Um evento ampliado e que mantém a tradição de ser embalado por filmes inéditos e comprometidos com a fusão entre arte e reflexões políticas e sociais, abastecido ainda pelo componente da diversidade. É essa formatação prometida para a 57ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, promovido numa sala histórica (a do Cine Brasília), que agora leva o nome de Vladimir Carvalho, fundamental cineasta do DF morto há 14 dias.
"Vladimir sempre foi uma figura constante e um porto seguro, com sua eloquência e pujança. Tenho o coração cheio de saudade dele, sempre empenhado em ensinar e orientar", comentou o secretário de Cultura e Economia Criativa do DF, Claudio Abrantes, na coletiva de imprensa voltada à programação do festival, que será entre 30 de novembro e 7 de dezembro. Vale lembrar que Vladimir, em janeiro, pela ocasião dos 90 anos de nascimento, terá homenagem póstuma com exibição da filmografia completa no Cine Brasília (EQS 106/107).
No total, serão mostrados 80 filmes na programação do evento, que chega com nova estrutura, capaz de ampliar o local de exibição (na parte externa do cinema) e a promoção das atividades paralelas, entre as quais palestras — uma sala provisória (com 200 lugares) será montada anexa ao cinema, bem como dois auditórios usados para debate e para negociações de mercado. "Tudo terá acabamento apropriado, com cortina de filtro à prova de ruídos", assegurou a diretora geral do festiva, Sara Rocha, neta de Glauber Rocha.
O filme de abertura será o documentário Criaturas da mente (de Marcelo Gomes) — em torno do neurocientista Sidarta Ribeiro, que viveu em Brasília e estuda componentes de sonhos. A cidade também tem produção local no festival: a ficção Pacto da viola, de Guilherme Bacalhao, além de três curtas brasilienses que estão na mostra competitiva. O campo das homenagens trará celebração da estrela Zezé Motta (com apresentação do clássico Xica da Silva). A grandeza do produtor Luiz Carlos Barreto estará no documentário Barreto, fotógrafo das lentes nuas. Outra homenagem será para o clássico Meteorango Kid — Herói intergalático (de André Luiz Oliveira). Falecida este ano, a produtora, cantora e atriz Mallú Moraes será igualmente lembrada.
A configuração da mostra competitiva, parte central do evento, trará veteranos e estreantes, com ineditismo (no Brasil) de todos os filmes. Tarimbado no cinema e na tevê, o ator Irandhir Santos estrela Enquanto o céu não me espera, produção do Amazonas, da estreante diretora Christiane Garcia, que registra as dificuldades de um agricultor para perpetuar a herança do pai, no comando de um sítio. Também ligado à paternidade, o documentário Yõg Ãtak: meu pai, Kaiowá traz a comunhão entre quatro diretores: a multiartista Sueli Maxacali (presente na trama), o artista visual Isael Maxacali e a dupla Roberto Romero (antropólogo) e a educadora Luísa Lanna. Inovador, o filme promete ser o concorrente Salomé, um drama queer pernambucano conduzido por André Antonio e que coloca a protagonista Cecília dependente de um amor e de inesperada seita.
Habitués do Festival de Brasília também figuram, na lista de longas em disputa. Com a experiência que atravessa mais de 60 anos, Ruy Guerra comparecerá com A fúria, que encerra trilogia aberta com Os fuzis (1964) e A queda (1977). A fúria é codirigido por Luciana Mazzotti.
Num contraponto, uma comunidade com ares utópicos está na trilha da batalhadora Dora, no filme Suçuarana, estrelado por Carlos Francisco e Sinara Teles, e comandado por dupla já premiada em Brasília: Clarissa Campollina (que montou O último trago) e Sérgio Borges (O céu sobre os ombros).
Mais mostras
Além da competitiva, outras oito mostras integram o festival que se estenderá para três regiões administrativas: Planaltina, Gama e Taguatinga. "Dos anos de 1970 para 2024, o número de filmes e as conjunturas são muito diferentes. Veio daí a necessidade da mostra Caleidoscópio, em caráter também competitivo, com cinco longas", explicou o diretor artístico do festival, o crítico de cinema e curador Eduardo Valente.
