Justiça

Após decisão, professor do DF acusado de matar a mulher na Bahia é solto

Igor Azevedo Bomfim foi preso na sexta-feira, no Guará. Ele teria matado a então companheira em 2010. Mayara de Souza foi morta com sete tiros quando saía do banho

Igor trabalhava em uma escola pública aqui no DF. Mayara Lisboa morreu com sete tiros -  (crédito: Material cedido ao Correio)
Igor trabalhava em uma escola pública aqui no DF. Mayara Lisboa morreu com sete tiros - (crédito: Material cedido ao Correio)

Uma decisão judicial deferida pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA) concedeu, nesta terça-feira (19/11), alvará de soltura ao professor Igor Azevedo Bomfim, acusado de assassinar a então companheira Mayara de Souza Lisboa Azevedo, 22 anos, em 2010, no município de Santa Rita de Cássia, a 1.000 km de Salvador (BA). Quatorze anos depois do crime, Igor foi preso pela Polícia Militar (PMDF) na cidade do Guará, no DF. A detenção foi divulgada em primeira mão pelo Correio

A defesa de Igor entrou com um pedido no Supremo Tribunal Federal (STF) sob a alegação de que houve “prejuízo processual ao réu”. A principal alegação dos advogados do professor foi um possível erro no julgamento do recurso especial. Eles sustentaram que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) cometeu um equívoco ao considerar inadmissível o recurso especial. Ressaltaram que, ao declarar o trânsito em julgado (afirmar que a decisão era definitiva), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) limitou o  direito de locomoção do réu de forma indevida, sem analisar as questões levantadas no recurso especial. Fator esse que estaria dificultado ao réu de ter uma revisão adequada da sentença. 

Por esses motivos, os advogados solicitaram a anulação dos atos processuais, incluindo a sentença, e que o recurso especial fosse admitido e julgado adequadamente. Na tarde desta terça, o juiz substituto Davi Vilas Verdes Guedes Neto, do TJBA, assinou a decisão que concede o alvará de soltura a Igor, com base na ordem do STF. Agora, os autos do processo serão enviados ao STJ para a continuidade do julgamento do recurso especial. 

Revolta

A decisão pegou todos de surpresa, incluindo amigos e familiares da vítima. Mayara e Igor mantinham uma relação conjugal de cerca de 1 ano e 8 meses e não tinham filhos. Igor, por sua vez, já tinha sido casado com outra mulher, com quem teve dois filhos. O Correio obteve acesso a documentos judiciais da época que relatam o antes, durante e depois do brutal assassinato da vendedora. 

Segundo o inquérito policial, o criminoso desenvolveu um ciúmes obsessivo pela vítima que “extravasava dos limites da normalidade”. O professor a perseguia, desconfiava da sua fidelidade e monitorava cada passo da vítima. De acordo com a polícia, no dia do crime, em 2 de novembro de 2010, a situação se tornou insustentável depois de uma discussão em que Igor apontou uma arma de fogo para o rosto da companheira durante a madrugada. A mulher, desesperada, pediu que um amigo vigiasse a casa enquanto ela tomava banho.

Igor saiu da casa e fingiu ir embora. De posse de um revólver calibre .38, saltou o muro dos fundos da residência e alcançou Mayara no banheiro. Ainda de toalha, ela foi morta a tiros e Igor fugiu de moto até a fazenda do pai. Depois de 12 dias, o assassino se apresentou à delegacia e confessou todo o crime. Alegou que matou a jovem “em defesa da honra”. 

Vida no DF

Igor se mudou para a capital federal em 2013, pouco tempo depois de ir à julgamento na Bahia e ser absolvido pelo crime bárbaro, mesmo sendo réu confesso. No Distrito Federal, levava uma vida normal, como se nada tivesse acontecido: tinha mulher, filhos, era síndico do prédio onde residia e trabalhava como professor de uma escola pública da região em contrato temporário da Secretaria de Educação, onde dava aulas para alunos especiais. 

Desde fevereiro de 2024, Igor pertence ao quadro funcional, segundo confirmado pela própria Secretaria de Educação ao Correio. No Diário Oficial do DF (DODF), o nome do acusado aparece na lista dos convocados do processo seletivo simplificado para a contratação. O edital é de 2 de janeiro de 2024. “No caso de um professor que se encontra em regime carcerário, o afastamento ocorre de forma imediata. Em caso de condenação, o registro será inserido no sistema, impossibilitando futuras convocações como professor substituto”, argumentou a secretaria.

O documento de convocação dos profissionais faz um alerta aos candidatos que, por acaso, tenham impedimentos judiciais ou administrativos. Esses, não estarão habilitados para serem contratados. Mas não foi o que ocorreu com Igor. A reportagem questionou o órgão quanto aos critérios de contratação e verificação de antecedentes criminais para a admissão. Em nota, a SEEDF informou que, para esse processo, o edital exige a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais, entre outros documentos. Ressaltou que a documentação é analisada pela respectiva Regional de Ensino, que verifica a conformidade com os requisitos estabelecidos. “Esclarecemos que as certidões entregues integram a pasta funcional do profissional e, conforme determina a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), são informações protegidas e não podem ser divulgadas, a fim de resguardar o direito à privacidade de qualquer servidor”, finalizou.

Defesa da honra

A tese usada pela defesa do réu foi suficiente para ele sair pela porta da frente do fórum. Hoje inconstitucional, a tese argumentativa de “legítima defesa da honra” era usada em casos de crimes passionais para justificar atos de violência — principalmente assassinatos — cometidos por homens contra mulheres. A doutrina livrou não só Igor da cadeia, mas muitos outros assassinos que tiraram, de maneira covarde, a vida das companheiras.

A impunidade causou revolta  na cidade e levou centenas de pessoas às ruas de Santa Rita de Cássia na luta por Justiça para Mayara. Fotos da época obtidas pela reportagem mostram os manifestantes em frente ao fórum, com faixas e camisetas com a imagem da jovem. “Mayara foi brutalmente assassinada por um ser que dizia amá-la. Esse crime não pode ficar impune”, constava nas faixas. 

O Ministério Público do Estado da Bahia recorreu e conseguiu anular o júri. Igor aguardou o segundo julgamento em liberdade e somente em 4 de junho foi condenado, porém, continuou solto até 14 de novembro devido aos sucessivos recursos interpostos no Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O mandado de prisão  por condenação transitada em julgado foi deferido pela Vara de Jurisdição Plena de Santa Rita de Cássia. A sentença a ser cumprida é de 10 anos, 10 meses e 18 dias pelo art. 121 (homicídio) qualificado.

 

postado em 19/11/2024 17:27
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