Alguns quilômetros fora do centro urbano, é possível encontrar nas ruas a criatividade pulsante da juventude. Meninos soltando rimas afiadas em batalhas de rap, e o break dance desafiando a gravidade nas calçadas, sob tênis em fio de alta tensão, são algumas das representações da periferia na exposição Foto de quebrada, que chega para revelar as potencialidades de uma cultura rica e diversificada que muitas vezes passa despercebida pela associação a desigualdade e precariedade. A visitação está aberta ao público até 24 de janeiro, de terça a sábado, de 14h às 17h na Galeria Risofloras, em Ceilândia.
A mostra reúne obras de 30 artistas de diferentes regiões do Brasil, que competem por quatro prêmios de R$ 3 mil, financiados pelo Fundo de Apoio a Cultura (FAC), dois escolhidos pela curadoria e dois pela votação popular que encerram em 10 de dezembro. Entre eles, o fotógrafo brasiliense do Correio Kayo Magalhães. Ele retratou o jovem dançarino de break dance, natural do Recanto das Emas, Samuka, que superou a amputação da perna aos 13 anos devido ao câncer.
"O conceito que muitas pessoas têm sobre a periferia é frequentemente marginalizado, mas essa visão não reflete a realidade. Meu objetivo era capturar a história de superação do próprio personagem retratado. Ele encontrou na adversidade uma maneira de inspirar sua comunidade, mostrando que qualquer um pode conquistar o mundo", afirmou Kayo, referindo-se à participação do dançarino no American's Got Talent.
A seleção das fotos foi realizada por uma curadoria que considerou quatro aspectos fundamentais, sendo elas, composição artística, singularidade e originalidade da obra, potência para dialogar com temas além dos limites geográficos e capacidade de reflexão sobre a vida local onde a imagem foi capturada. O trabalho de curadoria foi conduzido por Bruna Paz, Cled Pereira, Gu da Cei e Rosa. "Não tem uma temática definida, temos imagens que retratam vários aspectos, desde composições mais artísticas até outras mais documentais, colagens, e colagens", revela Gu.
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Sem estereótipo
O principal objetivo do festival é promover olhares mais sensíveis e verdadeiros sobre o que é ser "de quebrada". "A gente tem hoje uma visão muito estereotipada sobre o que é fazer parte de uma favela, geralmente tiradas por pessoas que não tem essa vivência. Queremos que as pessoas se reconheçam nas imagens, sintam o que está sendo compartilhado pelos artistas e criem também suas próprias interpretações, como um espelho e uma janela", completa Gu da Cei.
Mila Ellen, 32, moradora de Ceilândia, é atriz e diretora de teatro e expressou sua satisfação com escolha da Praça do Cidadão para o evento, que para ela é um espaço vibrante e movimentado, frequentemente utilizado para eventos culturais e sociais, como o grupo Jovens de Expressão da qual ela faz parte. Principalmente levando em consideração as composições das fotografias. "Todas elas trazem uma sensação de movimento, e a quebrada é isso, essa praça é movimentada o tempo todo, e as periferias também, até porque é onde está concentrada a maior parte da população", pontua.
Aysú, 41, técnica de enfermagem, é do interior de Pernambuco, e considera importante ter um hobby artístico nas periferias expressadas nas imagens, pois proporciona uma forma de auto expressão e resistência cultural. "A arte permite que jovens expressem suas realidades e histórias, recuperando autoestima em contextos de exclusão social. Além disso, oferece alternativas ao envolvimento com violência e drogas, criando oportunidades de renda e desenvolvimento pessoal", reflete.
Terceira edição
Essa é a terceira edição do festival, e a segunda que ocorre em âmbito nacional. Com um histórico de sucesso, a expectativa para o próximo ano é ainda mais alta, com planos de que a exposição circule por outros estados. Embora os detalhes sobre as datas e os locais ainda não estejam definidos, a organização está empenhada em ampliar o alcance.
A abertura da exposição ocorreu em 9 de novembro, e foi marcada por uma programação animada, incluindo apresentações do DJ Kayaman e um aulão de funk da Cia Versão Brasileira. Além disso, um leilão de arte conectou mais de 200 artistas, promovendo um novo circuito de compra e venda de arte periférica.
* Estagiária sob a supervisão de Patrick Selvatti