De janeiro a 15 de outubro deste ano, o Distrito Federal registrou 724 ocorrências de estupro. No mesmo período de 2023, foram 851 casos e um total de 1.033 ocorrências no ano inteiro. Geralmente, os autores desses crimes fazem de tudo para que quaisquer vestígios sejam eliminados e suas identidades mantenham-se desconhecidas. Mas a Polícia Civil do DF (PCDF), por meio do Instituto de Pesquisa e DNA Forense (IPDNA), dispõe de laboratórios equipados com tecnologia de ponta para identificar, por meio de análises genéticas, os responsáveis pelos crimes.
Por meio do banco de perfis genéticos, o IPDNA já identificou 92 estupradores em série que vitimaram 262 mulheres no DF, desde meados dos anos 2000. No banco, estão cadastrados perfis genéticos de vestígios coletados de cenas de crimes, de vítimas de agressores sexuais e de condenados por crimes violentos. O Correio esteve nos laboratórios onde as perícias em genética forense são realizadas e conversou com Samuel Ferreira, diretor do IPDNA da PCDF, que detalhou como as equipes trabalham.
A PCDF foi a primeira instituição no país a utilizar a técnica de genética forense em investigações criminais, a partir de 1996. Referência nacional e internacional, o IPDNA conta com mais de 20 equipamentos de tecnologia de ponta, entre eles plataformas de extração automática de DNA, quantificadores em tempo real de DNA, termocicladores para amplificação de DNA, sequenciadores e analisadores genéticos de última geração, além de duas máquinas que dispõem da mais recente inovação em exames de DNA, que é a tecnologia de DNA Rápido (Rapid DNA), capaz de realizar alguns exames com resultados em cerca de 90 minutos. O instituto foi o primeiro do país a trabalhar com a ferramenta, em 2022.
"Temos equipes de profissionais na área administrativa e na área técnica muito qualificadas, que são fundamentais para o sucesso do trabalho realizado. Na área técnica, por exemplo, são cerca de 16 profissionais entre peritos criminais, peritos médicos-legistas e técnicos de laboratório. Paralelo a isso, contamos com equipamentos sofisticados para extração de DNA, além do banco de perfis genéticos, que possibilita comparações e a identificação de autores de crimes, trazendo uma resposta para a Justiça, para a sociedade e, sobretudo, para as vítimas", apontou o Ferreira.
Segundo o diretor, que também é perito médico-legista e geneticista forense, o IPDNA atua em parceria com o Instituto de Medicina Legal (IML) e o Instituto de Criminalística (IC). "O IPDNA realiza os exames de DNA dos vestígios dos autores de crimes, coletados nos corpos das vítimas examinadas no IML durante o exame de corpo de delito, e dos vestígios dos autores de crimes, coletados
no local do crime, em objetos ou nas vestes das vítimas, pelo IC. O IPDNA analisa, então, os vestígios coletados, realiza os exames de DNA e obtém o perfil genético do agressor, possibilitando a sua identificação", explicou.
O Banco de Perfis Genéticos do IPDNA/PCDF está integrado nacionalmente, por meio da Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG) do Ministério da Justiça (MJ). A integração já possibilitou a identificação de estupradores em série que cometeram crimes no DF e em diversos estados do Brasil como, por exemplo, Minas Gerais, São Paulo e Goiás.
Denúncia
O último estuprador em série identificado e preso no DF, em 10 de setembro deste ano, foi João Batista Aquino Pereira da Silva, 37 anos. Ele só pôde ser identificado como autor de dois crimes sexuais, ocorridos em 2014 e 2019, em Ceilândia e no Cruzeiro, respectivamente, porque as duas vítimas o denunciaram e fizeram exames de corpo de delito, que detectaram vestígios de material biológico de origem masculina (espermatozoides).
O IPDNA processou os vestígios nos dois casos e inseriu os perfis genéticos no banco de dados de DNA, constatando que o material encontrado era da mesma pessoa, o que viabilizou, anos depois, a identificação do autor do crime, quando a DEAM I encaminhou um suspeito para a comparação genética.
