira é um jeito antigo e errado de tentar ter um filho. "É a prática ilegal de registrar um filho de outra pessoa em seu próprio nome, sem passar pelo processo formal de adoção. Essa prática era comum no passado, mas deixou de ser permitida por diversos motivos, como violação dos direitos da criança. A criança tem o direito de conhecer sua origem e sua identidade", conta.
Ainda de acordo com a especialista, o ato causa insegurança jurídica. "A criança adotada dessa forma pode não ter registro, ou ter, mas de forma irregular. Poderá haver dificuldades em receber herança ou pensão, por exemplo. Há também risco para os pais biológicos, que podem ser responsabilizados criminalmente por entregar a criança", alerta.
Se a adoção à brasileira for descoberta, a guarda da criança pode ser revertida para a família biológica, caso seja possível e esteja no interesse da criança. Caso contrário, a criança poderá ser encaminhada para uma família substituta por meio do processo regular de adoção.
Fila de espera
De acordo com Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), o Sistema Nacional de Adoção do Conselho Nacional de Justiça (SNA) possui 75 crianças e adolescentes disponíveis e 460 pretendentes habilitados.
Ainda de acordo com o TJDFT, o tempo de espera para a adoção no Distrito Federal depende do perfil da criança e adolescente que a pessoa define no processo de habilitação. Quem deseja adotar bebê ou criança de até 5 anos, saudável e sem irmãos terá de esperar por um tempo indeterminado, uma vez que a maioria das famílias habilitadas deseja esse perfil. Não é possível para a 1ª Vara da Infância e da Juventude do DF (1ª VIJ-DF) saber quanto tempo levará o processo, visto que crianças com essas características são em menor número e não permanecem cadastradas para adoção por longo período.
Por outro lado, quem tem motivação e disponibilidade afetiva para acolher crianças acima de 6 anos ou adolescentes, com deficiência ou problemas de saúde, ou ainda grupos de irmãos, pode iniciar o processo de adoção logo após o deferimento da habilitação, respeitada a ordem de classificação no SNA, uma vez que os menores com esse perfil já estão cadastrados e disponíveis, aguardando uma família.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garante, ainda, prioridade de tramitação para os processos de adoção em que o adotando for criança ou adolescente com deficiência ou grave problema de saúde.
As pessoas interessadas em adotar no Distrito Federal devem inicialmente procurar a Defensoria Pública ou assistência jurídica particular, a fim de dar entrada na sua habilitação para adoção na 1ª VIJ-DF. Somente depois de deferido o processo de habilitação, a pessoa entrará no Sistema Nacional de Adoção (SNA).