Consciência negra

Jornada pela ancestralidade abre as celebrações do mês da Consciência Negra

Com narrativa poética e intensa sobre busca da identidade e memória, o espetáculo Danúbio apresenta ao público brasiliense uma conexão entre passado e presente

Numa jornada poética e intensa de busca pela identidade e memória negra, os atores Kalebe Lizan e Malik Leôncio transitam entre momentos de leveza e profunda reflexão em Danúbio, peça em cartaz no Sesc Ceilândia. A direção de Jonathan Andrade, que também assina o roteiro, propõe uma ambientação simbólica e etérea, envolvendo o público em uma atmosfera onírica onde o passado e o presente se entrelaçam. O uso de luzes, neblina e sons ao vivo reforça o impacto emocional, criando um espaço quase sagrado no qual a narrativa se desenvolve com fluidez e introspecção.

A obra chega como uma homenagem à memória e ancestralidade negra, abrindo as celebrações do mês da Consciência Negra no Distrito Federal. A trama explora a jornada de um personagem que resgata suas próprias memórias, divididas entre infância e juventude.

Kayo Magalhães/CB/D.A Press - Espetáculo celebra o Dia da Consciência Negra

O cenário também é fortemente marcado por referências à cultura afro-brasileira e traz elementos narrativos fundamentais, como a presença da morte; figura central e onipresente, ela conduz o protagonista a encarar medos e incertezas com um olhar lírico sobre o fim e o recomeço.

Um dos aspectos mais marcantes da peça é o diálogo constante entre Danúbio e sua própria história, simbolizado pela interação dos personagens em diferentes fases da vida. A direção explora bem essa dualidade temporal, permitindo que a criança e o jovem Danúbio se confrontem e se completem na busca por respostas sobre suas origens.

As atuações de Kalebe e Malik são outro ponto alto da produção, com grande sintonia e entrega emocional, tornando a experiência do espectador mais intensa. Kalebe, no papel do jovem Danúbio, transita entre o desespero e a descoberta. Mas a grande surpresa fica por conta de Malik, de apenas 13 anos. Ele traz uma inocência cativante ao papel da infância do protagonista, com um desempenho excepcional para a primeira passagem dele nos palcos. Juntos, eles criam uma dinâmica que convida o público a pensar sobre os ciclos de vida e morte, explorando sentimentos de perda, esperança e pertencimento.

Kayo Magalhães/CB/D.A Press - Os atores Malik Leôncio e Kaleb Lizan dividem o papel principal

Além da trama envolvente, Danúbio provoca reflexões sobre as histórias herdadas e o que elas representam para a construção de nossa identidade. E questiona o apagamento de memórias do povo negro e a importância de resgatá-las para entender quem somos e de onde viemos. Em determinado momento, uma fala traduzida do iorubá evoca essa ancestralidade como força vital e inspiradora, reforçando a necessidade de preservar nossas raízes.

Identidade

Para o diretor Jonathan Andrade, Danúbio é, acima de tudo, uma celebração da vida e das memórias esquecidas, agora resgatadas e recontadas para não serem novamente silenciadas. "Muito dessa memória vem sendo triturada por uma série de dinâmicas. Aqui, propus um lugar onde o corpo preto contemporâneo se reconhece, reflete sobre sua dor e busca, na ancestralidade e na complexidade da vida, ferramentas para pensar e transformar sua própria experiência. Um protagonista negro dialoga consigo mesmo, acessando camadas profundas de passado, presente e futuro", explica.

Kayo Magalhães/CB/D.A Press - Jhonathan Andrade, diretor: celebração da vida

Segundo Andrade, a construção do espetáculo foi profundamente pessoal e reflete também desafios reais vividos pela comunidade negra. "Estamos buscando uma nova representação, livre de estigmas. Ao apresentar um corpo negro como protagonista, com sua complexidade e conectado consigo e com o mundo, estamos contribuindo para uma filosofia contemporânea da negritude, a qual pode se emancipar a partir da própria autenticidade", comenta o diretor.

Da vida para o palco

Kalebe Lizan, 24 anos, que interpreta Danúbio na fase adulta, entende o papel além da atuação, sendo uma oportunidade de se reconectar à própria identidade. "É uma experiência muito bonita. A dramaturgia me permite explorar as diversas possibilidades e poesias do corpo negro. Danúbio, em particular, me ajuda a lidar com o fato de não conhecer minha família paterna. Encontro a força para seguir em frente, sabendo que em algum momento minha história vai ser resolvida. E, se isso não chegar, acreditar na minha socialidade a partir de mim", revela.

Malik Leôncio, que dá vida a Danúbio na infância, compartilha da visão de seu colega e fala sobre os desafios de trazer para o palco as incertezas e descobertas de uma criança em busca das próprias memórias. "Eu não conheço o meu avô paterno e isso influenciou profundamente minha interpretação. A dificuldade em expressar emoções fortes e a necessidade de enfrentar meus medos também foram cruciais para dar vida ao personagem. Com isso, eu pude explorar melhor os temas do roteiro", diz o jovem ator.

Primeiros espectadores

Os alunos do Centro de Ensino Médio 01 do Gama conferiram a peça em primeira mão, durante a pré-estreia realizada no último dia 31. A estudante Ana Beatriz Guedes, 16, gostou principalmente da ambientação da peça e destacou o papel conscientizador da trama. "Me instigou muito por deixar vários mistérios em aberto. Isso convida quem está assistindo a refletir sobre a história e seus personagens. Além disso, a obra aborda temas importantes como a experiência da raça negra na nossa sociedade", conta.

Fotos: Kayo Magalhães/CB/D.A Press - Os alunos do Centro de Ensino Médio 01 do Gama conferiram a peça em primeira mão

Luana de Oliveira, 15, vê na peça um espaço importante para a reflexão coletiva sobre a história e os desafios da comunidade negra. "Essa descoberta me instigou a aprofundar meus conhecimentos sobre o assunto. Acredito que compartilhar essa informação com outras pessoas pode promover uma maior valorização da cultura negra." afirma.

 

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