Espalhados pelo país e escondidos atrás de telas, criminosos cibernéticos seguem na busca voraz por potenciais vítimas para faturar alto com os golpes virtuais. No Distrito Federal, uma megaoperação da Polícia Civil (PCDF) que resultou no bloqueio de mais de R$ 1 milhão em contas bancárias para ressarcimento às vítimas, expõe a ousadia dos criminosos e coloca em evidência a importância do registro da ocorrência.
A operação de ontem foi desencadeada pela 9ª Delegacia de Polícia (Lago Norte) e cumpriu quatro mandados de busca e apreensão contra a organização criminosa. De forma articulada e discreta, a quadrilha montou uma central no estado de São Paulo como pontapé para o começo da empreitada criminosa. Segundo a investigação, somente no Distrito Federal, ao menos 12 vítimas registraram ocorrências relacionadas ao grupo. "Na maioria das vezes, as vítimas são sempre idosos com pouca familiaridade com informática", destacou o delegado Erick Sallum.
De São Paulo, os estelionatários ligavam para pessoas de todo o Brasil e se passavam por representantes de centrais de segurança de bancos e induziam as vítimas a acessarem sites clonados — que imitavam as páginas oficiais das instituições — e baixarem um falso antivírus. O programa, na verdade, instalava um malware chamado GhostRat, que permitia acesso remoto total aos celulares das vítimas, possibilitando até saques e transações financeiras.
Durante o cumprimento dos mandados de busca, a polícia encontrou cerca de R$ 556 mil e US$ 4 mil em uma das residências. Os criminosos foram indiciados por fraude eletrônica, associação criminosa e lavagem de dinheiro. De acordo com o delegado, os valores apreendidos são depositados em conta judicial e, após a condenação, o dinheiro vai para ressarcir as vítimas. "Nossa preocupação é sempre ressarcir as vítimas. Prender apenas não adianta. Os bancos não restituem os valores nesses golpes. Imagina você, aposentado, tendo que pagar uma dívida de R$ 200 mil com juros?", argumentou Sallum.
Migração on-line
Dados do Anuário de Segurança Pública de 2023 mostram que a cada hora, 208 brasileiros são enganados por criminosos on-line. No total, foram 1.819.409 estelionatos, um aumento de 326,3% desde 2018.
A tecnologia permitiu que a migração dos criminosos para os golpes ficasse mais acelerada. Entre os fatores está um risco menor de prisão e confronto direto com as vítimas, maior lucratividade, facilidade com os mecanismos da internet e a sensação de impunidade. Welliton Caixeta, pesquisador vinculado ao Grupo Candango de Criminologia (GCCrim/FD), explica que, em casos de golpes, geralmente, os criminosos são golpistas de oportunidades, que migram para a internet com a ideia de que não serão rastreados, localizados e detidos, e, por isso ficarão impunes.
"Quanto ao perfil, podemos observar que, na maioria dos casos, são jovens com familiaridade e experiência prática com tecnologia, computador ou outro dispositivo conectado à internet. Dependendo do tipo de crime — por exemplo: pedofilia, calúnia, difamação e injúria — agem como 'lobos solitários'. Já no caso de outros crimes cibernéticos — como compras falsas on-line, fraude de identidades, furto de dados financeiros ou de pagamento com cartão, furto e venda de dados corporativos, ciber extorsão etc. — os criminosos podem agir em grupo, em organização criminosa", exemplifica.
O delegado Henry Galdino, chefe da Divisão de Proteção ao Consumidor da Coordenação de Repressão aos Crimes Contra o Consumidor, a Propriedade Imaterial e a Fraudes (Corf/DPCon), explica que não há um perfil específico desse tipo de criminoso, tendo em vista que eles descobriram a facilidade e a rentabilidade dos golpes eletrônicos. "Todavia, os cabeças das organizações criminosas geralmente são pessoas que conhecem de tecnologia ou pagam para pessoas que conhecem."
Conseguir dados pessoais das vítimas, como telefones, CPF, RG e nome completo não é dificuldade para os estelionatários. "Eles (os criminosos) conseguem em fontes abertas e em plataformas clandestinas de bancos de dados, e, ainda, com colaboradores de instituições financeiras envolvidos nas fraudes", frisa o delegado.
Faça o boletim
Os dados mais recentes da Polícia Civil sobre o total de registros de crimes praticados pela internet são de agosto deste ano, contabilizando 2.197 ocorrências no mês — no número, inclui estelionatos, falsa identidade, ameaça, injúria, furto mediante fraude, difamação, extorsão, calúnia e outros. O crime de estelionato cometido pela internet ocupa o topo do ranking, com 26.253 registros entre janeiro de 2023 e agosto de 2024. Desse total, 10.899 ocorreram somente nos primeiros oito meses deste ano.
A Secretaria de Segurança Pública (SSP/DF) só dispõe de dados de 2022 e 2023. A pasta informou que houve uma queda de 7% nos crimes de estelionato na capital, com 46.548 ocorrências em 2023 contra 50.071 casos de 2022. Mas esse número pode ser bem maior, já que nem todas as vítimas declaram oficialmente o golpe. Levantamento divulgado em agosto deste ano sobre o cenário de golpes e fraudes virtuais, feito pela Koin, fintech especializada em prevenção de crimes em e-commerce, aponta que 62,4% dos brasileiros já sofreram alguma tentativa de golpe virtual — 92,3% delas, por meio de dispositivos móveis, principalmente celulares. E um aspecto relevante é que 64,3% das pessoas não registraram boletim de ocorrência após sofrerem a ameaça, indicando uma possível falta de confiança na resolução do problema ou desconhecimento sobre a importância desse registro.
Em nota, a SSP/DF ressalta que os levantamentos das ocorrências são utilizados na elaboração de estratégias para o policiamento ostensivo da Polícia Militar (PMDF), bem como para a identificação e a desarticulação de possíveis grupos especializados por parte da PCDF. O boletim de ocorrência pode ser feito em delegacias localizadas nas regiões administrativas e também por meio da Delegacia Eletrônica, disponível em https://www.pcdf.df.gov.br/servicos/delegacia-eletronica.