O exame de quase 1.200 filmes, dentre os quais 277 longas, garantiu o lote de fitas selecionadas, "numa metodologia legítima e íntegra e que respeitou cada um dos inscritos", segundo Valente. Alguns curtas não-selecionados estarão na mostra Curta Brasília, logo subsequente ao festival. "A missão estará cumprida, se os espectadores se sentirem instigados nas conversas de bar, e nos debates das redes sociais, localizando dimensões estéticas e artísticas dos filmes", disse Valente.
Diversidade
As sessões competitivas no Cine Brasília serão às 21h. Antes de cada longa, a exibição de dois curtas seguirá a tradição. Na lista dos 12 curtas selecionados estão contemplados temas como ficção-científica situada em aldeia, a superação do luto, viagem criativa de retorno às festas black setentistas, contrabando, e uma animação realizada em stop motion (em obra de Tiago Minamisawa).
Além do tradicional circuito infantil projetado na mostra Festivalzinho, a Câmara Legislativa (que administrará R$ 240 mil em prêmios) traz a organização da Mostra Brasília, com 12 títulos. "Em 25 anos, já foram entregues R$ 3,1 milhões em prêmios que estimularam novas realizações em cinema. A Câmara Legislativa pode ir além, e ser parceira da cultura", demarcou Claudinei Pirelli, representante do prêmio. O secretário Claudio Abrantes aproveitou para destacar a garantia de recursos da ordem de R$ 10,5 milhões, via Fac (Fundo de Apoio à Cultura) para o audiovisual local. Ele ressaltou a intenção de recuperar pontos de difusão do cinema fora do Plano Piloto, como o Cine Itapuã (Gama) e o Teatro da Praça (Taguatinga).
O Festival de Brasília atribuirá à produtora Sara Silveira o prêmio Leila Diniz, destinado a talentos femininos do setor. Ao lado de Adirley Queirós e José Geraldo Couto, Sara estará no júri da mostra Caleidoscópio (com títulos arrojados e menos convencionais), que terá reservados dois Candangos (para premiação). Ao todo, serão atribuídos 40 troféus Candango no festival.
No segmento Festival dos Festivais, filmes de diretores consagrados como Petra Costa, Eryk Rocha, Luciano Vidigal, Érico Rassi e Gabriela Carneiro da Cunha trazem apanhado de fitas mostradas em outros eventos brasileiros.
O festival terá um orçamento inicial de R$ 3 milhões (que pode ser ampliado com parcerias). O encerramento terá o documentário O menino d'olho d'água (de Lírio Ferreira e Carolina Sá), centrado na figura do mestre instrumentista Hermeto Pascoal. Dia 8 de dezembro, de graça, haverá reprise dos vencedores do evento.
Presença brasiliense
Por Mariana Reginato*
Na Mostra Competitiva Nacional, quatro produções do DF foram selecionadas. Em curtas-metragens, o diretor Rafael Ribeiro Gontijo foi selecionado por Inflamáveis; Dácia Ibiapina pelo curta Confluências; e o diretor Nicolau por Descamar. A capital do país teve o maior número de curtas selecionados com as três produções, acima do Rio de Janeiro, que teve dois filmes selecionados. Em relação a longa-metragem, o filme do DF selecionado foi Pacto da viola, do diretor Guilherme Bacalhao.
O filme de Guilherme é autenticamente brasiliense, com produção e elenco de Brasília. Sobre a seleção para a Mostra Competitiva Nacional, o diretor comenta: "Todo trabalho que o filme dá, são anos de dedicação, ele se completa quando o filme consegue encontrar o público. Participar do Festival de Brasília, que é tão longevo e tradicional, além de espaço tão importante para criação de novos realizadores, é uma grande alegria".
Dácia Ibiapina teve o filme Confluências selecionado no festival. Confluências foi feito com o Nêgo Bispo, filósofo do Piauí, estado-natal de Dácia. No aniversário de 60 anos de Bispo, uma festa foi realizada nos quilombos da sua região e Dácia foi convidada. "Depois disso, fiquei encantada com os quilombolas da região e comecei a elaborar o documentário. Ano passado, ele acabou falecendo e eu fui muito tocada e comecei a montar o filme de outra forma", comenta.
"Confluências é um conceito dentro do pensamento do Nego Bispo inspirado na confluência dos rios, e que um rio quando conflui com outro maior que ele, ele não desaparece, ele simplesmente fica maior. Como ele falava, a gente pode confluenciar sem que um lado venha a tentar eliminar o outro. Eu pensei que esse filme poderia buscar essa confluência", destaca Dácia.
*Estagiária sob a supervisão de José Carlos Vieira
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