Nada legitima o feminicídio

Por Raoni Maciel, promotor de Justiça e coordenador do Núcleo de Defesa da Vida do Ministério Público do DF (MPDFT)

"O STF declarou, na ação de descumprimento de preceito fundamental nº 779, a inconstitucionalidade das teses de legítima defesa da honra nos crimes violentos contra as mulheres. A decisão monocrática do Ministro Dias Toffoli em fevereiro de 2021 foi referendada e confirmada no mérito. O acórdão do Tribunal Pleno foi publicado em 1º de agosto de 2023.

Nunca houve previsão legal ou constitucional que permitisse a absolvição por legítima defesa da honra. Na verdade, sempre se tratou de construção retórica sem respaldo jurídico. No entanto, encontrava ressonância no sentimento de uma parcela da sociedade brasileira, machista, misógina e violenta. Como os crimes contra a vida são julgados pelos jurados, cidadãos comuns, reunidos em conselho de sentença, a tese era utilizada na sessão plenária de julgamento.

Como nunca foi juridicamente legítima, a absolvição fundada na legítima defesa da honra sempre foi anulável em recurso de apelação ao Tribunal. Isso dava-se mesmo antes da Constituição de 1988, e pode-se citar o famoso caso do assassinato de Ângela Diniz, com réu absolvido num primeiro julgamento em que essa tese foi utilizada, porém submetido a novo julgamento e então condenado.

O que o Supremo Tribunal Federal fez, portanto, não foi apenas dizer que a absolvição é inconstitucional, pois isso seria dizer o óbvio é uma decisão sem nenhuma repercussão jurídica. A decisão diz muito mais, diz que é inconstitucional invocar quaisquer teses que utilizem a honra masculina como legitimação para o cometimento de crimes violentos contra a mulher.

É o próprio discurso, odioso e desumanizador, de que a mulher possa ser responsável por sua morte, que está proibida. Na referida ação, os ministros do Supremo Tribunal Federal interditaram esse discurso, proibiram-no, e o fizeram com a certeza de que o Poder Judiciário dali em diante não deveria sequer permitir que fossem ventiladas as teses de que a mulher pudesse haver, de alguma forma, provocado a violência de que foi vítima.

A sociedade brasileira evoluiu muito, o discurso odioso da tese de legítima defesa da honra encontra pouquíssimo respaldo, e passou a estar proibida sua utilização retórica nos tribunais brasileiros."


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