— Querem tolher nossa liberdade, meritíssimo! Sou vítima da censura, do autoritarismo, de quem quer calar nossa opinião! Não deixam nossas ideias se confrontarem pacificamente, depois reclamam quando a turma explode! Já faz um tempo, a gente bateu nela, sim, taokey? Mas ela pediu, meritíssimo! Extremista é ela! Estava armando contra mim!
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— Veja você, meritíssimo, é verdade, minha turma entrou na casa dela, quebrou vidraça, derrubou coisa, rasgou o quadro do Di Cavalcanti (aliás, bem mal pintado, tudo deformado, uma afronta ao bom gosto da família brasileira, dos homens de bem), arrebentou cadeira... Mas sabe como é, o pessoal se entusiasma, aí pinta um clima, qualquer um perde a estribeira, não é mesmo? E a liberdade individual, onde fica? Tem de ver isso aí!
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— Tudo bem, não precisavam ter usado a mesa de escritório como banheiro e sujado aquilo ali. Tem de dar um desconto, era gente cristã, patriota, de família. Quando viram a injustiça contra mim, fraude mesmo, exageraram. Quem nunca?
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— Ela era minha, meritíssimo! Como podia escolher outro? Subversão, senhor juiz. E eu já disse uma vez — aliás, várias vezes: subversivo, só apanhando!
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— Sim, eu enviei vídeos aos amigos pedindo para ficarem acampados por perto; falei que eles tinham de sair à rua para mostrar que me apoiavam, contra o arbítrio, a perseguição, pô. Tenho uns amigos militares, sabe? Disciplina. Ordem e progresso. Deus, pátria, família; até insinuei que eles podiam intervir no lance, mas hoje em dia esse mundo está ficando muito chato, militar não pode nem sair do quartel para ajudar os amigos e lá vem mimimi. Os patriotas do acampamento até cobraram, mas, nem. Já não se faz militar como antigamente, pô.
— ...
— A questão é que ela estava nas mãos de gente imprestável, que falsifica coisas, senhor juiz. Resolveu botar outro para ocupar o lugar que me era de direito! Aí, só matando, prendendo, arrebentando! Aí eu digo: essa turma dos "direitos humanos" tinha de ser mandada para a ponta da praia...
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— Opa, desculpa aê, meritíssimo, me animei aqui, tá okey? Mas eu bem avisei a ela: não vem me acusando de atacar mulher, não! Não tem historinha de se vitimizar! É o tempo todo tentando fazer maldade, querendo me tirar de combate, me desgraçar! Aí tem de entrar na porr..., ops, desculpa aê, senhor meritíssimo.
— ...
— Okey, seu juiz, vamos voltar aqui ao assunto, vamos ficar nas quatro linhas aê. A questão é a seguinte, seu juiz, tem de ver aí essa ideologia de gênero, essa ditadura que nem na Venezuela: se eu não posso nem falar e agitar o pessoal pra tirar a liberdade dela, como é que fica a MINHA liberdade? Aí vira comunismo, pô.