Nesta semana, uma faixa com um "alerta" foi instalada em um balão que fica em uma das três entradas de Águas Claras. A mensagem dizia: "Atenção! Não venha morar em Águas Claras, o trânsito daqui é um inferno, e vai piorar ainda mais!". Os problemas passam por falta de acessos e estacionamentos, excesso de semáforos e cruzamentos, além de engarrafamentos que podem durar horas.
Moradores de Águas Claras e pessoas que deslocam-se diariamente à região administrativa para trabalhar descrevem um cenário caótico do trânsito nas vias locais. Ao Correio, especialistas em mobilidade afirmaram que a mudança no gabarito de altura máxima nas edificações da cidade e o aumento contínuo da população contribuem diretamente para o agravamento do problema.
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Segundo dados do Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF), por meio da pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD), Águas Claras abrigava 120.107 pessoas em 2021. O Departamento de Trânsito do DF (Detran-DF) apontou que, em média, aproximadamente 56 mil veículos circulam diariamente pelas vias da cidade.
Artur Morais, doutor em transportes, explicou que, inicialmente, a cidade foi planejada para ter edifícios de até oito e 12 andares, a depender da região. Contudo, o gabarito foi modificado no meio do percurso. "Hoje, nós temos edifícios com 30 andares, o que fez com que a população ultrapasse o que era planejado para a região, e o sistema viário não foi alterado", apontou.
O especialista destacou que as famílias que residem na localidade atualmente têm, em sua maioria, um veículo para cada membro, diferentemente do estipulado no projeto, quando cada família teria apenas um. Morais vive na RA e tem o costume de circular apenas de transporte coletivo. Segundo ele, essa é a única opção para sanar o problema. "A solução é passar a usar o metrô e o transporte coletivo por ônibus. As pessoas não vão deixar de comprar carros, mas precisam deixar de usar apenas o veículo. É preciso mudar os hábitos", disse.
O empresário Ricardo Valim de Paiva, 59 anos, mora em Arniqueiras, mas trabalha diariamente em Águas Claras. Segundo ele, o trânsito na região é pesado, e a quantidade de construções impossibilita alternativas para escoamento. "Se continuarem construindo prédios tão grandes para abrigar tantos moradores, essa cidade vai parar. São muitas projeções, perto umas das outras, feitas sem olhar para urbanização. Eu acredito que, futuramente, corremos o risco de encarar um cenário pior do que o atual", analisou.
A nutricionista Maria Rosa Marino, 38, morou em Águas Claras por 24 anos e mudou-se recentemente para o Park Way. Apesar disso, seus filhos continuam estudando na região administrativa. "Eu trago eles e busco todo dia. Já houve vezes de eu sair da escola deles, que fica na 301, para levar até a altura da 204, mais ou menos, e gastar o mesmo tempo que demoro saindo da escola e indo direto para o Park Way. Não é sempre que isso acontece, mas há dias específicos em que o trânsito para", contou.
O especialista em trânsito Wellington Matos avaliou que a falta de estacionamentos e garagem nos edifícios também contribui para o agravamento do problema. Na visão dele, não haverá melhoras significativas somente com o trabalho de fiscalização. Apesar de elogiar a atuação do Detran e as últimas mudanças feitas na região, Matos acredita que é preciso haver melhora no transporte público, voltar o olhar da sociedade aos ciclistas e educar os condutores para que respeitem não só a sinalização vertical, mas a horizontal também.
"Hoje, temos basicamente uma via de ida e volta. Duas faixas indo e duas faixas voltando. Num trânsito daquele tamanho, com a verticalidade dos prédios, é impossível que haja fluidez. É preciso construir prédios-garagens para que o trânsito tenha mais espaço, e aumentar a faixa do ciclista para que possam fazer o movimento de ir e vir com mais tranquilidade. Com isso, conseguiremos liberar espaço para o cadeirante e para o portador de necessidade especiais, fazendo com que haja uma cidade mais tranquila e mais fácil de se locomover", pontuou.
Rhaynner de Souza, 40, profissional da área de decoração, sai de Taguatinga diariamente para trabalhar em Águas Claras. Ele declarou que a dor de cabeça é sempre a mesma. "É um congestionamento intenso tanto na hora de vir, às 7h30, como na hora de voltar, às 18h30. Não tem estratégia para fugir, onde a gente vai está engarrafado. Eu acho que é muito prédio para pouca pista, eu nem sei como poderia melhorar a situação. Acho que já não tem como resolver", lamentou.
O engenheiro civil Caio Brito, 28 anos, mora em Águas Claras, mas trabalha no Plano Piloto. Segundo ele, para não se atrasar, é necessário sair de casa cerca de uma hora antes. "Eu me planejo e saio mais cedo para tentar fugir do engarrafamento e chegar aos meus compromissos no horário. Se não for assim, corremos o risco de passar horas no trânsito. Acredito que um planejamento melhor das sinalizações melhoraria a situação um pouco."
Presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Distrito Federal (Sinduscon-DF), Adalberto Cléber Valadão Júnior destacou que Águas Claras é uma cidade planejada e com infraestrutura grande e robusta. "O crescimento desordenado, principalmente em volta da cidade, como em Vicente Pires, Areal e tantos outros, traz uma pressão de mobilidade para a região que não havia sido pensada e planejada previamente." Júnior reforçou a necessidade de investir em transporte coletivo, como ônibus com mais integração, metrô, VLT, entre outros.
"Última opção"
As vias de Águas Claras são a última opção de tráfego para os motoristas de aplicativo. Morador do Guará, Paulo Henrique Rodrigues, 36 anos, atua na área há sete anos e relatou que faz de tudo para não ter que trabalhar na região. "Anos atrás, ainda era possível fazer viagens e se locomover dentro de Águas Claras, mas à medida que o tempo passa, fica cada vez mais complicado lidar com o trânsito. As ruas são estreitas, há muitos empreendimentos e o projeto da cidade já não suporta a quantidade de moradores que a região abriga. O trânsito de Águas Claras não comporta o que a cidade realmente se tornou", reclamou.
O motorista apontou que a quantidade de semáforos e cruzamentos e a falta de acessos impedem a fluidez do trânsito. "Eu acho que é preciso haver um estudo de trânsito por parte do GDF para analisar a quantidade de acessos das vias e pensar nas soluções para os horários de pico. É preciso ações para melhorar a qualidade de tráfego e, consequentemente, a qualidade de vida, porque essas situações têm afetado os moradores", apontou. Paulo contou que muitos de seus familiares vivem na região e buscam residir nas pontas para ficar próximos às saídas.
Também motorista de aplicativo, Edson da Silva Ribeiro, 57, é morador do Entorno do DF, vive em Águas Lindas de Goiás, mas trabalha diariamente nas vias da capital. Ele classificou o trânsito de Águas Claras como o pior de Brasília. "De manhã, 12h e à tarde é comum ficar preso por mais de uma uma hora. A minha estratégia é evitar a cidade em horários de pico." Ele avaliou que três entradas/saídas para a região não são suficientes.
Ações
Questionado pelo Correio acerca dos planos para melhorar a mobilidade na região, o Governo do Distrito Federal (GDF) respondeu que a Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob) implantou o serviço de transporte de vizinhança (zebrinha) em Águas Claras no início deste ano.
Segundo a pasta, o zebrinha beneficia a mobilidade dos passageiros na cidade, facilitando, sobretudo, a integração com o Metrô-DF. "Os zebrinhas são veículos menores (miniônibus), ágeis, que se deslocam com maior facilidade nas vias internas da cidade, oferecendo viagens mais rápidas e confortáveis. O serviço facilitou o deslocamento das pessoas para escolas, clínicas e o comércio local, entre outros. São três veículos com ar-condicionado e acessibilidade. Ao todo, realizam 38 viagens por dia, com intervalo de 23 minutos entre os horários de partida", disse a Semob por meio de nota.
O Detran-DF informou que tem atuado rotineiramente na manutenção da sinalização viária e com ações de fiscalização para coibir a prática de estacionamento irregular e garantir a fluidez do tráfego.
A Administração Regional de Águas Claras se limitou a dizer que, em parceria com demais órgãos do governo, tem trabalhado na melhoria do trânsito na região administrativa.
Avenida Cidades
Existe há décadas a promessa de construir uma pista para ligar o Setor Policial Sul a Samambaia. A presença de um corredor viário entre as duas regiões consta no Plano Diretor de Ordenamento Territorial (Pdot) do DF de 1997, mas nunca saiu do papel. A proposta, anteriormente chamada de Interbairros e de TransBrasília, chama-se atualmente de Avenida das Cidades.
A Semob esclarece que o projeto da Avenida das Cidades foi debatido com a sociedade em audiência pública e que o processo continua tramitando no TCDF. A pasta está fazendo as adequações sugeridas pela Corte e acrescenta que após a liberação do processo pela Corte, o GDF fará o processo licitatório do empreendimento. A obra tem custo estimado em R$ 2,9 bilhões, pode gerar cerca de 100 mil empregos e será executada por meio de parceria público-privada (PPP).
Segundo a Semob, a avenida terá extensão de 26 quilômetros, com ciclovias e calçadas, sendo uma nova via de ligação entre o Plano Piloto e Guará, Arniqueira, Águas Claras, Park Way, Samambaia e Taguatinga. O complexo urbanístico, de acordo com a pasta, vai contribuir para a criação de centros de negócios, lazer e habitação. A Semob não informou previsão para o início das obras.
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