SAÚDE PÚBLICA

Acumuladores patológicos trazem riscos para a saúde pública

Neste ano, GDF retirou entulhos de 11 residências, totalizando cerca de 113 toneladas. Profissionais explicam os motivos do transtorno

O caso de uma moradora do Cruzeiro que acumulava 30 toneladas de entulho em casa trouxe à tona o problema dos acumuladores de lixo e entulho no Distrito Federal. Somente em 2024, os núcleos de Vigilância Ambiental em Saúde retiraram materiais de 11 imóveis de acumuladores, totalizando aproximadamente 113 toneladas. Esses imóveis passam por visitas a cada 15 dias e os moradores são orientados sobre prevenção a animais peçonhentos e criadouros de mosquitos. Segundo especialistas ouvidos pelo Correio, questões psicoemocionais explicam casos de acumuladores, mas é possível tratar.

Segundo a Secretaria de Saúde do DF, o transtorno de acumulação é um problema de saúde pública que necessita da ação de vários setores, entre eles a Atenção Primária à Saúde (APS), serviços de saúde mental especializados (Caps) e vigilância ambiental. 

Casos de vizinhos que acumulam lixo, gerando problemas como mau cheiro, proliferação de animais e outros incômodos, causam transtorno à salubridade e à saúde pública. É o que observa a advogada Solange de Campos César. Se o problema não for solucionado de forma amigável, a jurista orienta que é possível recorrer à Justiça para resolver a questão.

"A pessoa afetada pode enviar uma notificação extrajudicial ao vizinho, que é um documento formal relatando o problema e pedindo que seja solucionado, sinalizando que irá tomar medidas legais se a situação não for resolvida", sugere.

Não tendo sucesso por meios amigáveis, a especialista orienta que sejam tomadas medidas administrativas, como denúncia à Vigilância Sanitária, que pode inspecionar o local e exigir que o vizinho tome medidas corretivas; denúncia à Administração Regional ou à Secretaria do Meio Ambiente, se o acúmulo de lixo estiver causando danos ambientais. Caso o imóvel esteja situado dentro de um condomínio ou associação, o problema deve ser levado à assembleia geral extraordinária para deliberação sobre as medidas a serem tomadas, podendo ser aplicadas penalidades como advertência, multas e outras que estiverem previstas na convenção/estatuto e/ou regimento interno. 

Caso as medidas não surtam efeito, deve-se acionar a Justiça para buscar uma solução. "A depender do caso, poderá caber ação de nunciação de obra nova ou demolitória, se a acumulação de lixo estiver ligada a uma construção inadequada ou ao uso indevido do espaço; ação de obrigação de fazer, para exigir que o vizinho realize a limpeza e mantenha o local em condições adequadas; ação de dano moral, em caso de prejuízo significativo à qualidade de vida", elenca Solange.

"Se o acúmulo de lixo estiver causando problemas de saúde, como a presença de roedores ou insetos, ou se houver risco de incêndio, isso pode fortalecer um pedido de liminar, para uma intervenção mais rápida das autoridades", completa.

A Vigilância Ambiental não tem autorização e nem competência para fazer a retirada dos pertences sem antes convencer o acumulador. Só é possível entrar no imóvel com a autorização do responsável ou quando há risco à saúde pública.

Comportamento

De acordo com o neurocientista e mestre em psicologia Fabiano de Abreu Agrela Rodrigues, a acumulação compulsiva resulta de insegurança, apego emocional excessivo e, muitas vezes, traumas ou dificuldades de controle emocional. "O tratamento envolve terapia cognitivo-comportamental para modificar crenças e, em alguns casos, medicação. Intervenções forçadas podem agravar a angústia e reforçar o apego aos objetos", explica o especialista. 

O transtorno mental que faz alguém ter grande dificuldade em se livrar de objetos sem valor ou de pouca importância para outras pessoas é chamado de síndrome de acumulação compulsiva. "A síndrome causa dificuldade extrema em descartar objetos sem valor, com alterações nos circuitos cerebrais de regulação emocional e decisão. Mas há tratamento", destaca o neurologista. 

Fabiano relata o caso de uma paciente acumuladora que passou por um tratamento para se livrar do problema. "Ela acumulava revistas e pequenos objetos sem utilidade. Usamos Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e sessões guiadas para organizar o ambiente sem causar sofrimento à paciente", detalha. 

O psiquiatra Flávio Henrique do Nascimento explica que há diferença entre o acumulador patológico e o colecionador. "O acumulador patológico tem um acúmulo que interfere na saúde e na segurança, com objetos sem uso real e uma dificuldade extrema de desapego, enquanto o colecionador mantém objetos organizados com valor específico, sem prejuízo para o cotidiano. A diferenciação exige um diagnóstico formal para avaliar o impacto e o controle sobre o acúmulo", pontua.

 

Mais Lidas

Memória

Em 1º de novembro, a Administração Regional do Cruzeiro, em parceria com a Diretoria de Vigilância Ambiental em Saúde (Dival) da Secretaria de Saúde, realizou uma ação de limpeza na residência de uma moradora do Cruzeiro que acumulava 30 toneladas de entulho em casa, incluindo restos de móveis, roupas, eletrodomésticos e latinhas. Além dos objetos inservíveis, o local também abrigava focos de infestação de baratas e roedores, que representavam risco à saúde, tanto da moradora quanto dos vizinhos. Foram necessários oito caminhões para remover os entulhos. 

- Em 21 de março, um lote na QS 11, no Areal, passou por uma intervenção de quatro dias das equipes da Vigilância Ambiental em Saúde, do DF Legal e de membros do Projeto Mãos Dadas, da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seape/DF). Portas de ferro, painéis de vidro, rodas, peças de motores de carro, galões, latas de tinta, madeira, colchões, geladeira e máquina de lavar velhas faziam parte da montanha de entulho depositada no lote.