O diretor do IPDNA destacou que o registro da ocorrência é imprescindível para que os autores sejam identificados e punidos. De acordo com ele, é a partir da ocorrência policial que se inicia a investigação por meio da qual as delegacias de polícia, as perícias e os exames de DNA poderão chegar à autoria do crime. "É muito importante que a vítima de violência sexual registre a ocorrência na delegacia mais próxima para prestar depoimento. Desse modo, o exame de corpo de delito, feito pelo IML para a constatação da materialidade do crime; e a coleta de vestígios no corpo da vítima ou no local do crime, feita pelo IC, podem ser realizados o mais rapidamente possível para análise de DNA", reforçou.
O psicólogo e professor do Centro Universitário UNICEPLAC Paulo Henrique Souza Roberto apontou os motivos pelos quais as vítimas comumente sentem medo de registrar as denúncias. "O receio decorre geralmente da sensação de impunidade; o medo do descrédito da revelação; a vergonha; o medo de retaliação do agressor e a angústia diante da impossibilidade de rompimento da condição de assujeitamento , principalmente, quando a vítima têm uma relação afetiva/emocional com o agressor. Tudo isso se soma ao contexto de vulnerabilidade em que essas vítimas geralmente ocupam, decorrentes da situação de pobreza. Mas não só: diversas pesquisas indicam ainda que a dependência financeira e a falta de apoio da família e da comunidade acarretam o silenciamento das vítimas diante das situações de violência vivenciadas."
Para encorajar as vítimas, segundo ele, é importante que haja acolhimento por parte de quem a confiança é depositada. "É importante que as vítimas sejam escutadas com atenção e sem juízos de valor. Quem escuta deve demonstrar acolhimento, atenção e zelo. Quando se trata de crianças, quem recebe esse pedido de ajuda deve oferecer proteção e ofertar imediatamente condições para que as situações de abuso cessem. Quando a ajuda for a adultos, é necessário incentivar sobre a importância da denúncia para reparação da situação, além da oferta de orientação e suporte, visando o rompimento do ciclo de abuso. A denúncia pode beneficiar tanto as vítimas quanto a sociedade em geral, porque gera inquietação, pois mobiliza para a ruptura de eventos estressores, como a violência", afirmou.
Acolhimento
Sônia Inácio dos Santos Rodrigues é gestora do Núcleo de Atenção às Pessoas em situação de Violência (Nupav) da Secretaria de Saúde do DF (SES-DF). Ela destacou que é necessário que toda a rede esteja envolvida e atuando de forma integrada para que vítimas de agressões sexuais sejam acolhidas e protegidas.
A capital conta com sete unidades do Nupav distribuídas pelas regiões de saúde, sendo que cada uma abriga uma unidade do Centros de Especialidades para a Atenção às Pessoas em Situação de Violência Sexual, Familiar e Doméstica (CEPAVs), também conhecidos como Flores em Rede. "Quando a pessoa sofre violência sexual, ela tem que procurar, de imediato, assistência em saúde para que receba os cuidados da Profilaxia Pós-Exposição (PEP). Após isso, a vítima é orientada a buscar o IML e a polícia. A gente prioriza o cuidado em saúde porque há a questão do tempo para ofertar a medicação: quanto mais rápido a pessoa for submetida ao tratamento, menores são os riscos", ressaltou.
Nos centros há equipes multiprofissionais que oferecem trabalho integrado de médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos. "As vítimas de violência sexual devem procurar imediatamente as Unidades Básicas de Saúde (UBS) ou o pronto-socorro, porque o Cepav trata-se de um acompanhamento ambulatorial que oferece, por pelo menos seis meses, atendimento com esses profissionais."
Saiba Mais
-
Cidades DF Conheça a professora do DF que teve projeto em questão do Enem
-
Cidades DF Pacientes denunciam falta de atendimento no Hospital Materno Infantil
-
Cidades DF Ex-PM é sequestrado por oito dias após dever R$ 30 mil a traficantes do DF
-
Cidades DF Embaixada dos EUA desmente construção de prédio subterrâneo com 9 andares